Irlam Rocha Lima
postado em 17/01/2019 06:45
Joyce Moreno teve a chance de se tornar parceira de Vinicius de Moraes. Vários acenos foram feitos neste sentido pelo Poetinha, mas não tiveram acolhida daquela bela morena,;broto bacana de Copacabana;. Mais tarde, porém, ela aceitou um convite dele, para substituir Toquinho na turnê Poeta, Moça e Violão pelo Uruguai, Argentina e países da Europa, em 1975.
Bem antes, em 1968,Vinicius escreveu o texto de apresentação do disco de estreia da cantora em que concluía afirmando: ;A Joyce está aqui neste LP com seus primeiros anseios, recados e frustrações de amor, entra com o pé direito na moderna canção popular brasileira. E, além do mais, com aqueles olhos verdes e aquela graça toda...Pôxa, assim não vale...;
Foi com a recriação desse histórico registro fonográfico ; produzido por Armando Pittigliani, com arranjos de Lindolfo Gaya e Dori Caymmi ; , que ela comemorou cinco décadas de carreira. Relançado pela Biscoito Fino, sob o título Joyce Moreno 50, conta na base com o trio formado por Hélio Alves (piano), Rodolfo Stroeter (baixo) e Tutty Moreno (bateria), que vem a ser marido da cantora. A eles se junta , hoje, o inconfundível violão de Joyce, responsável também pelos novos arranjos.
O álbum traz as 10 músicas do disco original. Estão lá: Não muda nada (que abre o repertório), Improvisado, Superego, Cantiga de procura, Me disseram, compostas por Joyce; Choro chorado, parceria dela com Jards Macalé; Ansiedade (Paulinho da Viola), Ave Maria (Caetano Veloso), Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes) e Litoral (Toninho Horta e Ronaldo Bastos). A elas se juntam duas faixas-bônus, a inédita Com o tempo (Joyce e Zélia Duncan) e A velha maluca, só de Joyce.
No encarte, ao lado de cada uma das letras, vem um breve comentário da cantora sobre como e por que as canções foram escolhidas para integrar o projeto. Além do trio que a acompanhou, Joyce contou com a participação de amigos/músicos de diferentes gerações, entre os quais Roberto Menescal, Marcos Valle, Francis Hime, Danilo Caymmi, Toninho Horta, Zélia Duncan, André Mehmari e Alfredo Del Penho.
Entrevista Joyce Moreno
O Vinicius fez a apresentação do seu disco de estreia. Qual foi a importância dele para o seu trabalho?
Vinicius foi meu padrinho musical desde o início. Primeiro, dando esse aval ao meu trabalho desde o primeiro disco, inclusive emprestando a casa dele para que o Pedro de Moraes, grande fotógrafo e seu filho, fizesse as fotos com os compositores do disco na contracapa do LP. Além disso, foi uma amizade de uma vida inteira. Não fomos parceiros apenas porque eu fui uma boba e perdi várias oportunidades que ele me ofereceu. Quando, em 1975, eu estava retornando à música, depois de ter ficado quase cinco anos parada cuidando de minhas filhas pequenas, ele me convidou para substituir Toquinho no show Poeta, Moça e Violão, fazendo o violão e a moça numa temporada que começou no Uruguai e depois seguiu para Argentina e Europa. Foi um importante recomeço para mim.
Que avaliação faz das cinco décadas de sua trajetória musical?
Minha avaliação é bem simples. Fiz o que achava que devia fazer, e meu passado não me condena.
Por que quis revisitar o LP de estreia ao gravar o álbum comemorativo dos 50 anos de carreira?
Gosto muito do repertório. Acho que é ainda pertinente nos dias de hoje. Sempre achei que a forma como o disco tinha sido gravado era um pouco datada, e aquele repertório merecia uma cantora melhor. Minha vontade realmente era refazer esse repertório com as ferramentas de que disponho hoje, e enquanto ainda posso regravar as canções nos tons originais, de 50 anos atrás. Por tudo isso, também fiz a maioria dos arranjos. E, quando não fiz, meus companheiros de estrada se encarregaram disso. Fiquei bem feliz com o resultado.
Da sua geração, você é um uma das raras artistas com trabalhos autorais. À época, quando surgiu no cenário da MPB, como era vista a cantora que era também compositora?
Praticamente não existia essa figura da cantautora em 1968. Por isso, fui recebida com bastante estranhamento, principalmente por escrever no feminino singular, o que não se fazia de jeito nenhum. Lá pelo final dos anos 1970, com o boom de cantoras/compositoras, esse estranhamento acabou. Continuou um pouco o estranhamento com relação à figura feminina como instrumentista, arranjadora e band-leader. Esse estranhamento hoje também não existe mais, mas precisei lidar muito com isso ao longo da minha trajetória.
Considera a sua geração como a de maior brilhantismo da MPB?
A MPB tem várias épocas de ouro, começando lá atrás, nos anos 1910, depois nos anos 1930, e desaguando na bossa nova, no final da década de 1950/1960. A geração dos meus contemporâneos de fato é uma geração brilhante, que aparece justamente em seguida à bossa nova, da qual somos todos filhos. E se distribui em vários estilos criados a partir daí: tropicalismo, clube da esquina, a chamada linha evolutiva da música brasileira.
Você se insere em qual desses movimentos?
Eu, na verdade, participei um pouco de todos esses movimentos, sem realmente pertencer a nenhum. Minha música, do jeito que eu a entendo, se fortalece a partir de 1980, com o disco Feminina. E segue daí em diante, num caminho bastante solitário. Solitário, porém sólido.
Como surgiu a parceria com Zélia Duncan?
Somos amigas há bastante tempo, e quando ela fez 50 anos de idade, me enviou essa letra, que me pegou de cara pela primeira frase: ;Com o tempo, fui ficando mais moça;. Eu sinto exatamente isso, na música e na vida. Achei muito bacana essa reflexão, e agora, aos 70 anos, assumo isso cada vez mais. Então, musiquei a letra dela quase que instantaneamente, e, claro, tinha de convidar a parceira para essa participação do disco.
O que tem feito para manter a voz com o mesmo viço e timbre inalterado?
Melhor perguntar o que eu não faço.Talvez a letra de Monsieur Binot possa dar uma pista. Sempre tive uma estilo de vida bastante saudável, talvez seja por aí. Ou talvez porque eu, como aprendi com Dorival Caymmi, fuja sempre dos ;sentimentos escuros;. Ou porque durmo cedo, ou talvez porque estou sempre na estrada, sem parar, e isso não deixa de ser um exercício para manter a voz sempre funcionando. São tantas possibilidades; Nunca pensei sobre isso, nunca tive aulas de canto nem nada parecido, mas agora, nesses últimos anos, as pessoas têm me perguntado frequentemente sobre esse assunto.
O que destaca, além do seu canto e das composições, na produção do Joyce Moreno 50?
Para mim, foi muito importante ter a presença de amigos que estão na minha vida há 50 anos, e outros que chegaram mais recentemente, pois acredito sempre que na minha geração é todo o mundo que está vivo ao mesmo tempo que eu. Eu sigo à risca a máxima de Vinicius de Moraes, de que a vida é a arte do encontro. Sou uma pessoa gregária e gosto sempre de trabalhar com pessoas queridas.
Então, a gravação desse álbum deve ser vista como uma celebração?
Nesse disco, originalmente, eu compus metade do repertório e a outra metade foi completada com músicas de amigos meus daquela época. Pois bem, estão todos aí, maravilhosos, criando, todos na ativa, e vários puderam vir participar comigo de mais esse encontro. Isso me encheu de alegria. O 50, então, tem muito este sentido gregário, de celebração. Desde Roberto Menescal, o amigo mais antigo, que me viu ainda quase uma criança, até meu neto Tom Andrade, passando por várias gerações de amigos e parceiros. Foi festa mesmo.
SERVIÇO
Joyce Moreno 50
CD com 12 faixas e duas faixas- bônus. Lançamento da gravadora Biscoito Fino. Preço sugerido: R$ 34,50.