Diversão e Arte

Mostra de Cinema de Tiradentes antecipa discussões da temporada

Festival mineiro estende a reflexão para fora da sala de projeção, colocando a presença física do ser humano e toda sua carga estética e política no centro da reflexão

Carlos Helí de Almeida - Especial para o Correio
postado em 19/01/2019 06:30

A atriz, dramaturga e diretora mineira Grace Passô é a homenageada deste ano

Tiradentes (MG) ; Como primeiro evento do calendário audiovisual brasileiro, a Mostra de Cinema de Tiradentes sempre se preocupou em apontar caminhos, ou pelo menos tentar antecipar questões e preocupações estéticas e sociais da temporada a sua frente. Este ano, em que sua vigésima segunda edição coincide com um início de um novo governo, o festival mineiro estende a reflexão para fora da sala de projeção, colocando a presença física do ser humano e toda sua carga estética e política no centro da reflexão: ;Corpos adiante; é o tema que norteia a programação de filmes, debates e performances, que acontece entre 18 e 26 na cidade histórica mineira.

;As questões do corpo, naturais de campos como a medicina e a moda, têm contaminado as artes também nos últimos anos. O corpo sempre foi central no cinema, na figura dos atores, dos personagens. Mas também é preciso pensar em como ele é representado pelo cinema neste momento político pautado pelo controle dos corpos, seja o do índio, o dos sem-teto ou daqueles que lutam pelo reconhecimento de seu gênero;, explica o crítico Cléber Eduardo, coordenador geral da curadoria da Mostra Tiradentes. ;Atravessamos um retrocesso nessa regulamentação do corpo, e queremos ecoar essa preocupação;.

Por sua abrangência, o conceito de ;Corpos Adiante; pode se manifestar de forma distinta em muitos dos 108 títulos da seleção deste ano, distribuídos por diferentes mostras. ;Às vezes, ele surge como uma simples questão estética, como o corpo se relaciona com a câmera, com o teatro, por exemplo. Em outras, há uma reação política mais explícita. O filme Trágicas, de Aída Marques, por exemplo, reencena tragédias de mulheres vítimas de violências, desde a época da ditadura militar. Ilha, de Ary rosa e Glenda Nicácio, descreve o sequestro de um cineasta para a realização de um filme sobre um negro, que quase deságua em tragédia;, aponta Cléber.

Destaque da programação, a seção Aurora, que reúne trabalhos de realizadores com até três filmes no currículo, é composta por títulos como o documentário A rainha Nzinga chegou, de Julia Torres e Isabel Casimira, que resgata a ancestralidade africana dos baianos, ou o drama Seus ossos e seus olhos, de Caetano Gotardo, sobre as relações afetivas e sexuais de um jovem cineasta. ;Sexualidade e questões raciais, assuntos que se destacam no conjunto de filmes selecionados pela Lila Foster e o Victor Guimaraes;, observa o coordenador geral.

Os outros cinco candidatos do Aurora, que disputam o prêmio da crítica, são A rosa azul de Novalis (SP), de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro; Tremor iê (CE), de Elena Meirelles e Lívia de Paiva, Vermelha (GO), de Getúlio Ribeiro; Desvio (PB), de Arthur Lins, e Um filme de verão (RJ), de Jo Serfaty. ;Destacamos produções que tentam desconstruir os códigos da ficção e do documentário, com dramaturgias que constroem nos espaços entre o passado da ancestralidade, o presente dos conflitos e a incerteza do futuro;, resume Lila Foster.

Candango

A grande homenageada da Mostra Tiradentes deste ano é a atriz, dramaturga e diretora mineira Grace Passô. Além de exibir, na noite de abertura, o média-metragem Vaga Carne, codirigido por ela e o diretor Ricardo Alves Jr, a partir de um monólogo escrito pela atriz, Grace estará nas telas da cidade nos filmes Temporada, de André Novais Oliveira, com o qual ganhou o Candango de melhor atriz no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro do ano passado, e Elon não acredita na morte, de Alves Jr. A artista também estreará em Tiradentes uma performance teatral inédita, intitulada Grão de imagem, em que descreve cenas reais e cinematográficas.

;A escolha da Grace concilia o tema da mostra e o conceito da homenagem anual do festival;, explica Cléber. ;O tributo tinha que ir para um ator ou atriz, por causa do moto da programação deste ano, que é o corpo. A Grace tem uma filmografia pequena mas, por sua longa, sólida e premiada carreira no teatro, ela surgiu como um corpo retrospectivo. E tem a ver com o Adiante, porque tem vários projetos de filmes novos engatilhados. A própria Grace achou que não merecia a homenagem, porque está começando no cinema agora. Mas foi convencida com o argumento de que ela é uma aposta no futuro;, conta o curador.

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