Rebeca Borges*
postado em 20/01/2019 07:30
;Eu vou pro baile de sainha, agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar;, cantava Valesca Popozuda no auge do funk, ainda nos primeiros anos da década de 2000. À época, as letras alardeadas pela funkeira carioca no grupo Gaiola das Popozudas eram consideradas chocantes, principalmente por serem cantadas por mulheres.
Entretanto, foram nomes como o de Valesca que abriram espaço para que as artistas do cenário começassem a cantar sobre o que quisessem. Atualmente, são muitas as funkeiras que falam abertamente sobre liberdade sexual, prazer, erotismo, independência e força feminina em suas letras.
Chegar até este patamar não foi tarefa fácil, porque essas temáticas não costumam ser bem-recebidas quando abordadas por mulheres, e têm aceitação maior quando cantadas por homens. É o que explica a professora e historiadora Susane Oliveira, que atua na Universidade de Brasília (UnB) e desenvolve pesquisas sobre feminismo.
;Nessa concepção, o masculino se identifica com um modelo de sexualidade livre, forte, insaciável, agressiva e descontrolada, enquanto as mulheres são identificadas com a maternidade, o casamento, a família, a passividade, e o controle de seus corpos e sexualidade por homens;, conta a professora.
Quando as mulheres quebram essas imposições de gênero no meio artístico, a reação do público costuma ser negativa. Susane explica que elas ;podem sofrer agressões de todo tipo e serem ainda vistas de modo estigmatizado como promíscuas, vagabundas, imorais ou pecadoras;.
Apesar das críticas negativas, as funkeiras resistem. A historiadora ressalta que tudo isso ;é parte de um processo mais amplo de libertação e empoderamento;.
Um exemplo disso é a ressignificação, em alguns casos, de termos utilizados de forma pejorativa por homens no funk, como ;piranha; e ;cachorra;. Algumas artistas se apropriam dessas palavras para falar sobre liberdade. ;A reapropriação destes termos vem sendo positiva e libertadora para algumas mulheres, na medida em colocam em questionamento os valores sexista e machistas vigentes no espaço do funk. Nessa reapropriação, tais termos passam a se constituir em sinônimos de mulheres livres sexualmente;, explica.
Entretanto, ela ressalta: infelizmente, ainda existem artistas mulheres que reproduzem imagens de hipersexualizadas, assim como grande parte dos cantores do sexo masculino no universo do funk. Além disso, Susane explica: ;Há letras de funk, produzidas por mulheres, que reforçam também a disputa e a competição entre elas pelos homens;.
Apesar dos pontos negativos, é possível reconhecer que boa parte das funkeiras que cantam sobre liberdade se tornaram ícones e viraram referência. É o caso de nomes, como Deize Tigrona, Valesca Popozuda, Tati Quebra Barraco e MC Carol, por exemplo.
Nova geração
Com apenas 20 anos de idade, a carioca Rebecca Alves, conhecida como MC Rebecca, deu o que falar. A jovem é a voz da música Cai de boca, que estourou na internet no segundo semestre de 2018. A letra do hit fala sobre sexo oral em mulheres e, com comentários negativos de um lado e positivos de outro, fez sucesso por todo o país.
;A Ludmilla me deu essa música. Eu gravei e o DJ Zebrinha produziu. Sempre gostei de funk, mas nunca foi minha área;, conta Rebecca, que, anteriormente, atuava como passista na escola de samba Acadêmicos do Salgueiro. De repente, o sucesso chegou para a carioca.
Sobre as músicas explícitas, Rebecca comenta: ;As minhas letras são para passar uma mensagem. Antigamente, você não ouvia essa coisa sobre homens fazerem sexo oral nas mulheres. Eu acho que já dei bastante voz pras mulheres cantarem sobre o que elas quiserem;.
Ela conta que, no começo, a reação do público não foi das melhores: ;As pessoas ficavam assustadas no começo, porque não escutam isso frequentemente, estão acostumadas a ouvir isso vindo só de homens;. Mas ela não abaixa a cabeça: ;Tento trazer para mim só os comentários positivos. Os negativos eu descarto;, afirma.
Além de Cai de boca, Rebecca também fez sucesso com as faixas Coça de Rebecca e Ao som do 150. Não para por aí! A funkeira promete que, em breve, o público pode esperar novidade. ;Eu tenho uma surpresa pro carnaval, que vai ser lançada no começo de fevereiro. Tô muito ansiosa, pode aguardar que é hit!”, brinca.
*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco
Conheça mulheres de sucesso no funk
Deize Tigrona
; Nascida em São Conrado, no Rio de Janeiro, Deize da Silva, popularmente conhecida como Deize Tigrona, fez sucesso nos primeiros anos da década de 2000. Com letras escrachadas e palavrões, a carioca foi uma das pioneiras do cenário do funk.
Tati Quebra Barraco
; Tatiana Lourenço, a Tati Quebra Barraco, nasceu na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e é um dos maiores nomes femininos do funk. Fez sucesso nos anos 2000 com as músicas Boladona, Desce glamourosa, Sou feia mas tô na moda e Dako é bom. Em entrevistas, a funkeira ressalta que sempre continuará com um discurso em prol das mulheres e da população LGBTQ.
Valesca Popozuda
; A carioca Valesca iniciou a carreira liderando o grupo Gaiola das Popozudas, que nascem em 2000. A funkeira era a voz por trás de canções polêmicas à época, como Vai danada, Late que eu tô passando e Agora eu tô solteira. Em 2012, ela iniciou carreira solo e lançou hits como Beijinho no ombro.
MC Carol
; MC Carol nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro. A funkeira é conhecida por hits como Jorginho me empresta a 12, Liga pro Samu e Meu namorado é mó otário. Além de falar sobre temáticas sexuais, as letras de MC Carol tratam de assuntos sociais, sempre com uma pegada humorística.
MC Pocahontas
; Um dos maiores nomes da nova geração do funk, Viviane de Queiroz é MC Pocahontas. A carioca ficou conhecida em 2010 com a música Mulher do poder. Em 2018, lançou hits como Quer mais?, Oh quem voltou e Tô tarada. Além disso, a funkeira acaba de assinar contrato com a Warner Music, mesma gravadora de Anitta.