Diversão e Arte

Análise do Oscar mostra que a Academia deixou ranço conservador

Inclusivo, na representação dos premiados, o nonagenário Oscar perde traços da elite branca ao qual sempre foi atrelado, e celebra a diversidade

Ricardo Daehn
postado em 26/02/2019 11:00
O favorito: Rami Malek celebra o prêmio de melhor ator, na festa com banquete, depois da cerimônia
Se a 91; festa do Oscar começou com menção, entre uma das apresentadoras, de que o México "não pagaria um muro", coube ao premiado melhor diretor mexicano Alfonso Cuarón mostrar o reverso dos propósitos de separação defendidos por alguns: integrando personagens, ele nutriu um dos filmes vencedores, Roma, de compaixão. O Oscar veio, de fato, para sacramentar a visão de comunhão e da quebra de preconceitos ; venceram artistas negros, mulheres diretoras e intérpretes de personagens LGBTQ.

Roma levou ainda Oscar de melhor filme estrangeiro e de melhor fotografia (em preto e branco) ; quando Cuarón exaltou a constante parceria com o amigo Emmanuel Lubezki (mexicano que venceu prêmios Oscar com O regresso, Gravidade e Birdman), mas que ele ;substituiu; em Roma. Ao vencer ainda pela produção estrangeira, Cuarón comentou: ;Cresci vendo filmes estrangeiros como Cidadão Kane, Tubarão e Rashomon (de Akira Kurosawa)". No discurso ele desacreditou as ;novas ondas do cinema; e crivou o ideal de ;todos (talentos criativos) sermos parte de um mesmo oceano;. Cuarón, com Roma, entra para o rol dos 17 diretores ganhadores de dois Oscar, entre os quais estão Ang Lee, Clint Eastwood e Alejandro González Iñárritu.

Pantera Negra e Bohemian rhapsody, junto com Green book: O guia (considerado melhor filme) exaltaram o impacto dos ditos marginalizados em filmes com diferentes alcances de público. Juntos, os dois primeiros arrebataram mais de US$ 2,2 bilhões, enquanto Green book rendeu meros US$ 144 milhões. Em termos de audiência, a festa do Oscar, mais dinâmica, pelos dados preliminares, rendeu mais visibilidade: com Lady Gaga e Bradley Cooper cantando a música vencedora de prêmios Shallow (ao vivo no palco do Teatro Dolby) e sem mestre de cerimônias, o público (em declínio) voltou a se interessar pelo evento, registrando incremento de 14% em relação ao ano passado.

Divisão

Nos últimos 30 anos, por apenas nove ocasiões ocorreu feito visto nesta 91; edição do Oscar: não houve casamento entre o melhor filme e o melhor diretor. Foi noite de surpresas, e, finalmente, o diretor e ativista negro Spike Lee pode ser premiado, pelo roteiro adaptado de um dos filmes mais incisivos da temporada, em termos de impacto e de discussão racial ; com Infiltrado na Klan, se mostra a quebra (e o ridículo) dos tentáculos de um levante racista nos anos de 1970 dos Estados Unidos ; e, o pior de tudo: a trama é baseada em fatos, e tem quase que uma sequência pós-créditos que atualiza a problemática da fissura social americana. "Se nós voltarmos a nos conectar com nossos ancestrais, nós teremos amor, sabedoria e vamos recobrar nossa humanidade ; será um momento poderoso", observou o diretor de Faça a coisa certa (1989).
Spike Lee, premiado pelo roteiro de Infiltrado na Klan
Vencedor de três prêmios Oscar (trilha sonora, figurino e direção de arte), Pantera Negra empoderou os enredos de super-heróis e prestou reverência à cultura africana embutida no filme que destaca o equilíbrio do potencial tecnológico e dos recursos naturais de uma sociedade de quimera. No ano em que o curta de Guy Nattiv Skin, detido em questões raciais, venceu, outra fita baseada na quebra de preconceitos trouxe destaque, pelo roteiro original para o (esquecido) diretor de Green book, Peter Farrelly que efetivou a parceria com Nick Vallelonga.
Farrelly (conhecido, no passado, por fitas infames no humor ; entre as quais Débi & Loide 2 e Quem vai ficar com Mary?), esteve no palco, como produtor, quando sacramentou: ;Green book é sobre amar uns aos outros, apesar das diferenças. Fala ainda da busca pela nossa verdade, sobre quem somos ; no fundo, somos as mesmas pessoas;. O retrato da igualdade e da luta por justiça corou as interpretações dos coadjuvantes, os negros Mahershala Ali (Green book) e Regina King (Se a rua Beale falasse), que lembrou o poder da voz engajada do criador do livro em que o filme é baseado, o ativista James Baldwin.

Questões raciais também atravessam a melhor animação em longa-metragem de 2019, Homem-Aranha no aranhaverso. Aspectos ligados a imigrantes igualmente movem a fita; daí o codiretor Phil Lord ter celebrado, no palco, a cumplicidade com o público, volta e meia, surpreso: ;Muitas crianças que assistem ao filme dizem: (os personagens) falam espanhol, como a gente. É quando nós (diretores) nos sentimos, desde sempre, vencedores;. Na lista dos perdedores, o filme A favorita com 10 indicações foi salvo pelo gongo: não fosse a surpreendente vitória de Olivia Colman (na vaga dada como certa para a oponente Glenn Close, de A esposa) o filme de Yorgos Lánthimos teria saído de mãos abanando, caso da coadjuvante Amy Adams que, em 13 anos de múltiplas indicações, perdeu pela sexta vez. Glenn Close, indicada desde os anos 1980, amargou a sétima derrota.

;Posso não ter sido a escolha mais óbvia, mas acredito que tenha funcionado. Obrigado ao Queen. Obrigado, caras, por existirem, por me permitirem ser uma pontinha do todo do fenômeno que vocês representam, no seu extraordinário legado. Tenho dívida eterna com todos;

Rami Malek, ao vencer o Oscar de melhor ator por Bohemian rhapsody

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