Diversão e Arte

Documentário sobre artistas do Gama revela riqueza de ideias e realizações

Documentário dirigido por Tistá Filintro revela o trabalho de 10 artistas e traz narrativas de histórias pessoais que se confundem com o cotidiano da cidade

Severino Francisco
postado em 26/02/2019 07:10

O cineasta Tistá Filintro apostou na radiografia de artistas do Gama, no mais recente filme

O movimento cultural do Gama foi muito forte e intenso nas décadas de 1980 e 1990. Mas os problemas de manutenção de espaços, que afeta todo o DF, também atingiu a cidade da periferia. Com isso, o movimento arrefeceu, mas não se perdeu. Muitos criadores remanescentes dessa época continuam atuantes. O cineasta Tistá Filintro convocou 10 artistas de três segmentos (artes plásticas, teatro e teatro de bonecos) para contar as histórias de suas vidas e de suas obras no documentário Artes e artistas do meu bemquerer.

Na verdade, Tistá pretendia reunir um número maior e conceder também um espaço mais amplo. No entanto, optou por deslanchar o projeto com os recursos disponíveis. Ele rodou o filme graças ao patrocínio do FAC (Fundo de Apoio a Cultura). Mas idealiza dar sequência ao documentário, concedendo mais tempo para os depoimentos e incorporando outros artistas: ;Preciso estender o documentário para duas ou três horas;, comenta Tistá.

Os artistas que participam do documentário são: Calmir Albuquerque, Mário Salluz e Dalmácio Longuinho (artes plásticas); Marco Augusto Rezende, Domingos Rodrigo e Leda Carneiro (atores ou atrizes bonequeiros e bonequeiras); Jairo Mendonça, Edu Mazurca e Gilmar Batista (cantores). A maioria deles é remanescente das décadas de 1980 e 1990: ;O Gama era tido como um centro de artes durante essas décadas;, observa Tistá. ;Eles viveram aquele momento quente do Gama. A arte deles fluía inclusive para o Plano Piloto. Oswaldo Montenegro passou pelos festivais de música do Gama. Passamos por muitas dificuldades nos últimos tempos. Mas, mesmo assim, temos muitos artistas importantes. Eles continuam lutando até hoje.;

No filme, Tistá concedeu primazia aos artistas que ele qualifica como ;de raízes; porque a história deles se confunde com a história do Gama: ;O Gama continua sendo uma referência na arte dos bonecos. É uma tradição que não se perdeu, mesmo com todas as dificuldades para fazer cultura hoje. Nós estamos tentando retomar esse movimento. Vamos programar um festival de cultura do Gama. O filme deixa nítida a paixão de todos eles pela arte.;

Atualmente, o segmento de mais destaque no Gama é o da música. Apesar de existerem muitos artistas plásticos, eles estão pulverizados. O teatro de bonecos ainda mantém viva a tradição. Mas existe o temor da descontinuidade em razão dos problemas de produção, exposição e circulação da arte no Gama: ;O que nos salva são os artistas de raízes, que não desistem nunca e continuam mantendo a chama da cultura acesa;.

Tistá calcula que o Gama tem mais de 50 artistas reconhecidos. E cita, entre outros os nomes de Fernando Fernandes (teatro), Jairo Mendonça (música), Gilmar Batista (música) e João de Fibra (artes plásticas), como destaques da arte gamense: ;O João de Fibra é um artista original, é o único artista plástico que conheço que faz arte com capim. Ele será personagem do próximo filme. O que é necessário é incentivo. Quem faz cultura no Gama é com o dinheiro do bolso, na raça.;

Com o documentário Artes e artistas do meu bemquerer, Tistá pretende dar visibilidade à produção cultural do Gama. Considera que as escolas e os pontos de cultura referências essenciais para ampliar o conhecimento do público e conquistar novos simpatizantes: ;Cada administração não deixa nenhum registro do que faz na área da cultura. Por isso, considero que esse filme é muito importante. Precisamos estreitar o vínculo com a educação. Só assim podemos alcançar os jovens, que precisam muito de arte para conseguir se formar em uma educação humanista;.


Entrevista// Tistá Filintro


Como começou fazer cinema?

Na verdade, sou um pouco de cada coisa, sou artista plástico, compositor e ator de teatro. Fazia teatro na boca do lixo. Frequentava a escola de arte contemporânea em São Paulo, perto da Praça da República. Procurava me entrosar com o pessoal de lá. Conversava muito com o Zé do Caixão e o Davi Cardoso, que fazia pornochancada.


E como foi a chegada ao Gama?

Cheguei em 1982 e criei a Stellar filme produções cinematográficas. Em 1993, fundei o Cenas do Bem, o nosso canal do Youtube. Produzimos 17 filmes, entre eles, um média-metragem de 26 minutos, intitulado Extinção. Falamos da falta de água em 2020 e 2030, na forma de uma ficção. Rodamos, também, o longa-metragem Uma luz em meu caminho, que narra a história de um garimpeiro, que rouba uma pedra preciosa de outro companheiro de mineração, mas fica com a consciência culpada e quer devolver para a viúva. Filmamos no presídio feminino da Papuda. Um dos personagens do filme estava preso lá por ninharia. Quisemos mostrar que por cousa de bobagens as pessoas podem perder a liberdade. A mensagem é de não trocar a nossa liberdade por uma cela na prisão.

Por que você escolheu o Gama?

O Gama é um celeiro de arte.

Você fez algum trabalho com o Afonso Brazza no Gama?

E quando eu mudei para cá, o Afonso Braza me convidou para participar com os filmes dele. Mas os filmes dele são trash e eu não queria ser classificado nesta vertente. A nossa proposta de filme é fazer o bem por meio do cinema. É essa a mensagem que a gente leva ao público.

Por que trabalha nesta vertente. É uma questão religiosa?

Eu procuro direcionar a mensagem do que a gente fazia no teatro em São Paulo. Tínhamos um grupo de humor chamado Arcanjos Marmanjos. Fizemos a peça Pai atrapalhado, filho destrambelhado. Isso acontece pelo fato de eu ter uma formação espiritualista, sei o que vim fazer aqui na terra. Tento passar uma mensagem construtiva.


O que pretende?

É uma contribuição. Queria fazer um filme de três horas. Todas as cidades-satélites. O administrador entra e vai embora. Quando o diretor de cultura sai não deixa nada. Não se tem nenhum registro. Vou fazer esse curta-metragem de 15 minutos. E a gente tenta mostrar um pouco do que fazemos. Cada um fala um pouquinho do que é, a influência, turnês no exterior, os prêmios que ganharam. Com um pouco maisw de tempoo, quero fazer um documentário maior , de duas ou três horas. Temos um cara que domina todas as fibras, arte de bolsa e cesta no capim. Não consegui colocá-lo no documentário. João de Fibra.

Os artistas do filme


ARTISTAS PLÁSTICOS

Calmir Albuquerque, artista do Gama

CALMIR ALBUQUERQUE

Começou a criar na pintura em tela nos anos 1990, passou a ser conhecido como artista nos anos em 1995. Faz um trabalho na linha surrealista com técnica de óleo sobre tela, acrílico sobre tela. Mas não se limita a usar os métodos tradicionais. Desenvolveu uma técnica de pintura sobre telha explorando as ondulações.

MARIO SALLUZ

Trabalha com o conceito universal dos três erres (reduzir, utilizar e reciclar). Mário Sallúz desenvolveu outro conceito: a criação da Eco tela. É uma tela que imita um tronco de árvore. Um material que tem um destino certo: O lixão. Coleta o mdf, compensado e papelão, molda com massa acrílica e tinta a obra.


DALMÁCIO LONGUINHO

Mergulhado em mais de 30 anos de pintura, o artista brasiliense Dalmácio Longuinho apresenta Brasília como um pedestre roqueiro que circula de ônibus entre o Entorno e o Plano Piloto. Seu trabalho mais conhecido é O beco do mijo, um quadro pintado nos anos 1980, que retrata uma passarela do Plano Piloto. Com requinte no traço e texturas que adensam o olhar, Dalmácio desvela uma Brasília sitiada por seus próprios nós de concretude, solidão, becos, sujicidades, que questionam a imagem da cidade monumental. A referência constante do rock;n;roll amplia a engrenagem da reflexão de sua arte.

ATORES OU ATRIZES BONEQUEIROS(AS)


MARCO AUGUSTO REZENDE

Diretor bonequeiro do grupo Cia Voar Teatro de Bonecos fundada em 2003 com o ideal de fazer crianças, adultos e idosos felizes. Residente na cidade do Gama-DF desde 2003, percorreu o país e o exterior com sua trupe.No Gama é um dos principais responsáveis pela disseminação da arte de encenação com bonecos. Mantém viva na memória do público a importância de cultuar essa arte.

DOMINGOS RODRIGO

Ator, bonequeiro, gestor cultural e professor de história da arte licenciado em artes cênicas pela UNB e com pós-graduação em Gestão Cultural pelo Faculdade Senac. Assina com o nome artístico, Dom Rodrigo Valente. Iniciou a carreira em 1994, quando trabalhou em vários grupos da cidade do Gama. Em 2002, fundou a Cia. Teatral Cidade dos Bonecos atuante até os dias de hoje. Também é gestor da Associação Cultural Sonart onde é responsável pela elaboração e coordenação de projetos culturais nas linguagens da música, artes cênicas e fotografia. Esteve na linha de frente do Festival Encontro Sonoro, Projeto Edição de Música e Mostra Itinerante Cidade dos Bonecos.

LEDA CARNEIRO

É atriz e bonequeira. Iniciou a formação em 1985 na escola Polo de Artes Cênicas, no antigo CED 02 no Gama. Participou de 13 espetáculos. Integrou Festivais, mostras e encontros de teatro em Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás. Atualmente, é gestora do Espaço Cultural Bagagem e membro do Grupo Bagagem Cia de Bonecos.

CANTORES


JAIRO MENDONÇA

Professor, residente no Gama/DF desde 1990. Cantor e compositor, desenvolve uma linha de composições construtivas, ora românticas, ora encantando e difundindo o teatro de boneco. No Gama, é um dos principais responsáveis pela disseminação do segmento.

EDU MAZURCA

Músico e compositor nascido no Gama em 1980. Há 20 anos em atividade, fundou as bandas Metrópole Zero e Cromonato, além de elaborar um projeto de registro chamado Laranja Label. Com esses trabalhos, já participou de inúmeros festivais, entre eles: Porão do Rock (DF), O Forcaos (CE), Festival Universitário (PR) E Rolla Pedra (DF).



GILMAR BATISTA

Professor de literatura portuguesa, músico e produtor cultural. Mora no Gama deste 1979. Gerente da Cia Lábios da Lua. Atua à frente da banda Ard no Gama desde 1984. Tem lançado no mercado musical: dois discos split(metade cada banda), 2 discos individuais, 1 compacto e 1 disco em homenagem à sua banda. Fez 36 shows em duas turnês na Europa em 2017, e em 2018 esteve em turnê na Suécia, Dinamarca, Finlândia, Estônia, Mongólia e Rússia. Participou de 12 CDS coletâneas e trilha sonora de um documentário sobre o grafite rodado em 15 países.


TEATRO


FERNANDO FERNANDES

Fernando Fernandes com 34 anos de carreira, mais de 40 espetáculos. É dramaturgo, ator, diretor e escritor. Recebeu seis prêmios nacionais. Produziu espetáculos de nomes consagrados como Elizabeth Savalla, Ítalo Rossi e Fernanda Montenegro. Os mais recentes trabalhos de Fernando foram O palhaço, filme de Selton Mello; A viagem de Chicó em noite de São João, de Ariano Suassuna; O milagre do santo novo, de Graça Veloso; O Menino Maluquinho, de Ziraldo; e Tropicália, onde atua e assina a direção.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação