Diversão e Arte

Francis Hime é a estrela do Clube do Choro em show nesta quinta

Repertório do show terá clássicos da parceria com Chico Buarque e Vinicius de Moraes

Irlam Rocha Lima
postado em 07/03/2019 06:30

Francis Hime abandonou o curso de engenharia para se tornar um dos grandes compositores da música popular brasileira

Por culpa de Vinicius de Moraes, o Brasil deixou de ter um promissor construtor de máquinas e equipamentos. Em compensação, o Poetinha foi responsável pela MPB ganhar um dos seus mais talentosos compositores. Explica-se: embora Francis Hime tenha concluído o curso de engenharia mecânica, induzido pelo novo amigo, tomou a música como ofício.

Isso ocorreu em 1963, depois de Vinicius ouvir Valsa de Eurídice, composta por ele, na interpretação de Francis, ao piano. Naquele mesmo ano, eles se tornariam parceiros ao criarem Sem mais adeus ; a primeira música assinada pelos dois. A partir dali, ele continuou a compor. Minha (feita com Ruy Guerra) foi gravada por Elis Regina, Tony Bennet e Bill Evans; e teve outras defendidas por Roberto Carlos, Jair Rodrigues e MPB4 em festivais na década de 1960.

Antes, entre os 10 e 16 anos, Francis estudou piano clássico no Conservatório Brasileiro de Música, e, em seguida, foi para a Suíça, onde permaneceu por quatro anos. Morando em Lousane, dedicou-se à música, assistiu a concertos de grandes orquestras e fez vestibular para engenharia. O curso, porém, ele só viria a fazer na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 56 anos de carreira musical, o pianista construiu uma discografia de 20 títulos, emplacou incontáveis sucessos, compôs trilhas para cinema e teatro; e conquistou vários prêmios. Há dois anos lançou o livro Trocando em miúdos as minhas canções, no qual detalha o seu processo de criação e relata fotos e histórias de sua trajetória artística.

Distante dos palcos brasilienses há algum tempo, Francis, perto de completar 80 anos, está de volta à cidade. Hoje e amanhã, às 21h, faz recital de piano e voz no Espaço Cultural do Choro. No repertório, ele reuniu clássicos de sua parceria com Chico Buarque como Atrás da porta, Meu caro amigo, Passaredo, Trocando em miúdos e Vai passar, mas incluiu também músicas que fez com Vinicius de Moraes, Ruy Guerra, Paulo César Pinheiro, Geraldo Carneiro e esposa Olívia Hime.

Francis Hime

Show do compositor e pianista hoje e amanhã, às 21h, no Espaço Cultural do Choro (Eixo Monumental, ao lado do Centro de Convenções Ulysses Guimarães). Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia para estudantes). Não recomendado para menores de 14 anos. Informações: 3224-0599.


Entrevista//Francis Hime

Com 56 anos de carreira, recorda-se como foi sua iniciação musical?

Minha relação com a música vem desde criança. Aos 10 anos, comecei a estudar piano clássico no Conservatório Brasileiro de Música, onde fiquei até os 16 anos. Adolescente, fui para a Suíça em busca do aperfeiçoamento como pianista. Morava em Lousane e me deslocava com frequência para cidades como Genebra e Zurique, para assistir a concertos, sob a regência de maestros maravilhosos, como Igor Stravinski, e de orquestras maravilhosas. Nos quatro anos que permaneci na Suíça, cresceu o meu amor pela música.

Aquilo foi determinante para você tomar a música como ofício?

Atribuo àquele período que vivi na Suíça como uma das razões para eu escolher a música como profissão. Mas o que, efetivamente, me levou a isso foi ter conhecido Vinícius de Moraes, que era amigo da minha mãe, a artista plástica Dalia Antonino. Ao me ouvir tocar uma composição dele, Valsa de Eurídice, se entusiasmou e disse para minha mãe que eu deveria deixar a engenharia de lado e me tornar músico. Eu havia feito o vestibular para engenharia na Suíça, mas fiz o curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Quando se tornou parceiro de Vinicius?

Foi naquela época que compomos Sem mais adeus, nossa primeira música, que veio a ser gravada por Wanda Sá em Vagamente, o disco de estreia dela, com arranjo de Eumir Deodato.

Já ligado profissionalmente à música, porque quis continuar estudando engenharia?

Confesso que não via a música como algo sólido, que me trouxesse segurança. Conclui o curso em 1969, mas no dia que era para receber o diploma, estava em São Paulo, me apresentando na inauguração da TV Bandeirantes. Naquele mesmo ano, me casei com a Olívia e fomos morar nos Estados Unidos. Lá, em Los Angeles, durante quatro anos, busquei aperfeiçoar minha formação musical, em cursos de orquestração, regência e composição, com mestres como Paul Glass, Hugo Friedhoifer, David Raksin e Lala Schfrin. Na volta ao Rio, gravei meu primeiro disco pela Odeon, lançado em 1973.

Foi naquele ano que teve início a parceria com Chico Buarque?

Exatamente. Em 1973, compomos Atrás da porta, imortalizada numa gravação esplendorosa por Elis Regina. Dali em diante a parceria vicejou e criamos 20 canções e algumas acabaram se tornando clássicos da MPB, entre elas Amor barato, As vitrines, Bastidores (gravada por Cauby Peixoto), Meu caro amigo, Passaredo, Pivete, Quadrilha. A maioria foi gravada pelo Chico. Em 1983 fizemos a última, Vai passar.


Que tipo de relação tem com o Chico, atualmente?

Deixamos de ser parceiros, mas continuamos amigos. Nos comunicamos mais por e-mail. Ultimamente, meus parceiros mais frequentes são Geraldinho Carneiro (membro da Academia Brasileira de Letras) e a Olívia. Na parceria com o Geraldinho, costumo musicar poemas dele. Já em relação a Olívia, eu crio a melodia e ela coloca a letra.

Sua discografia tem quantos títulos?

São 20 discos de estúdio e mais alguns gravados ao vivo, dois com a Olívia e outro com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. O mais recente é o CD e DVD Francis Hime ; 50 Anos de Música.


Trilhas para cinema e teatro também fazem parte de sua obra. Quais destaca?

Fiz, por exemplo, trilhas para os filmes Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto; Lição de amor, de Eduardo Escorel. As duas me renderam o prêmio Coruja de Ouro, concedido pela antiga Embrafilme. As mais significativas para teatro foram as das peças Rei de Ramos, de Dias Gomes, que fiz com Chico Buarque; e A menina e o vento, de Maria Clara Machado.


Qual é a sua visão do Brasil nos tempos de agora?

Desde jovem tenho participado, como artista e cidadão, da vida política do Brasil. No momento, o país está doente. A mais eloquente manifestação dessa doença é a intolerância. Em relação à cultura, estamos vivendo tempos muito sombrios. Para que consigamos reverter essa situação temos que estar unidos, sem nos deixar abater. Tenho esperança que a democracia volte.

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