Robson G. Rodrigues*
postado em 20/03/2019 07:00
Bianca Gismonti herdou do pai a erudição que leva ao piano. Filha do respeitado composito e instrumentista, Egberto Gismonti, ela faz o próprio nome no mundo da música autoral. Acompanhada pelo baterista Julio Falavigna e pelo baixista Antonio Porto, forma o Bianca Gismonti Trio, que lança o terceiro álbum, Desvelando mares.
As nove faixas do disco, que estreou na Europa no ano passado, navegam por diferentes cenários, incorporadas pelos sons tradicionais das regiões onde aporta. Inspirações de Argentina, Estados Unidos, países da África, Tunísia, Armênia, Índia, Portugal, Japão e Alemanha são identificáveis a cada canção do álbum produzido e gravado na Hungria entre 2016 e 2018. Oito participações complementam o trabalho.
A faixa título dá a dica. Desvelando mares, inspirada ;na composição profunda do tunisiano Dhafer Youssef e no vigor feminino de Hiromi;, como explica Gismonti, apresenta em si paisagens sonoras distintas umas das outras.
;Eu acho que é um disco de descobertas. Não só externas, mas também de descobertas da própria origem brasileira, da miscigenação. É um mergulho para fora e para dentro;, observa a musicista carioca.
Autoria feminina
Desde 2013, Bianca Gismonti explora a música autoral. Sonho de nascimento, que contou com participação de Naná Vasconcelos, marcou a estreia em grande estilo. Antes, ela formou o Duo Gisbranco, com a também pianista Claudia Castelo Branco. Ela diz que as mulheres cantoras têm tradição longa. Ainda são poucas as instrumentistas, comenta.
Apesar de nunca ter o trabalho diminuído pelo machismo na música, frequentemente, é a única mulher em festivais de música instrumental. Mas, para ela, a cena vem mudando.
;Eu acho que a participação das mulheres como compositoras e instrumentistas está crescendo muito. As mulheres sempre tiveram um papel muito grande na música, mas a gente não tomava tanto conhecimento. Eu vejo o cenário expandindo e as mulheres se unindo nesse movimento;, comenta a pianista.
Uma Gismonti
Para ela, ser mulher gera diferença substancial entre o trabalho dela e do pai, que são inevitavelmente comparados. ;Todo mundo fala da nossa diferença no palco, onde dizem que muito acolhedora, muito comunicativa, muito amorosa. Acho que tem diferença na maneira como falar com os grupos;, explica.
Bianca compartilha com Egberto a inquietação em ficar num lugar apenas. ;Acho que a história do meu pai é muito fundamentada por buscas. Ele experimentou muita coisa ao longo dos 70 discos que lançou. Em essência, nossos trabalhos têm muito em comum o trabalho de procura e de miscigenação, de reconhecer a mistura das influências;, pondera.
Coincidentemente, em agosto do ano passado, Egberto e Bianca se apresentaram em Brasília. Numa semana, o pai tocou no espetáculo Egberto 70, dirigido e regido por Gaia Wilmer. Na semana seguinte, Bianca participou do festival Cerrado do Jazz acompanhada pelo trio.
Na ocasião, ela apresentou o repertório do disco Gisberto 70, em que homenageia as sete décadas de vida do pai. As gravações do álbum foram acompanhadas de perto por ele. ;A gente fez vários dias de ensaio na casa dele. Nesse, ele se envolveu bastante. Como comecei a tocar com ele muito nova, eu queria esse acompanhamento mesmo da origem da música dele. E ver os arranjos que a gente fez;, diz.
Questionada se o pai dá pitacos no trabalho dela, ela diz: ;Eu sempre envio o disco, e ele faz comentário sobre cada faixa. É muito legal. Entreguei Desvelando mares para ele. A faixa título foi uma das que ele mais gostou, porque sentiu que eu estava experimentando caminhos diferentes dos que eu já tinha experimentado;.
Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco
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Desvelando mares
Bianca Gismonti Trio. Hunnia Records. 9 faixas. Disponível no Spotify, Deezer e iTunes