Agência Estado
postado em 20/03/2019 07:20
Sempre haverá controvérsia, claro, mas Liam Neeson precisou bater nos 60 anos para virar astro de ação na série Busca Implacável. A controvérsia é que, para o repórter, seu melhor filme de gênero, e olhem que ele tem feito muitos, é outro - Noite Sem Fim. Já existe ali uma interessante relação pai-filho e o diretor espanhol Jaume Collet-Serra realiza um sensível trabalho de montagem. Não é o menos interessante dos aspectos dessa fase de Neeson, que tem usado seu prestígio na indústria para bancar diretores de fora do sistema. O norueguês Hans Petter Moland assina Vingança a Sangue Frio, que estreou na quinta, 14. Pode ser muito bem o segundo melhor filme de ação de Neeson. No mês passado, Moland foi premiado pela 'oustanding artistic contribution' de seu novo filme no Festival de Berlim. Out Stealing Horses tem em comum com Vingança a Sangue Frio a beleza da paisagem - e a fotografia - incorporadas ao drama.
Há muito o que elogiar em Vingança, e o filme está indo muito bem de público. No Brasil, não repercutiu muito uma entrevista de Neeson ao jornal inglês The Guardian. Falando sobre a preparação para o personagem - um pai vinga a morte do filho, vítima de traficantes -, Neeson contou ao jornal que, no passado, teve uma amiga que foi estuprada por seu fornecedor de droga. Intimidada, ela se recusou a lhe fornecer a identidade do criminoso. Ele insistiu, questionou-a sobre a raça, se era um negro. O episódio repercutiu mal, Neeson foi acusado de racismo. Foi defendido por colegas como Viola Davis, com quem dividiu a cena em outro thriller recente, Viúvas, de Steve McQueen. Mas, gato escaldado, cancelou a entrevista acordada na semana passada com o jornal O Estado de S. Paulo, com medo de que o assunto viesse à tona.
Teria sido interessante conversar sobre sua trajetória. Liam Neeson não é bem um novo Charles Bronson, mas o sucesso veio num estágio mais avançado de sua vida e carreira, e interpretando papéis de justiceiro. Bronson já possuía um extenso currículo de coadjuvante em Hollywood quando estourou, por volta de 1970. Na esteira do Harmônica de Era Um Vez no Oeste, de Sergio Leone, e do Harry Dobbs de O Passageiro da Chuva, de René Clément, vieram as aventuras de Paul Kersey, possuído pelo desejo de matar. Vingança a Sangue Frio encerrava um duplo desafio, para Neeson e seu diretor. Em 2014, Moland fez, na Noruega, o thriller O Cidadão do Ano, com Stellan Skarsgaard no papel-título, como um homem, esteio da comunidade, que não digere a história de que o filho morreu de overdose. Ao contrário da mulher, devastada pela revelação - "Não conhecemos nossos filhos", ela lamenta -, ele investiga e descobre que o garoto, sem ligação com o tráfico, foi morto por saber demais. E parte para a vingança.
Moland aceitou fazer uma versão em inglês, formatada para Neeson. Na trama, o astro trabalha com um trator, abrindo caminho na neve. Desbloquear estradas, permitir o escoamento de pessoas e máquinas. O trabalho faz dele o cidadão do ano, mas a comemoração logo cede espaço ao luto, com a morte do filho. Identificado, com a ajuda do irmão que cumpriu pena, o criminoso - um traficante que usa o aeroporto em que o garoto trabalhava para escoar a droga -, Neeson mata um de seus asseclas, outro, mais outro. O submundo do crime agita-se. Cria-se uma guerra de gangues e a comunidade, que era tranquila - aparentemente - vira um campo de batalha. A paisagem gelada vira personagem, a forma como Neeson se desfaz dos cadáveres é engenhosa e a máscara contida do ator revela um personagem devorado pela dor interna, mas que secreta sua emoção para conseguir atingir os objetivos. Outro ator talvez tivesse criado assim tão bem o aspecto externo do vingador, mas para o interior é preciso um verdadeiro intérprete - como Neeson. E aqui ele leva uma tremenda vantagem sobre Bronson, que era só aquela cara de pedra. Suas cenas com a mulher, Laura Dern, são ótimas. O traficante é jovem, e sádico. Disputa com a mulher a posse - mais que a guarda - do filho. Outra relação pai e filho. Vingança a Sangue Frio é a prova de que podem existir inteligência e intensidade dramática no cinema comercial.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.