Diversão e Arte

Fernando Morais discute jornalismo e política em Diálogos contemporâneos

Projeto, sob a direção de Nilson Rodrigues, inicia nesta terça-feira no Teatro dos Bancários

Severino Francisco
postado em 26/03/2019 07:40
Fernando Morais entende que é simples resolver o problema das fake news: basta criminalizar os delitos virtuais

A literatura é o ponto de partida para uma conversa polêmica e urgente sobre múltiplos aspectos da vida brasileira no projeto Diálogos contemporâneos, sob a direção geral de Nilson Rodrigues. O projeto se estenderá de hoje a 14 de maio, sempre às terças-feiras, a partir das 19h, no Teatro dos Bancários. O jornalismo, as fake news, as ameaças à democracia, o amor e a afetividade brasileira, a urbanidade na literatura, os desafios da internet são alguns temas urgentes a serem debatidos no projeto, com o objetivo de sondar saídas construtivas. Mary Del Priori, Eduardo Bueno, Paulo Lins, Fernando Morais e Grace Passô são os convidados especiais.

Fernando Morais abre os Diálogos contemporâneos, hoje, com o tema Jornalismo e política. Ele é um dos mais importantes da imprensa brasileira, autor dos clássicos Chatô: O rei do Brasil, Olga, A ilha e Corações sujos, entre outros. Vendeu mais de 2 milhões de livros em 36 países. Mas, apesar disso, não ficou rico, pois o talento para gastar é maior do que o de ganhar dinheiro: ;Já avisei às minhas netas que só vou deixar para elas autógrafos de gente ilustre;, brinca Fernando. Dirige o blog Nocaute e está escrevendo uma biografia do ex-presidente Lula.

E, nesta entrevista, ele fala, polemicamente, sobre a crise do jornalismo, as perspectivas da internet, a polarização do ódio no país, a formação das novas gerações de jornalistas e o futuro da profissão. Apesar dos riscos, ele é otimista em relação ao jornalismo: "Tudo o que você fez de bom na carreira pode ser potencializado com a internet".

Como é que percebe o jornalismo nos dias de hoje?
A vasta maioria das notícias dos jornais e da tevê você já viu na internet on-line. Cito muito o exemplo do linchamento do Kadaf na Líbia. Foi filmado on-line por dezenas de soldados que estavam com o celular nas mãos. Tudo que assistiu à noite na tevê ou leu nos jornais tinha visto na internet. O grau de sofisticação técnica da internet hoje faz com que ofereça não só as imagens, mas também as interpretações do fato ocorrido. A plataforma impressa precisa se reposicionar no mercado.

Então, qual o futuro do jornal impresso?
Os jornais terão de se dedicar a duas alternativas: primeiro, ensaios sobre temas atuais, em cima de hard news. E em segundo lugar, a internet ainda não tem músculos para fazer a grande reportagem. Tem gente que diz: "A grande reportagem está fora de moda. As pessoas querem saber o que e por que aconteceu, e acabou".

E não é verdade?
Não, não é verdade. Se você observar os livros que mais venderam, tirando autoajuda, são as grandes reportagens. Os livros de Lira Neto, de Mário Magalhães, de Rui Castro. Os livros do Lira sobre Getúlio Vargas somam 3 mil páginas. As memórias do presidente Fernando Henrique, três até agora, têm 1.200 páginas cada volume. É um trabalho quase jornalístico, baseado em depoimentos gravados. São livros de enorme sucesso. Isso desmente a tese de que leitor não gosta de coisa extensa. Mas a internet como um todo não tem capacidade material de produzir isso. Os grandes prêmios brasileiros de jornalismo são dados a trabalhos de fôlego.

O que mudou na formação e na atuação dos jornalistas? As novas gerações estão renovando o jornalismo?
Existe um problema gravíssimo que estou enfrentando, desde que comecei a editar o blog Nocaute. Tem duas gerações de jornalistas na praça. Uma geração que sabe tudo sobre internet, sabe fazer milagres, mas não sabe português direito, não sabe fazer reportagem. Com raras exceções, as escolas não ensinam nada. Não adianta ensinar gramática e ortografia na faculdade. Se não aprendeu no curso médio, não vai aprender na universidade.

Você é tido como um autor que escreve muito bem e talvez, sem pretender, pratique um jornalismo literário.
Perdeu-se o vínculo entre jornalismo e literatura? O que é preciso um jornalista fazer para escrever bem?
Olha, em primeiro lugar, ler. Conheço autores do mundo inteiro. Era amigo de García Marquez. Nunca escrevia de bate-pronto e era um leitor voraz. Em alguns casos, ler Machado de Assis vale mais do que um curso de jornalismo. Leia Norman Mailer, leia nosso papa, Gay Talese. Você aprende a escrever. Mas não basta aprender a escrever. Pega o meu livro sobre Assis Chateaubriand, vai olhar no final, fiz 200 entrevistas, algumas com uma semana de duração. O jornalismo continua sendo a arte de sujar o sapato. Nada supera a sua visão dos fatos em primeira mão. Eu brinco sempre, a frase não é minha: leia bons livros, se não tiver, leia maus livros.

As redes sociais podem ser uma ameaça à democracia? Elas precisam ser reguladas?
Já são uma ameaça. Te dou três exemplos: Brexit, Trump e Bolsonaro. A primeira experiência de Steve Benon (assessor político americano e estrategista-chefe da Casa Branca no governo Trump) foi a aprovação do Brexit. É uma intervenção que está no limite da criminalidade. Depois, na eleição do Trump, não eram exibidas as virtudes do candidato, mas criavam falsidades a respeito da Hillary, que era pedófila, que fazia orgias. É aquilo que o velho Marx chamava de dialética, o bem traz dentro o mal. Estamos protagonizando uma revolução. Agora, pode usar para o bem e para o mal. As prisões do Temer e o cerco a Moreira Franco foram transmitidas praticamente on-line. Uma coisa a ser corrigida é a questão dos direitos autorais. Sempre dou crédito às fontes se transmito uma notícia no meu blog. Mas vejo que muitas pessoas chupam conteúdo e publicam como se fossem os verdadeiros autores.

Existe alguma maneira de combater as fake news?
É muito fácil, é só criminalizar. Há uma dificuldade com o WhatsApp, baseado na criptografia, um sistema para proteger teoricamente o usuário, mas que cria problemas graves. A polícia descobriu que presos em segurança máxima estavam distribuindo ordens para comparsas de fora da prisão executarem crimes. Comprovaram-se os crimes com a apreensão de celulares e a polícia pediu para abrir. Eles abriram, mediante ordem judicial, mas não resolveram o problema geral. Eles tinham criado um sistema de criptografia que nem eles próprios abririam. É preciso distinguir a diferença entre garantir o sigilo de sua fonte como jornalista e garantir o sigilo do Fernandinho Beira-Mar. É um problema mais técnico do que jurídico. O Google acabou de receber uma multa na Europa de 6 milhões de euros. A tendência é regulamentar isso de maneira que se torne algo democrático, e os delitos perpetrados em nome da democracia serem punidos.

Até algumas décadas parecia que o Brasil tinha, finalmente, entrado nos trilhos. Mas, e agora, o Brasil tem solução?
Tem, isso é passageiro. É um pêndulo de relógio. A sorte nossa, a dos democratas, dos que querem bem-estar social, justiça para todo mundo, é que isso é corrigível. E que a mesma velocidade que a internet concede a nossos adversários, dá a nós também.

Como percebe a questão do extremismo político que dividiu o Brasil? As pessoas brigam em família. Qual a leitura que você faz desse fenômeno?
Não tenho nenhum dado científico, não falo nem em nome da minha neta. Falo só em meu nome. Bolsonaro não inventou o ódio, mas com a pregação do ódio liberou as pessoas que tinham o ódio embutido. Ele difundiu a violência, a xenofobia, o racismo, o preconceito contra a homossexualidade. Então, as pessoas que tinham vergonha de ter ódio agora não têm. Se o presidente da República faz, então, está liberado. Ele não transformou nenhum anjo em monstro, liberou os monstros que estavam dentro dos anjos.

Você é autor de clássicos tais como Chatô: O rei do Brasil e Olga, que venderam 2 milhões de exemplares. Você é um homem rico? Como sobrevive hoje?
Vendi mais de 2 milhões. Tenho livros publicados em 40 países. Ganhei muito dinheiro, mas sou bom em gastar. Não tenho nada. O pouco que tinha gastei para manter o Nocaute, que sobrevive fazendo assinatura e vaquinha. Falei para minhas netas o que vou deixar de para elas: alguns autógrafos de gente ilustre. Sou como diz o Caetano em uma canção: dinheiro zero, beleza pura.

Você é pessimista com o futuro do jornalismo?
Não, pelo contrário: tudo que fez de bom em sua carreira você pode aproveitar, com algumas vantagens que não tinha. Pega a reedição dos livros on- line preparada pela editora Intrínseca sobre a ditadura escritos pelo Elio Gaspari. Na hora em que cita o discurso do Getúlio Vargas, clica o dedo e ouve o discurso. A internet não vai piorar a profissão. Vai dar um grau de independência que não tinha antes.
Diálogos Contemporâneos

Programação
26 de março, às 19h
Fernando Morais. Literatura brasileira e crises políticas
2 de abril
Mário Magalhães. Biografias do Brasil. Horário: 19h
9 de abril
Mary Del Priori. O amor e a afetividade na história do Brasil
16 de abril
Paulo Lins. As grandes metrópoles na literatura brasileira
23 de abril
Grace Passô. Raízes do Brasil ;Herança africana, tradições e novas expressões
30 de abril
Pablo Ortellado. Internet e tecnologia: Informação e desinformação na era digital
7 de maio
Sérgio Vaz. A literatura vem da periferia ; A crônica e o humor na sociedade brasileira
14 de maio
Eduardo Bueno
Horário: sempre às 19h. Entrada franca (distribuição de senhas meia hora antes do início da palestra)

Local: Teatro dos Bancários (Entrequadras 314/315 Sul)

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