Evitando pendor para a nostalgia, o diretor portenho Juan José Jusid, 77 anos, voltou mais de 60 anos, para dar a cara ao drama Uma viagem inesperada: ;Notei um grande desafio, ao falar de pessoas novas. Detive-me em códigos atuais, para evitar que o filme tracejasse um moralismo. Nas exibições privadas, feitas com adolescentes, notamos que eles se identificaram e que se sentiram muito bem retratados;, celebra o cineasta, que aborda tema tão espinhoso quanto urgente: o bullying. Diante da complexidade, cercou-se, na Argentina, de estudos de uma série de ONGs.
;Essas entidades me apresentaram testemunhos reais. Há gravidade no tema, já que, muitas vezes, os envolvidos ocultam fatos ligados aos dramas. Normalmente, as vítimas se calam. Se veem qualificadas como as ovelhas negras do rebanho. Pelo que contam os especialistas; na maioria das vezes, os pais não sabem o que fazer. Muitas vezes, não sabem nem como formular denúncias. Nunca é um problema a ser resolvido por uma só pessoa;, alerta. Nas escolas, na instância de clubes esportivos, nos bairros, ele constatou um sistema de agressão que vem se tornamdo cada vez mais violento. ;Há desdobramentos da agressão: está bem elevado o número de rapazes internados por causa de coma alcoólico, como consequência dos atos. Com as drogas, se desencadeiam problemas, por exemplo, de moças que não sabem de quem engravidaram. É um novelo difícil de ser desenredado;, comenta.
Em conexão de perplexidade, o diretor se inteirou dos bárbaros acontecimentos recentes no Brasil. ;Li tudo pelos jornais. Tivemos, na Argentina, vários casos de meninos que apareceram no colégio com armas. No caso de uma escola nossa, ao sul do país, um rapaz disparou, tirando a vida de duas pessoas. Tivemos o caso do filho de um policial que se apossou da arma do pai, destravada, a passos de um desastre. É uma experiência que, infelizmente, vivenciamos, como ocorre em outras partes do mundo;, comenta.
;O filme traz remexida numa família: falo de gente muito desatenta, e que olha demasiado o próprio umbigo. Falta contato e falta conhecimento ; falta a capacidade de escutar o outro;
Juan José Jusid, cineasta
Internet malévola?
Culpar tão somente a internet por comportamentos deformados seria um tremendo erro, na visão do diretor. ;Se opor ao avanço da tecnologia seria uma briga perdida. O filme traz uma real viagem a um mundo de geração que difere por lacunas de acesso a informações e pelos traços culturais. Há uma linguagem que traz barreira. Demorei a me inteirar de um mundo em que as palavras têm outros valores do que as que originalmente eu usava;, conta.
Na Argentina, Uma viagem inesperada foi recomendado para maiores de 16 anos. Na concepção do realizador, o ideal seria se comunicar com maiores de 14 anos. ;Lidamos com algumas situações de violência forte. Humilhação e maus-tratos enormes estão na encenada sequência dos abusos. Isso, a ponto de o menino protagonista querer mudar de colégio. Gosto de personagens que convivem com situações-limite, em que atores aumentam a possibilidade de transmitir vivência;, diz. Criar um mundo imaginário complementado com o espectador é das idealizações mais perseguidas. ;O bullying não reconhece extratos sociais: atinge todos os níveis de classe;, sintetiza Juan José.
Na proposta do filme, aparecem as famílias disfuncionais em que os integrantes não parecem ter entendimento das funções de cada. ;No filme, cada um trata de cuidar de sua vida, com gotas de narcisismo. Pesa o isolamento e a falta de compromisso. A mãe tem outro parceiro, e, mesmo o filho morando com ela, ela não sabe exatamente dos problemas que carrega. Acha que ele bebe demais, somente. O pai, há três anos, está distanciado. Carrega algo da figura do abandono. Pulou a etapa de formação em que a figura masculina para um filho é bastante fundamental;, enumera.
E o público?
Na coprodução com o Brasil, estabelecida com o longa, o diretor não crava um filme ;gratificante;, mas uma abordagem trágica. ;É a história de um encontro muito complicado; mas, sim, no fundo, de união. Não tivemos público tão numeroso quanto esperávamos, entretanto. Talvez isto esteja atrelado ao fato de se explorar uma temática dura. Bem diferente do público que acolheu minhas comédias de audiência assustadora (risos);, analisa o realizador de Bajo bandera (1997), com um emblema do cinema argentino, o ator Federico Luppi (morto há dois anos).
Uma viagem inesperada rendeu surpresas na feitura. ;Nunca pensamos que se trataria de uma coprodução. Tínhamos pensado no Rio de Janeiro, com a trama de um engenheiro que trabalhava numa plataforma petroquímica (papel do experiente Pablo Rago, o pai, na trama). Mas, a coprodução nasceu de maneira muito espontânea;, conta. Entre as indicações de atrizes vindas da produtora brasileira, Jusid optou por Débora Nascimento (Verão 90). A atriz ;deslumbrou;, tanto pela beleza quanto pelo potencial cênico. ;Débora se comprometeu, tremendamente, como atriz, e por isso estou tão agradecido. Acho que com ela e com as pessoas que já são suas fãs ganharemos muito público. Todos se surpreenderão com uma obra diversificada em relação à telenovela;, conclui.