Diversão e Arte

Em palestra na capital, Mário Magalhães deve traçar painel atual do país

Mário Magalhães, autor do premiado Marighella, é convidado de hoje (02/04, terça) na série Diálogos Contemporâneos

Nahima Maciel
postado em 02/04/2019 06:48
Mário Magalhães conduzirá palestra no Teatro dos Bancários

Nos últimos tempos, o jornalista e escritor Mario Magalhães anda capturado por dois personagens. Um deles é Carlos Lacerda, sobre o qual prepara uma biografia em dois volumes. O outro é o próprio Brasil e todos o percalços que enfrentou de 2018 para cá. Os dois são tema da palestra Biografias do Brasil, marcada para hoje (02/04, terça) como parte do ciclo Diálogos contemporâneos, que tem como foco os caminhos e descaminhos do Brasil de hoje. ;Biografias do Brasil dá pra falar anos sem parar;, brinca o autor. ;Mas vou falar, sobretudo, dos meus três biografados: Marighella, Lacerda e 2018.;

Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo foi lançado em 2012 e, desde então, ganhou seis prêmios (inclusive o Jabuti de melhor biografia) e serviu de base para Marighella, longa de Wagner Moura ainda inédito no Brasil e com estreia prevista para o segundo semestre. Está na oitava impressão e continua a ser um dos trabalhos mais importantes sobre o guerrilheiro publicado nas últimas duas décadas. A biografia foi publicada 43 anos após a morte de Marighella, fato que se repetirá no próximo ano, quando chegar às livrarias o livro sobre Lacerda.

Já o ano de 2018 é um personagem mais vivo. ;É um ano que, daqui a 50 anos, os brasileiros, muito provavelmente, vão se lembrar como nós nos lembramos, no ano passado, de 1968;, avisa Magalhães. ;É um ano cujas consequências vão perdurar por muito tempo no Brasil, seja em matéria de política, de trabalho, de impactos sociais, de conflagrações na cultura e nas artes. Por isso, resolvi preparar um livro sobre esse ano. Escrevi um livro indignado para um tempo que exige indignação.;
;Não pode existir uma só maneira de ver e contar a história do Brasil. Esses movimentos que tentam sufocar o professor na sala de aula, impedindo de contar a história, como ocorreu, são profundamente antidemocráticos;

Mário Magalhães, jornalista e biógrafo

Três personagens marcam o livro, cujo título o autor ainda não pode revelar: Marielle Franco, Jair Bolsonaro e Lula. Na introdução, uma homenagem a Zuenir Ventura lembra de 1968: o ano que não terminou, e Magalhães toma emprestada a ideia de iniciar o relato com um réveillon. No entanto, há algumas diferenças fundamentais entre os dois livros. ;Zuenir escreveu o livro maravilhoso dele 20 anos depois dos acontecimentos e eu escrevi a quente. Não tive o tempo para serenar minhas impressões, meus sentimentos. É um livro muitos apaixonado, sofrido e emocionado com os eventos do ano que passou;, avisa.

A publicação está prevista para 27 de maio e fala de praticamente todos os acontecimentos emblemáticos de 2018. Estão lá a Copa do Mundo, a escola sem partido, o surto de censura contra as artes e a livre manifestação, a prisão de Lula, a facada de Bolsonaro, as campanhas medievais para as pessoas não se vacinarem, o feminicídio, o assassinato de Marielle, o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro e a volta de movimentos que a história supunha extintos. ;O livro é um registro de um tempo e como registro de um tempo é eterno. Daqui a 100 anos, quem quiser saber o que foi o ano de 2018 no Brasil vai ter um registro feito a quente;, diz o autor.

Este ano, Magalhães também finaliza a biografia de Carlos Lacerda. A obra será editada em dois volumes, a serem lançados em 2020 e 2021. O primeiro acompanha o personagem até a crise de agosto de 1961, aberta pela renúncia de Jânio Quadros, e o segundo vai até 1977, ano da morte do personagem. O biógrafo é fascinado por Lacerda desde a adolescência e sempre quis escrever a biografia, mas precisava, para isso, de algo novo. ;Sou repórter e minha condição para fazer era ter informações novas sobre ele, informações que surgiram em 2015 com 600 documentos oriundos dos Estados Unidos;, conta. ;Carlos Lacerda não cabe nas camisas de força em que a história tenta aprisioná-lo. Não foi um personagem linear.;

DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS

Com Mario Magalhães. Hoje (02/04, terça), às 19h, no Teatro dos Bancários (EQS 314/315). Entrada franca (distribuição de senhas meia hora antes do início da palestra). Capacidade do teatro: 473 lugares.
Entrevista//Mário Magalhães
Você diz que as consequências de 2018 vão impactar o Brasil por muitos anos. Como?
A gente vive hoje um período de obscurantismo inexistente pelo menos desde o fim da ditadura. Os retrocessos existem em larga escala e não é à toa que o Brasil passou a ser governado por nostálgicos da ditadura.

Como escrever história nessa situação e no calor da hora?

Tudo que estamos vendo agora é reflexo do que foi a conflagração das eleições e a eleição do Bolsonaro. É diferente escrever a biografia do Marighella, que foi lançada 43 anos depois da morte dele, e a do Lacerda, que vai ser lançada 43 anos depois da morte dele. É diferente contar a morte da Marielle Franco nos dias seguintes. O Brasil vive e sofre nas páginas do livro. Portanto, não é um livro de acadêmico, é um livro de repórter, combina artigo, crônica e reportagem. Tem a intervenção no Rio, o drama do suicídio no Brasil, a paralisação dos caminhoneiros. O primeiro capítulo é uma coisa que, vendo hoje, parece que foi décadas atrás.

Por que você vai falar em biografias, no plural?

Porque não pode existir uma só maneira de ver e contar a história do Brasil. Esses movimentos que tentam sufocar o professor na sala de aula, impedindo de contar a história, como ocorreu, são profundamente antidemocráticos. Menos de um mês atrás a gente assistiu, na Marquês de Sapucaí, a Vila Isabel cantando enredo que incensava a princesa Isabel. Logo depois vem a Mangueira com ;não veio do céu nem das mãos de Isabel a liberdade é um dragão no mar de Aracati;. Ou seja, são duas biografias do Brasil contadas na avenida. E é democrático que as duas possam ser narradas. E isso é um medo muito grande que tenho hoje no Brasil: que sejam proibidas as histórias que não se conformem com as versões do poder.

Você diz que Carlos Lacerda não cabe nas camisas de força em que a história tenta aprisioná-lo. Por quê?

A gente vai encontrar o Carlos Lacerda desde comunista, nos anos 1930, anticomunista, nos anos 1950 e primeira metade anos 1960, e, na segunda metade dos anos 1960 ele estará ao lado dos comunistas na frente ampla pela democracia e contra a ditadura. Carlos Lacerda vicia. Ele chegou a chamar o Jango de corno e o JK de ladrão e cafajeste. Em compensação, o JK apoiou a cassação do mandato do Carlos Lacerda e o Jango tramou a intervenção no Estado Guanabara, cujo governador era Lacerda. Quando se juntam contra a ditadura, eles são a prova de que, em nome de um valor maior que é a democracia, adversários podem se unir. A frente ampla é uma boa inspiração para o Brasil de hoje.

E hoje, você acha que pode haver uma frente ampla como essa?
São situações dramáticas e limítrofes, no caso uma ditadura, que fez com que adversários se unissem. Hoje, acho que a ameaça à democracia e os retrocessos sociais justificariam a união de adversários. Lamentavelmente, não há uma frente ampla em defesa da democracia contra as viúvas da ditadura.

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