Nahima Maciel
postado em 02/04/2019 08:04
Quando voltou de Milão, no final da década de 1960, Yukata Toyota queria explorar na arte o que chamava de quarta dimensão. Para o artista, um japonês radicado no Brasil que havia escolhido a Itália para um período de imersão na arte mundial, a pintura de cavalete e de parede estava datada. Era preciso encontrar um novo espaço de diálogo com o público, um lugar capaz de provocar uma interatividade até então inédita. A quarta dimensão seria esse olhar, e isso fica claro no recorte proposto pela curadora Denise Mattar em Yutaka Toyota ; O ritmo do espaço, em cartaz no Museu Nacional da República. ;Essa quarta dimensão, para ele, é a relação do homem com o cosmos. Ele diz que, enquanto a ciência ocidental tem entendimento da relação do homem com o cosmos por meio da física quântica, a ciência oriental é a espiritualidade, mas todos são a mesma coisa;, explica a curadora.
Toyota é nome fundamental da arte cinética nacional e internacional. Nascido no Japão em 1931, escolheu imigrar para o Brasil já adulto e, por aqui, deu início a uma pesquisa que culminaria com uma exposição emblemática na 10; Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1969. Com a obra Quarto escuro, remontada no Museu da República, ele propôs um ambiente cinético imersivo no qual o público podia entrar e interagir com as peças. O artista também apresentou a escultura Positiva e negativa, hoje parte do acervo do Itamaraty.
O conjunto, que incluía ainda outras esculturas e mais um ambiente, ganhou o prêmio da Bienal e causou impacto considerável na cena artística brasileira. ;Era uma coisa inteiramente nova;, lembra Denise. ;Ninguém nunca tinha visto, por isso a participação dele foi tão significativa. O Toyota faz parte de uma geração que tirou o quadro da parede e propôs a interação com o público. Toda a proposta dele e da geração dele era de democratização da arte.;
Para a exposição, a curadora criou sete ambientes, incluindo o Quarto escuro. No primeiro, estão os trabalhos iniciais e uma cronologia extensa da trajetória do artista. Toyota tem 88 anos e continua a produzir até hoje. Nessa primeira sala, Denise deixou de fora as pinturas iniciais, quando o artista ainda se debruçava sobre composições figurativas. Ali, ela preferiu incluir os primeiros trabalhos reflexivos, uma marca que o artista levaria para o resto da carreira.
Com aço e alumínio, principalmente, Toyota constrói estruturas de superfícies reflexivas que provocam os sentidos do observador. Eventualmente, insere cores que nem sempre são evidentes e surpreendem o público com uma multiplicação de superfícies pigmentadas cuja origem confunde o olhar. Ao longo do tempo, Toyota passou a explorar o espaço para além das quatro paredes da galeria, e sua obra ganhou as áreas públicas. Boa parte dessa produção está no Japão, mas há também alguns exemplares no Brasil, especialmente em São Paulo e na Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap).
Nessa seara, o artista concentra esforços há décadas. ;Quero continuar criando minhas obras que já estão conceitualmente maduras, mas podem se diversificar em inúmeros suportes, de simples desenhos às gigantescas instalações e monumentos que possam interagir com as pessoas em espaços públicos dos mais variados. Quero fazer obras em outros países que ainda não conhecem meu trabalho e mostrar meu conceito e minha forma de ver o mundo e a arte;, avisa, em depoimento ao Correio.
Uma de suas esculturas públicas podia ser vista até 2005 no antigo balão do aeroporto. Criada e doada para a cidade em 1981, a peça tinha 14m de altura e 24 m de comprimento, mas desapareceu quando a região entrou em obras. O episódio fez o Ministério Público instaurar procedimento de investigação, em 2013,com a intenção de descobrir o paradeiro da obra.
Além das esculturas, a exposição traz ainda um ensaio fotográfico de Alair Gomes realizado para uma mostra do artista em 1972. Alair, que era filósofo e fotógrafo, ficou conhecido pelos ensaios de homens nas praias do Rio de Janeiro. Denise se surpreendeu quando se deparou com as imagens no escritório de Toyota e decidiu incluí-las na mostra. No total, Yutaka Toyota ; O ritmo do espaço reúne 80 peças de diversos períodos da produção do artista.
É a maior retrospectiva do artista realizada nos últimos 20 anos, o que rendeu o prêmio de melhor exposição de 2018 da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). ;Ele faz um diálogo entre o Oriente e Ocidente;, explica Denise. ;É um artista de extrema precisão, tudo ali é pensado, mas, ao mesmo tempo, tem um certo molho brasileiro que ele adquiriu na convivência. O Brasil deu a ele certa liberdade.;
YUTAKA TOYOTA
O Ritmo do Espaço Curadoria: Denise Mattar. Abertura nesta terça-feira (2/4), às 18h30, no Museu Nacional da República (Setor Cultural Sul, lt 2, Esplanada dos Ministérios). Visitação até 26 de maio, de terça a domingo, das 9h às 18h30.