Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Arte produzida por nomes da cidade e destaca no eixo Rio-São Paulo

É cada vez maior o número de artistas com projeção fora da cidade

A arte brasiliense já não é mais exclusivamente brasiliense. Faz um tempo que a produção do Planalto Central alcançou outros territórios, mas, nos últimos anos, talvez devido à quantidade de artistas produzindo e, certamente, graças à qualidade da produção, nomes que despontaram na cena local despertam a atenção de curadores, galeristas e colecionadores de fora. E 2019 tem sido bastante frutífero nesse cenário.

Durante a SP Arte, no último fim de semana, pelo menos 16 artistas de Brasília realizaram exposições em São Paulo. Uma delas está em residência a convite de uma galeria e três tiveram obras que passaram a integrar o acervo do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR). Além disso, duas artistas foram selecionadas para individuais no Centro Cultural São Paulo (CCSP), uma referência da produção nacional, e um deles fez a primeira individual em uma galeria da cidade. Conheça quais são os brasilienses que atraíram os olhares do topo do mercado e das instituições mais respeitadas de artes plásticas do Brasil.

Diversidade no MAR

Paulo Herkenhoff, curador do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), deu início a uma coleção do Centro-Oeste que já conta com quase 200 obras. As aquisições mais recentes são pinturas de João Trevisan, Alice Lara e José Ivacy, todos de Brasília. Eles vão se juntar a outros artistas da cidade, como Gê Orthof e Antonio Obá, que já integram o acervo. ;João Trevisan faz parte da quarta geração de construtivos, que é uma geração do século 21. Ele tem uma noção de espaço com uma certa geometria e, ao mesmo tempo, o trabalho tem uma delicadeza histórica, um certo humor;, diz o curador, que foi apresentado ao artista pela galerista Karla Osório, da GaKO (que também representa Ivacy), durante a SP Arte.

Para Karla, que este ano ocupou um espaço no segundo andar da feira, ao lado de prestigiadas galerias paulistanas, há um notável reconhecimento da produção da cidade. ;Diante da fragilidade e pouca relevância do mercado de arte e da falta de grandes colecionadores na capital, em contraponto com a força e importância do mercado em São Paulo, é fundamental a inserção nesse último. Felizmente, a presença da arte brasiliense tem crescido muito na metrópole paulista, o que significa a oportunidade de consolidação e reconhecimento que muitos de nossos artistas merecem;, diz.

Aos 32 anos, formado em direito e geografia, João Trevisan tem investido em uma série de trabalhos realizados com restos de uma ferrovia que atravessa o Park Way, onde mora. Durante as caminhadas, ele recolhe restos de trilhos, parafusos e outras sucatas que se transformam em pinturas, esculturas e instalações. ;Faço essas caminhadas quase como um movimento de resistência mesmo a essa situação do desenvolvimento, da ferrovia e do abandono dela. Ainda existem ferrovias que são utilizadas para transporte, mas que foram quase substituídas nos anos 1960 em prol de um falso desenvolvimento do país pelas rodovias;, conta o artista, que ficou muito surpreso com o convite de Herkenhoff para doar uma obra ao MAR. ;Fiquei supercontente, não esperava. Foi minha primeira feira, vendemos todos os trabalhos e ainda teve essa doação. Fiquei até meio cético, porque não acreditei, até levar o trabalho para o Rio e entregar para o Paulo.;

Panorama de olho na capital

Programado para outubro, o 36; Panorama da Arte Brasileira é uma das coletivas mais importantes quando se trata de arte contemporânea brasileira. Abrigada tradicionalmente pelo Museu de Arte de São Paulo (MAM), a mostra faz um retrato da produção nacional. Para a edição de 2019, a curadora Júlia Rebouças escolheu quatro artistas da capital.

Norteada pela ideia do sertão como um espaço subjetivo e não geográfico, a curadora convidou Antonio Obá, Paul Setúbal, ganhador do prêmio 7; Prêmio de Residência da SP-Arte, Dalton Paula e a performer e rapper Rosa Luz para produzirem obras para a mostra. ;Eu queria pensar no sertão como essa porção interior, não colonizada e que, portanto, tem uma potência de resistência e tem como característica a experimentação;, explica Júlia. ;Por isso, fui trabalhar com esses artistas, que não são sertanejos, mas são artistas sertão. São artistas que pensam a partir dessa necessidade de resistir e inventar o novo.; Dalton e Paul vivem entre Goiânia, São Paulo e Brasília e se consideram, também, artistas da cidade.

Além do Panorama, Antônio Obá tem obras em cartaz na exposição individual Sentinela, na galeria Mendes Wood DM. Na série de pinturas, ele explora a ideia de sertão enquanto alegoria. Nesse universo, Obá reflete sobre o lugar do corpo negro na sociedade contemporânea. É a mesma ideia que ele vai trabalhar para o Panorama. O artista acredita que a grande presença de nomes de Brasília em São Paulo é fruto de muito trabalho. ;Vejo isso como situação de ofício mesmo, de estar produzindo e articulando, entrando em contato com pessoas, colocando a cara mesmo, e entendendo que não tem romantismo nisso;, diz. Ele lembra ainda que, este ano, há oito nomes da cidade indicados ao Prêmio Pipa.

Experimentação no CCSP

Formadas pela Universidade de Brasília (UnB), Luciana Paiva e Raquel Nava se preparam para as primeiras individuais em São Paulo. Elas foram selecionadas para realizar exposições no Centro Cultural São Paulo (CCSP), em setembro. ;Essa exposição é muito importante para mim, porque vai ser minha primeira individual em São Paulo. O CCSP é um espaço concorrido mesmo para os artistas residentes em São Paulo, e eu não sou representada por nenhuma galeria de lá; então, fico muito feliz que meu trabalho alcance esse espaço;, diz Luciana.

Para Raquel Nava, uma das vantagens será a oportunidade de levar obras que não sejam, necessariamente, comerciais, algo que deve ser pensado quando expõe em galerias. Além da seleção, a artista está entre os finalistas do Prêmio Marcantônio Vilaça. ;É muito importante para nós de Brasília ter o trabalho exposto em uma cidade maior com público mais amplo como São Paulo, uma cidade que tem muito mais galerias, muito mais movimentada nessa cena das artes plásticas. Em Brasília, a gente perdeu muitos espaços institucionais e os pequenos espaços independentes funcionam a duras penas, com boa vontade dos artistas;, repara.

Clarice Gonçalves, que realizou individual na Almeida Prado em 2018 e acaba de ser uma das artistas brasileiras de destaque escolhidas pela revista Harper;s Bazaar Brasil, atribui parte dessa projeção de artistas brasilienses em outras capitais aos curadores da cidade, que se esforçaram para levar essa produção para fora. ;Curadores de Brasília estão se colocando nesse lugar de olhar para cá. Cinara Barbosa, por exemplo, foi indicada para premiação no Vera Brant graças a esse processo. Antes, sempre tinha essa coisa colonizatória de trazer de fora para cá e pouquíssimo daqui para fora. Está tendo uma diversidade maior de mostrar o que está sendo produzido em Brasília;, acredita.