Diversão e Arte

Arte produzida por nomes da cidade e destaca no eixo Rio-São Paulo

É cada vez maior o número de artistas com projeção fora da cidade

Nahima Maciel
postado em 14/04/2019 06:45

Obra de Alice Lara que vai integrar a coleção do MAR

A arte brasiliense já não é mais exclusivamente brasiliense. Faz um tempo que a produção do Planalto Central alcançou outros territórios, mas, nos últimos anos, talvez devido à quantidade de artistas produzindo e, certamente, graças à qualidade da produção, nomes que despontaram na cena local despertam a atenção de curadores, galeristas e colecionadores de fora. E 2019 tem sido bastante frutífero nesse cenário.

Durante a SP Arte, no último fim de semana, pelo menos 16 artistas de Brasília realizaram exposições em São Paulo. Uma delas está em residência a convite de uma galeria e três tiveram obras que passaram a integrar o acervo do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR). Além disso, duas artistas foram selecionadas para individuais no Centro Cultural São Paulo (CCSP), uma referência da produção nacional, e um deles fez a primeira individual em uma galeria da cidade. Conheça quais são os brasilienses que atraíram os olhares do topo do mercado e das instituições mais respeitadas de artes plásticas do Brasil.

Diversidade no MAR

Luciana Paiva vai expor no CCSP

Paulo Herkenhoff, curador do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), deu início a uma coleção do Centro-Oeste que já conta com quase 200 obras. As aquisições mais recentes são pinturas de João Trevisan, Alice Lara e José Ivacy, todos de Brasília. Eles vão se juntar a outros artistas da cidade, como Gê Orthof e Antonio Obá, que já integram o acervo. ;João Trevisan faz parte da quarta geração de construtivos, que é uma geração do século 21. Ele tem uma noção de espaço com uma certa geometria e, ao mesmo tempo, o trabalho tem uma delicadeza histórica, um certo humor;, diz o curador, que foi apresentado ao artista pela galerista Karla Osório, da GaKO (que também representa Ivacy), durante a SP Arte.

Para Karla, que este ano ocupou um espaço no segundo andar da feira, ao lado de prestigiadas galerias paulistanas, há um notável reconhecimento da produção da cidade. ;Diante da fragilidade e pouca relevância do mercado de arte e da falta de grandes colecionadores na capital, em contraponto com a força e importância do mercado em São Paulo, é fundamental a inserção nesse último. Felizmente, a presença da arte brasiliense tem crescido muito na metrópole paulista, o que significa a oportunidade de consolidação e reconhecimento que muitos de nossos artistas merecem;, diz.

Aos 32 anos, formado em direito e geografia, João Trevisan tem investido em uma série de trabalhos realizados com restos de uma ferrovia que atravessa o Park Way, onde mora. Durante as caminhadas, ele recolhe restos de trilhos, parafusos e outras sucatas que se transformam em pinturas, esculturas e instalações. ;Faço essas caminhadas quase como um movimento de resistência mesmo a essa situação do desenvolvimento, da ferrovia e do abandono dela. Ainda existem ferrovias que são utilizadas para transporte, mas que foram quase substituídas nos anos 1960 em prol de um falso desenvolvimento do país pelas rodovias;, conta o artista, que ficou muito surpreso com o convite de Herkenhoff para doar uma obra ao MAR. ;Fiquei supercontente, não esperava. Foi minha primeira feira, vendemos todos os trabalhos e ainda teve essa doação. Fiquei até meio cético, porque não acreditei, até levar o trabalho para o Rio e entregar para o Paulo.;

Panorama de olho na capital

Programado para outubro, o 36; Panorama da Arte Brasileira é uma das coletivas mais importantes quando se trata de arte contemporânea brasileira. Abrigada tradicionalmente pelo Museu de Arte de São Paulo (MAM), a mostra faz um retrato da produção nacional. Para a edição de 2019, a curadora Júlia Rebouças escolheu quatro artistas da capital.

Norteada pela ideia do sertão como um espaço subjetivo e não geográfico, a curadora convidou Antonio Obá, Paul Setúbal, ganhador do prêmio 7; Prêmio de Residência da SP-Arte, Dalton Paula e a performer e rapper Rosa Luz para produzirem obras para a mostra. ;Eu queria pensar no sertão como essa porção interior, não colonizada e que, portanto, tem uma potência de resistência e tem como característica a experimentação;, explica Júlia. ;Por isso, fui trabalhar com esses artistas, que não são sertanejos, mas são artistas sertão. São artistas que pensam a partir dessa necessidade de resistir e inventar o novo.; Dalton e Paul vivem entre Goiânia, São Paulo e Brasília e se consideram, também, artistas da cidade.

Além do Panorama, Antônio Obá tem obras em cartaz na exposição individual Sentinela, na galeria Mendes Wood DM. Na série de pinturas, ele explora a ideia de sertão enquanto alegoria. Nesse universo, Obá reflete sobre o lugar do corpo negro na sociedade contemporânea. É a mesma ideia que ele vai trabalhar para o Panorama. O artista acredita que a grande presença de nomes de Brasília em São Paulo é fruto de muito trabalho. ;Vejo isso como situação de ofício mesmo, de estar produzindo e articulando, entrando em contato com pessoas, colocando a cara mesmo, e entendendo que não tem romantismo nisso;, diz. Ele lembra ainda que, este ano, há oito nomes da cidade indicados ao Prêmio Pipa.

Antonio Obá é um dos brasilienses no 36º Panorama da Arte

Experimentação no CCSP

Formadas pela Universidade de Brasília (UnB), Luciana Paiva e Raquel Nava se preparam para as primeiras individuais em São Paulo. Elas foram selecionadas para realizar exposições no Centro Cultural São Paulo (CCSP), em setembro. ;Essa exposição é muito importante para mim, porque vai ser minha primeira individual em São Paulo. O CCSP é um espaço concorrido mesmo para os artistas residentes em São Paulo, e eu não sou representada por nenhuma galeria de lá; então, fico muito feliz que meu trabalho alcance esse espaço;, diz Luciana.

Para Raquel Nava, uma das vantagens será a oportunidade de levar obras que não sejam, necessariamente, comerciais, algo que deve ser pensado quando expõe em galerias. Além da seleção, a artista está entre os finalistas do Prêmio Marcantônio Vilaça. ;É muito importante para nós de Brasília ter o trabalho exposto em uma cidade maior com público mais amplo como São Paulo, uma cidade que tem muito mais galerias, muito mais movimentada nessa cena das artes plásticas. Em Brasília, a gente perdeu muitos espaços institucionais e os pequenos espaços independentes funcionam a duras penas, com boa vontade dos artistas;, repara.

Clarice Gonçalves, que realizou individual na Almeida Prado em 2018 e acaba de ser uma das artistas brasileiras de destaque escolhidas pela revista Harper;s Bazaar Brasil, atribui parte dessa projeção de artistas brasilienses em outras capitais aos curadores da cidade, que se esforçaram para levar essa produção para fora. ;Curadores de Brasília estão se colocando nesse lugar de olhar para cá. Cinara Barbosa, por exemplo, foi indicada para premiação no Vera Brant graças a esse processo. Antes, sempre tinha essa coisa colonizatória de trazer de fora para cá e pouquíssimo daqui para fora. Está tendo uma diversidade maior de mostrar o que está sendo produzido em Brasília;, acredita.

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