Djavan quis fazer um disco marcado por amor, política e natureza quando reuniu as 12 faixas de Vesúvio, seu 24; álbum. Ancorado no Brasil contemporâneo, esperançoso por falta de opção, mas também de olho no poder da natureza, o compositor chegou a faixas como Viver é dever, na qual reconhece que "tudo vai mal", mas também em Orquídea, uma homenagem à planta pela qual foi seduzido há alguns anos. No sítio em meio à Mata Atlântica, ele mantém um orquidário que cresceu aos poucos e hoje é fonte de enorme variedade da flor. É essa combinação que ele traz, hoje, ao palco do Centro de Convenções Ulysses Guimarães com o show Vesúvio.
No repertório, o músico alagoano se permitiu uma série de pequenos ineditismos e prazeres. Primeiro, foi às redes sociais saber do público que músicas gostaria de ouvir. Surgiu, então, uma certa preferência por Flor do medo, que entrou de imediato para o programa. Resolveu então incluir também Nuvem negra, gravada por Gal Costa em O sorriso do gato de Alice, em 1993, mas nunca registrada por Djavan. Ele incluiu ainda o frevo Quero-quero, cantado uma única vez durante o lançamento do álbum Novena e depois engavetada, e uma série de clássicos que nunca ficam de fora. E são muitos. ;Pode parecer que isso tornaria a tarefa fácil, mas não. É dificílimo escolher que clássicos não cantar; garante.
Vesúvio é, antes de mais nada, um disco pop. Isso não quer dizer que seja simples ou que Djavan tenha se afastado da sofisticação, que marca boa parte de sua linha melódica, mas ele mesmo defende que queria disco mais leve.
;Na verdade, o que é mais pop são algumas canções para as quais eu queria trazer uma leitura mais fluida. O pop está na minha formação, que foi baseada na diversidade e na qual minha música é fundada. Não é uma novidade no meu trabalho, mas acentuei isso em Solitude e Viver é dever. Queria trazer uma leitura mais fluente nessas canções;, explica, ao citar duas músicas de cunho especialmente político. ;Guerra vende armas/Mantém cargos, destrói sonhos/Tudo de uma vez;, diz o músico em Solitude, para, mais adiante, desafiar: ;Quem é que sabe o quanto lhe cabe/Dessa solitude?/Por isso a hora de fazer é agora/Tome uma atitude;.
A singeleza de Vesúvio não pode ser confundida com banalidade ou facilidade. ;O difícil é ser simples com conteúdo. Fazer o simples é muito complicado. Não para evitar o banal, mas para que você goste do que acabou de fazer;, avisa, em resposta a quem considera o pop um gênero menor, quando se tem uma cultura musical ampla. ;É um desafio grandioso. O Caymmi dizia que o simples é difícil de alcançar, é preciso estar muito alerta para fazer o simples;, acredita.
No disco, há ainda um experimento em espanhol, nascido de parceria com Jorge Drexler. O bolero Meu romance foi um convite de Djavan para o músico uruguaio, que colocou letra na melodia. ;Eu tinha a intenção de lançá-la no mercado latino com letra em espanhol;, conta.
Drexler acabou por fazer uma versão de Meu romance totalmente em espanhol na faixa Esplendor. Os dois nunca se encontraram, e as músicas foram gravadas em Madri, onde Drexler mora, e no estúdio de Djavan na Mata Atlântica.
Em Orquídea, é a paixão pelas flores que o músico explicita ao dar voz a um sambinha criado com uma sequência de nomes científicos pescados no próprio orquidário. ;Esse samba é quase uma bossa, quase um samba canção. Achei que era interessante para receber essa letra;, conta. ;A botânica é uma paixão, assim como a arquitetura. Tenho um sítio de 11 alqueires de Mata Atlântica, onde há uma diversidade estonteante. Tenho o prazer de poder conviver com essa diversidade e cultivo plantas de tudo que é tipo. As orquídeas vieram há 15 anos e é incrível, porque você vai se envolvendo com aquilo, compra livros, pesquisa, chama profissionais para te ajudar. Tenho umas 400 espécies de 800 espécimes;, avisa, com orgulho e satisfação.
Vesúvio
Show de Djavan. Hoje, às 22h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos: VIP Fã R$ 240 (meia), VIP R$ 180 (meia), Especial R$ 120 (meia) e Superior R$ 80 (meia)
QUATRO PERGUNTAS / DJAVAN
Vesúvio tem sua eterna ligação com a natureza, mas, dessa vez, você fala de um vulcão e de uma orquídea, dois fenômenos raros da natureza, já que orquídea floresce uma vez por ano e vulcões aparecem em poucas regiões. Alguma metáfora dos tempos atuais?
Minha ligação com a natureza vem desde a infância, são símbolos que a gente usa para tocar em assuntos como relação, política e amor. É uma coisa simbólica o poder do vulcão e a delicadeza da orquídea, o ramo, a coloração. Para mim, é normal mexer com esses elementos uma vez que estou ligado o tempo todo no que diz respeito a essas questões da natureza. E fazer isso para nas canções foi normal, uma vez que quis fazer uma analogia de poder da mulher usando o vulcão. E como cultivo orquídea, foi também natural o desafio de usar os nomes, todos em latim, para explorar a música e tentar criar uma canção.
Algumas músicas trazem citações mais diretas dos tempos contemporâneos, como Viver é dever. Por que achou que devia falar sobre um tempo em que ;tudo vai mal;?
O Brasil é um país de um dinamismo atroz, todo dia acontece um fato novo contundente, importante. Difícil dissociar uma vida do contato com essas realidades. E o que vai para as letras das músicas, poemas e crônicas é a própria vida que você vive, a essência do que está respirando. E o Brasil está nesse momento de grande ebulição política e social. Tudo acaba caindo nas letras.
Você é um otimista em relação a isso?
Acho que o mundo está vivendo um momento de transformação muito grande. Tudo que ocorre no mundo, de coisa boa ou ruim, é visando a um futuro melhor. Não posso pensar de outra maneira. Não é que seja otimista, sou uma pessoa realista, antes de mais nada. Acho que o mundo caminha para soluções, e o Brasil não fica fora disso. Minha preocupação política é exclusivamente o povo. Então, quando digo que tenho esperança no futuro do Brasil, é pelo povo brasileiro, que aprendeu que pode ir para as ruas cobrar, reivindicar. O Brasil não tem como piorar, então a tendência é melhorar.
E nisso tudo há espaço para cantar sobre o amor?
O amor é a vida. Está presente em tudo e em todos os momentos. E quando não é ele, é o oposto dele, o desamor. Mas está ali, de alguma maneira. Então, falar disso é como respirar.