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Marcia Tiburi publica nova obra: 'Delírio do poder'

Em novo livro de ensaios e em romance, Marcia Tiburi reflete sobre autoritarismo, poder e delírio das massas

Nahima Maciel
postado em 28/04/2019 12:33
Em novo livro de ensaios e em romance, Marcia Tiburi reflete sobre autoritarismo, poder e delírio das massas
Assim que acabou o primeiro turno das eleições, no início de outubro de 2018, Marcia Tiburi começou a escrever os ensaios do recém-publicado Delírio do poder ; Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação. Em janeiro, colocou o ponto-final. Já havia iniciado um programa de residência literária nos Estados Unidos, para onde se mudou após receber ameaças de morte. O livro, a filósofa e escritora, acredita, era tão urgente quanto sua mudança de país. Marcia foi candidata ao governo do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas últimas eleições e foi alvo de ameaças antes de deixar o Brasil.

Foi uma candidatura quase experimental porque era um terreno praticamente desconhecido para a candidata. E uma das motivações para escrever Delírio do poder veio da experiência da campanha. ;Vivi muitas coisas que considero importantes do ponto de vista do testemunho. As pessoas não sabem o que significa fazer uma campanha política, elas estão muito distantes da política e existe um imaginário popular em torno do que é política, campanha e jogo de poder;, explica. ;Com o livro, quis partilhar uma reflexão sobre essa experiência para que a gente possa ultrapassar nossa condição meramente imaginária. Em vez de apenas imaginar o que acontece nos jogos de poder, eu fui lá ver como era, para entender.; Marcia foi filiada ao PSol durante muito tempo, mas foi pelo PT que decidiu concorrer depois da desistência do ex-chanceler Celso Amorim.

Com prefácio de Luiz Inácio Lula da Silva, Delírio do poder traz 77 ensaios nos quais a autora reflete sobre política, fake news, ideologia, capitalismo, radicalismos, eleições, democracia e o mundo digital. Para Marcia, a era da desinformação entrou em um momento de loucura coletiva na qual a reflexão e a razão ficaram de fora. É preciso, ela defende, recuperar a capacidade e a vontade de refletir para poder compreender como o Brasil chegou ao momento atual.

O termo delírio, ao qual dedica alguns dos textos iniciais, vem da psicologia, mas Marcia acredita que pode ser perfeitamente aplicado à política brasileira e, especialmente, às eleições de 2018 e aos descaminhos do atual governo. ;Resolvi escrever esse livro porque acho que a população brasileira realmente caiu no delírio. Comecei a usar essas categorias do campo psíquico com um viés político para tentar entender esse cenário do psicopoder, que é justamente a construção de um delírio de massa, de uma loucura coletiva;, diz. Para a filósofa, apenas o delírio poderia explicar a adesão de 39% do eleitorado a um candidato com traços machistas e que defende a tortura e a ditadura militar.

Marcia dedicou alguns textos a explicar também o porquê de sua candidatura e a contar como viveu a experiência, mas boa parte do livro nasce do esforço de tentar compreender como se articulam a política e seus praticantes. ;Me dei conta de que o ódio, o nojo e a raiva que as pessoas têm da política é, na verdade, raiva dos jogos de poder. Precisamos recuperar a política e não confundi-la com os jogos de poder. Precisamos ultrapassar os jogos de poder para fazer política;, acredita.

As mesmas temáticas que rondam escrita de Marcia quando se trata de filosofia e política também aparecem em sua obra ficcional. O último romance, lançado quando encerrava Delírio do poder, traz um cenário distópico no qual autoritarismo, machismo e violência se encontram numa personagem sobrevivente de uma ditadura. Sob os pés, meu corpo inteiro, é também uma maneira de olhar para o Brasil de hoje.

Delírio do poder
De Marcia Tiburi. Record, 252 páginas. R$42,90



Ponto a ponto / Marcia Tiburi

Democracia
; A gente não tem mais um Estado democrático de direito no Brasil, temos algum tipo de autoritarismo que ainda não se transformou em ditadura formal, mas é um autoritarismo que se configura como ditadura informal. É importante falar dessa diferença. Essa ditadura informal é um autoritarismo pregado pelo governo atual e essa informalidade do autoritarismo se esconde atrás da palavra democracia. Mas não temos mais sequer a validade da própria palavra democracia. Quem usa essa palavra hoje usa de maneira envergonhada. Temos um governo que pratica o terrorismo psíquico e prático com cancelamento dos direitos da população.


Delírio
; A tarefa fundamental do presidente é apenas sustentar o delírio coletivo, provocar confusão mental e distorções conceituais, deixar a população confusa. Porque a população confusa fica mais distante da razão, da compreensão, do entendimento sobre o que se passa. É muito comum esse controle psicológico que faz o outro pensar que aquele que controla é uma espécie de deus. É o fenômeno do gaslighting, a pressão psicológica que faz você acreditar que você é que está errado. O presidente Bolsonaro é um especialista em fazer isso. Quando faz um discurso, não é só que é um ignorante dos assuntos para os quais ele deveria ser competente, é porque essa estratégia implica justamente o uso daquilo que seria absurdo, aquilo que nenhum de nós, ou qualquer pessoa com ética ou responsabilidade pública, faria.


Direita brasileira
; A direita brasileira é muito inconsistente, não se apresenta muito, não temos a chance de ler belos livros da direita ou da centro-direita. E quem entra no debate são os extremistas de extrema direita, sempre com uma proposta justificatória. São especialistas em mentir, em criar fake news, em destruir mentalidades. Claro que com essas figuras baseadas em princípios paranoicos não há como estabelecer um debate. A direita normal foge do debate e ela tende a dar espaço a essa extrema direita que se manifesta e vive em estado de guerrilha. A extrema direita no Brasil é guerrilheira e terrorista, a tática deles é ameaçar de morte, fazer campanha de difamação, fazer bullying, mas eles não se dispõem ao debate porque perderiam qualquer debate, se regras básicas fossem garantidas.


Consciência
; Quando falo de consciência, quero chamar as pessoas para o retorno à razoabilidade, ao reencontro real com o diálogo, mas para isso acontecer as pessoas precisam buscar pensar com mais seriedade. O Brasil caiu em uma falta de reflexão generalizada. Precisamos voltar à reflexão e combater com força a mistificação promovida pela extrema direita.



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