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A batalha de Black Alien: rapper fala sobre drogas, recomeços e novo disco

Rapper Black Alien lançou o disco 'Abaixo de Zero: Hello Hell', em que narra a luta contra a dependência química

Tarcila Rezende - Especial para o Correio
postado em 30/04/2019 07:14

Black Alien: 'Segui em frente apenas porque era o único caminho. E seguindo mais, descobri que esse é o único caminho que eu tenho sempre'

;Este álbum é sobre luta;. É assim que o rapper Black Alien define o novo disco Abaixo de Zero: Hello Hell, lançado no último 12 de abril. O ex- integrante do Planet Hemp transformou as dores da luta pela sobriedade e persistência em rimas para produzir o terceiro trabalho solo, assinado pelo produtor Papatinho.

;Mas não se trata só de dependência química, pois o buraco para todos nós é sempre mais embaixo. É sobre a luta para ser melhor do que eu mesmo;, continua Black Alien. Para o disco, Alien começou a juntar o material de consulta em jornadas diárias de 6 a 16 horas de escrita entre o fim do ano passado e início de março deste ano. ;O processo de compor o disco foi de muita conversa com Papato sobre música. Esse álbum me desafiou em tudo;, completa.

E, para Black Alien, a parceria com Papatinho é só elogios. Segundo ele, o produtor é inteligente, gosta muito de música e do que faz. ;É humilde e, ao mesmo tempo, impõe tranquilamente sua visão. Se diverte e se interessa por todos os campos do projeto. Gosta inclusive de comentar as letras comigo, o que é raro, prazeroso e gratificante para mim", opina Black.

Sonoridade do jazz

A primeira canção foi Carta para Amy, composta em abril de 2018, quando Black visualizou o álbum completo. Depois de muito café, conversas e rimas, em 9 de outubro ele começou a tocar o resto do projeto para valer. O disco fala sobre um novo começo, ainda que sem tantas pretensões ou muita filosofia. "Apenas escrevi. As ideias foram surgindo e se conectando naturalmente. O conceito não precisou ser pensado, ele já estava ali. Sonoridade de jazz, estilo musical que mais gosto, e todas as letras com uma forte conexão entre elas. Meus infernos, redenções, próximos infernos. O disco foi escrito em quanto foi gravado. Entreguei o último verso no último dia de gravação", conta o cantor.

Sobre o título do disco, Black Alien afirma que se sentia realmente abaixo de zero. Mas isso não significava, necessariamente, uma coisa ruim, mas sim uma mudança. ;Quando há algo que me impeça de fazer praticamente tudo, e estou morrendo por causa disso, se anulo essa questão, chego no zero. O ponto de partida para começar de novo com dignidade, e ao menos uma arma mais que suficiente para lutar: um domínio básico de mim mesmo;, detalha.

Após décadas de luta contra as drogas, logo nos primeiros momentos de Abaixo de Zero: Hello Hell, o rapper deixa logo o recado: ;esse é o retorno do cretino;. O álbum é o resultado de Black Alien ao olhar para dentro e se dar conta do tamanho da caminhada e da luta que continuaria tendo pela frente. ;Foi um despertar gradativo de consciência. Segui em frente apenas porque era o único caminho que eu tinha. E seguindo mais, descobri que esse é o único caminho que eu tenho sempre;, afirma o rapper.

Um sobrevivente

Gustavo de Almeida Ribeiro, codinome Black Alien, nasceu em São Gonçalo (RJ), mas foi criado em Niterói (RJ). Sua batalha contra as drogas e o álcool não foi curta. Alien teve duas overdoses, em 1999 e 2013, e uma depressão em 2010, após a morte do amigo e também rapper SpeedFreaks.

Nos anos de vício, Black não tinha documentos, casa, produtora, banda, músicas, concentração, foco ou rumo. Não era mais reconhecido, fosse por estar vinte quilos abaixo do peso, ou pela falta de produção artística em anos. "O pior mesmo era não me reconhecer no espelho. Eu sabia que tinha que sair daquele inferno, e que quando saísse, enfrentaria a vida normal com a abissal disfunção de mais de 20 anos sem saber o que é isso", recorda.

Diferentemente de um Black Alien que não conseguia fazer nada sem beber e quando bebia, nada conseguia produzir, hoje, limpo desde 2014, o cantor sabe que o caminho da sobriedade é o único. "Cansa, dou um passo para frente e dois pra trás, mas sempre para frente. Se eu ficar parado, é ruim para mim; relata.

O segundo disco, Babylon By Gus Vol. 2 ; No princípio era o verbo, financiado por um crowdfunding, foi após Alien ter passado pela última reabilitação. Lançado em 2015, o álbum dava indícios de uma mudança do rapper para o mundo da sobriedade. ;Todos temos camadas mais profundas de razões para estarmos como estamos, ser o que somos. Falando de mim, para ser um humano melhor, que é meu objetivo de vida, é observar minhas falhas de caráter, ego, manias, pensamentos de pouca elevação e quando estou vibrando baixo, negativo. Essa vigília é punk porque sua manutenção é muito constante;, conta.

O retorno

Desde quando lançou o primeiro disco, Babylon by Gus Vol.1 - O ano do macaco, um clássico do rap, em 2004, Black Alien mudou de forma muito ampla de lá para cá. Como pessoa, ele afirma que talvez a maior diferença seja que há uma busca mais interna que externa. "Como artista, uma maior consciência sobre a responsabilidade de ser um. Principalmente em se tratando de Brasil, país onde a grande maioria da população não sabe nem aonde está, por extrema carência de educação e cultura. Carência essa planejada e pilotada por décadas pelo interesse de grandes empresas, Governos e o Estado brasileiro para que o povo permaneça assim, como gado confuso rumo ao matadouro;, afina o cantor.

Depois de passar pelas rehabs e overdoses, Black Alien afirma que o processo de voltar a produzir músicas e ter que encarar a noite sóbrio foi ;doloroso, lento, gradual, homeopático;. Segundo ele, o único caminho que viu para seu retorno, foi simplesmente voltar. produzir músicas. ;Meti a cara e fui trabalhar;. Para encarar a noite, foi um capítulo à parte. ;Muita tática e estratégias aprendidas com outros adictos em recuperação, pessoas sábias em geral, e ajuda especializada;. E o essencial para conseguir o equilíbrio foi a manutenção espiritual em dia.

Ainda que tivesse que passar por momentos que só o vício pode trazer, o rapper tinha pessoas que o ajudaram na caminhada do recomeço. ;Não tive de recuperar a confiança das pessoas ao meu redor. Essa confiança eu sempre tive e vice-versa. Eu tive de recuperar apenas a confiança em mim mesmo;, afirma

;Quem me conhece e me ama, confia em mim. E confiaram do mesmo jeito no meu mais profundo fundo de poço. E não falo só de pessoas do meu relacionamento mais próximo não. Tem gente que eu nunca encontrei pessoalmente, que me conhece mil vezes melhor do que alguém que se dizia ou agia como meu amigo, ou que cantou, tocou, trabalhou, bebeu uma cerveja comigo e achava que me conhecia;.

Duas perguntas// Black Alien

Como é ter a responsabilidade de ser uma das vozes do rap que fala abertamente sobre a vivência com as drogas?

Mais do que no rap, na vida, né?! Eu passo o que me foi passado. Essa voz também é fora minha arte. Tenho meus padrinhos, guias, madrinhas. E também sou padrinho. Nós adictos nos ajudamos constantemente e no anonimato.

Você acha que se expor sobre a sua história pode ajudar as pessoas ou isso é simplesmente uma das formas de encarar seus demônios?

Nem uma coisa nem outra e as duas coisas. Eu não penso sobre isso. Se a minha história fosse diferente, eu estaria contando uma coisa diferente. Eu não penso ;agora eu vou me expor;, ou ;agora não vou me expor;. Eu apenas escrevo. É um fluxo puro e simples. Não penso sobre, apenas faço. Mas sim, tenho consciência de que existem formas poéticas de colocar as coisas que funcionam melhor que outras no sentido de atingir o objetivo de plantar fundo a semente daquela mensagem ou ideia específica

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