Diversão e Arte

Ancine promete normalização do andamento da produção audiovisual no Brasil

A agência tem recebido interferências governamentais que preocupam a classe artística

Ricardo Daehn
postado em 01/05/2019 06:05
Imagem de um cinema
Uma crise, mesmo que provisória, na cadeia produtiva do audiovisual tem colocado muitos profissionais em postura vigilante. Interferências e direcionamentos do governo federal, segundo o posicionamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine), estão fora de cogitação. ;A meu ver, não existe crise na cadeia produtiva do audiovisual. O setor vem crescendo em percentuais expressivos nos últimos anos. Todos os números indicam sucesso e não crise. A paralisação para atender as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União) deve ser breve e trará resultados positivos, como maior transparência e controle no uso dos recursos públicos. É compreensível a apreensão do setor com a paralisação;, observou o diretor-presidente Christian de Castro, às vésperas de uma sessão extraordinária no TCU, ocorrida ontem de manhã.

Da reunião do TCU, ficou uma determinação de enquadramento dos trabalhos da Ancine para aplicação nas atividades de produção de cinema. Além deste comprometimento, a agência teve que absorver um chamado do TCU: mesmo com o entendimento de desempenhos diferenciados para a realização de filmes e da estruturação de projetos do audiovisual ; o tribunal destacou que não houve ;determinação; para que a Ancine estagnasse a atividade-fim de fomento ao audiovisual.

Profissional atuante na produção de cinema, Rojer Madruga concentra as vozes de muitos colegas. ;Pensamos que o cinema e o audiovisual são prioridades para qualquer governo, através de uma política de estado, pois além de ter uma participação relevante no PIB brasileiro, há a garantia de que a cultura nacional seja vista e consumida, aumentando a autoestima do nosso povo;, destaca.

Madruga encampa o discurso coletivo, ao tratar do tema: ;Ninguém consegue imaginar uma sociedade sem o audiovisual! Cada vez mais, teremos necessidade de produzir mais conteúdo para atender as diversas janelas que hoje existem e todas as que virão;. À frente da finalização do longa-metragem Signo de ouro, o produtor local não deixa de notar desafios para o setor. Utrapassar a burocracia é algo apontado para assegurar crescimento.

;A Ancine necessita ser reformulada. Não está funcionando! O fomento e a regulação não devem ser geridos simultaneamente pela agência. Quem fomenta não deve também fiscalizar. Essa separação de funções na Ancine traria aumento na produtividade;, observa o realizador. Como exemplo, ele aponta os modelos de orçamentos de filmes que são utilizados na agência, incompatíveis com os estrangeiros. Qual seria a razão disso? ;Acho que algum tecnocrata definiu, e pronto ; não se mexe mais... Vira uma regra exclusiva do Brasil: uma jabuticaba brasileira;, opina.


Momento de união


Ressaltando que tanto a cultura brasileira quanto o audiovisual sofreram perdas, entre as quais os patrocínios da Petrobras para os grandes festivais de cinema (incluído o de Brasília), a diretora, produtora e atriz Cibele Amaral é taxativa: ;Estamos vivendo uma crise de pânico na cultura. Mas não podemos achar que tudo está perdido e ficar de luto. Muito pelo contrário, é momento de envolvermos os novos atores do cenário político nacional em nossas lutas;.

Cibele Amaral, entre bastidores que envolveram movimentação da Associação de Produtores e Realizadores de Filmes de Longa-Metragem de Brasília e da Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual Centro-Oeste a gabinetes de políticos, percebe a determinação conjunta em solucionar a crise. ;Precisamos respirar e sair do pânico. A Ancine agora precisa que o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor do FSA comecem a trabalhar. Há necessidade de se lançar o Plano Anual de Investimento. Os produtores, as associações e os sindicatos devem se manter atentos, mas não histéricos;, comenta.

Para além do fomento, ela percebe a Cota de Tela como um assunto ;a ser encarado;. ;Prováveis acordos; entre as distribuidoras majors e os exibidores, na opinião de Cibele, ;ejetam; os filmes nacionais das salas. ;Também é necessário ocupar o mercado de VOD (video on demand) e tevês, aberto, e que deve também contemplar produtoras de estados mais distantes do eixo Rio-São Paulo;, defende.


Fiscalização

O TCU determinou que a Ancine terá um prazo de 14 meses para ajustar a forma como fiscaliza a prestação de contas dos projetos audiovisuais aprovados por ela. De acordo com a decisão, a agência de fomento ao cinema brasileiro terá dois meses para apresentar um plano que atenda a exigências do TCU e outros 12 meses para efetivamente cumpri-lo.


Duas perguntas / Christian de Castro


A recente decisão do TCU inviabiliza as produções de conteúdo audiovisual no país?
A decisão do TCU não inviabiliza as produções de conteúdo audiovisual no país. Os itens do acórdão estão sendo tema de discussão entre a Ancine e o TCU desde 2018, quando um acórdão anterior foi publicado sobre o mesmo assunto. A Ancine busca apresentar ao TCU alguns pontos que são características fundamentais para a atividade audiovisual, como a remuneração dos sócios das empresas, por exemplo. Por outro lado, a Ancine também entende que deve atender a solicitações feitas pelo órgão de controle, como realizar a análise de prestação de contas de todos os projetos, e não apenas de uma amostragem de 5% de todos os projetos.

Como o senhor percebe tanta exposição positiva do país em Cannes, por exemplo; contrastando com tantos desmandos na economia do audiovisual?
Não acredito que existam desmandos na economia do audiovisual. O que existe é um momento de ajuste, de atender a algumas exigências de órgãos de controle. Quando se utiliza recursos públicos, é necessário prestar contas e atender alguns critérios de transparência e controle. Estamos vivendo esse momento, de atender ao TCU para possibilitar a continuidade das políticas de fomento. E é importante entender que o passivo de prestação de contas foi formado ao longo de muitos anos. Não é algo que surgiu agora. Portanto associar os questionamentos a ;um momento atual; é completamente equivocado. Sobre a exposição positiva do país em festivais internacionais, podemos dizer que não é surpresa. A indústria audiovisual brasileira vem crescendo com números expressivos e surgem novos talentos.


[SAIBAMAIS]Palavra de especialista

Julio Worcman, fundador e diretor do canal Curta! e da plataforma VoD Tamanduá

Exemplo de empresa chave no fomento da indústria audiovisual, o Canal Curta, fundado por Julio Worcman, exibe, ao menos, 12 horas diárias de conteúdo nacional independente. Cultura, filosofia e literatura são setores fortalecidos pelo enfoque do canal assegurado pela circulação de conteúdos financiados pelo FSA.

;O audiovisual brasileiro, no que tange a produção para televisão, vai muito bem em decorrência da política de desenvolvimento do setor implementada através da Lei da TV paga, a 12.485, que entrou em vigor em novembro de 2012. De lá para cá, todos os canais da TV paga ; exceto os religiosos, noticiosos, esportivos e étnicos ; passaram a exibir uma cota de conteúdos nacionais de produção independente, entre um mínimo de seis horas semanais a 12 horas por dia, dependendo do tipo de canal. O que parecia um choque estético e um grande problema para os programadores, a obrigatoriedade do conteúdo nacional independente, revelou-se um trunfo positivo, comprovado pelo fato de que todos os canais submetidos a tal exigência, hoje em dia, exibem mais conteúdo brasileiro independente do que o mínimo obrigatório.

Mesmo de fora da obrigatoriedade, plataformas como Netflix, Amazon e Globoplay, a demanda pela produção independente brasileira em séries de ficção está a todo vapor e chega a superar a capacidade de produção de empresas brasileiras às quais a tarefa é confiada. Tudo conflui para a renovação dos acervos. As empresas de telecomunicação ; entre as quais, operadoras de celular ;, que entregam conteúdo de vídeo nas residências e aparelhos portáteis dos assinantes, recolhem uma Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) que tem somado perto de R$ 1 bilhão por ano.

Com parte desse montante, o FSA, administrado pela Ancine, segue o seu objetivo de financiar a produção de novos conteúdos que vão cumprir cota nos canais de programação e, retroalimentando o sistema, tornam-se mais e mais acessíveis ao público através de outros canais de programação e/ou plataformas de VOD. Ao contrário do que se diz equivocadamente, o presente ciclo virtuoso do setor audiovisual funciona sem subtrair recursos da Receita Federal ou de qualquer outro setor do Estado. O dinheiro não é exatamente ;público;, pois a contribuição paga pelas teles para exploração comercial de obras audiovisuais, chamada de Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), é que compõe o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Essa contribuição é uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que favorece a todos os agentes que participam desta indústria, inclusive seus consumidores;.

Julio Worcman é fundador e diretor do canal Curta! e da plataforma VoD Tamanduá

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