Nahima Maciel
postado em 08/05/2019 06:46
Claudio Santoro compôs prelúdios durante toda a vida. Nas peças está boa parte do pensamento musical do compositor e, sobretudo, as questões musicais que o interessaram em diferentes épocas. Só isso já faz dos prelúdios um conjunto importante de composições e justifica o esforço em reuni-los em uma edição impecável, resultado de parceria entre a família do compositor e a Editora UnB que chega ao mercado para celebrar centenário de nascimento de Claudio Santoro.
Prelúdios para piano reúne 39 peças editadas e revisadas por Alessandro Santoro, filho do compositor, que também vai tocar hoje durante o lançamento da obra. Para apresentar e explicar a importância e o lugar das peças na obra de Claudio, Alessandro preparou áudios nos quais o pai fala sobre as próprias inquietações musicais. ;São áudios mais sobre a vida privada mesmo;, avisa o pianista, que comemora ter conseguido chegar ao número de 160 obras de câmara do acervo do compositor revisadas e editadas.
Alessandro está contente com o volume, porque a parceria com a editora da UnB permitiu dar uma qualidade melhor ao material. ;As edições do papai são muito mais modestas, mais para divulgar a obra mesmo;, conta. ;E esse ficou com acabamento profissional, esse foi o grande barato de fazer essa parceria. O papai publicou muitas obras com a UnB e é uma tentativa de resgatar isso.; O livro traz desde os primeiros prelúdios, escritos em 1937 e 1938, até os últimos. ;As primeiras obras dele, que ele realmente considerava, são de 1941. Hoje isso tem um valor histórico. Era um momento que ele sentava e improvisava para ele e colocava no papel.Tem muitos prelúdios famosos e agora temos a primeira edição integral;, garante Alessandro.
Desde a morte de Claudio, em 1989, Alessandro cuida de organizar a obra do pai em novas edições ou reedições que estavam esgotadas. Em 2007, ele fez uma limpa geral no acervo para ter uma noção do que estava ou não editado e publicado. Foi quando descobriu uma leva de prelúdios que não conhecia. ;Os prelúdios para piano são muito importantes na obra dele, na obra mais privada, mais íntima. As primeiras peças que ele compôs foram prelúdios e as últimas, também. Eles atravessam todo o estilo e linguagem que ele escreveu, então tem uma linha que segue o estilo de composição;, explica.
Versões
Um dos desafios foi encontrar as versões corretas, já que algumas das partituras apareceram em seis versões diferentes. Muitas vezes, Claudio copiava e recopiava as peças e, nesse processo, alguns detalhes se perdiam. ;Acho que papai era pouco cauteloso para revisar a própria obra. Se fosse música antiga, eu publicaria as seis versões, mas o papai, não. Por incrível que pareça, as informações são complementares, ele colocava muito detalhe no primeiro esboço e, quando copiava, colocava menos detalhes;, conta.
Muitas vezes Claudio mandava cópias das próprias partituras para amigos e músicos pelo correio, ou então escrevia várias versões mais simplificadas de uma obra. Alessandro conta que, durante muitos anos, ouviu execuções dos prelúdios nas quais identificava notas erradas, mas que acabaram reproduzidas em edições sucessivas das partituras. Quando se dedicou ao material do livro, percebeu que sua memória musical das pautas estava de acordo com a escrita do pai: todas as notas estavam lá, do jeitinho que ele lembrava.
No processo de recuperação do acervo, Alessandro também descobriu obras inéditas. Ao cotejar o catálogo com o acervo guardado em casa, ele percebeu que faltavam 80 obras e decidiu se organizar para encontrar as partituras. Acabou encontrando 60 delas e mais 20 inéditas. ;Acho que ainda tem mais coisa lá pra descobrir;, desconfia.
Alessandro vai tocar hoje cerca de 17 prelúdios, alguns deles bastante conhecidos. A intenção é fazer uma homenagem ao pai, mas também uma leitura do que considera ser a maneira correta de tocá-los. O pianista cresceu ouvindo o pai executar as peças e acredita que isso faz diferença na hora de reproduzi-las. ;Tenho uma ideia muito clara do que quero dessa música. Eu sempre brigava com meu pai, porque ele não tinha problema, aceitava qualquer interpretação;, conta.
Claudio Santoro ; Prelúdio para piano
Lançamento do livro e recital com Alessandro Santoro. Hoje, às 18h30, no CTJ Hall (Casa Thomas Jefferson, SEP Sul 706/906)
;As primeiras peças que ele compôs foram prelúdios e as últimas, também. Eles atravessam todo o estilo e linguagem que ele escreveu, então tem uma linha que segue o estilo de composição;
Alessandro Santoro, músico e filho de Claudio Santoro
Claudio Santoro
Nascido em Manaus em 1919, Claudio Santoro foi um dos mais importantes compositores de música erudita do Brasil. Estudou com Hans-Joachim Koellreuter, fundador do grupo Música viva, e fez parte do movimento que criou a nova música brasileira nos anos 1940. Entre as inovações de Santoro estão as experiências com o dodecafonismo, um marco da música contemporânea no mundo inteiro. Santoro dominava os múltiplos talentos de compositor, educador e líder cultural. Compôs peças serialistas, dodecafônicas, eletrônicas, nacionalistas e trilhas sonoras para cinema. Era um artista contemporâneo que não se atinha a nenhum gênero, mas transitava e se apropriava livremente de todos, conforme a circunstância e a necessidade. Em Brasília, ele ajudou a fundar a Universidade de Brasília e, em 1979, criou a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, da qual foi regente titular. Santoro morreu em março de 1989, enquanto regia a orquestra.