Representatividade, liberdade e música formam o tripé conceitual que move a carreira e a vida da cantora de funk MC Carol. Ela se destaca no movimento carioca com um pensamento constituído nas composições para superar as barreiras artísticas e funcionar como uma luta contra os problemas sociais e raciais impregnados na sociedade.
Oriunda de um movimento do funk que começou desacreditado, com poucas oportunidades, problemas de sexualização do corpo feminino e recursos escassos, MC Carol teve que desenvolver uma linguagem diferente da habitual para conquistar um espaço de relevância perante o ambiente preconceituoso em que se inseriu.
Nascida no Rio de Janeiro e moradora da periferia, a funkeira é uma das mulheres que utiliza a arte musical como forma de expressão. Com temáticas que passam por racismo, exclusão social, história brasileira e empoderamento feminino, Carol constrói uma carreira que começou desacreditada nas favelas e a alçou a uma das atrações do Rock in Rio deste ano. Ao Correio, MC Carol falou sobre a violência, a importância do funk e da responsabilidade social como palestrante brasileira no exterior.
Ponto a ponto/ MC Carol
Poder feminino
Feminismo é igualdade e liberdade. Eu nasci feminista. Desde pequena eu me incomodava com muitas coisas. Sempre ganhei boneca e queria ganhar um skate, ganhar uma bicicleta. Queria jogar futebol na escola, mas somente os meninos jogavam. Eles me mandavam ir pular amarelinha e eu nunca aceitei, saía na mão com os garotos e perdia meu recreio. O machismo sempre me incomodou. Por isso, coloco minha personalidade nas músicas. Eu não aceito a padronização e a minha visão de mundo aparece nas composições.
Espaço musical
Comecei cantando nas favelas do Rio de Janeiro e depois nas periferias de São Paulo. Cada estado novo em que eu pisava, eu me sentia superfeliz. Mas todos os funkeiros que cantam o que eu canto são deixados de lado. A mídia não divulga músicas com essa temática. E não estou falando somente do funk. Tenho uma música chamada Não foi Cabral, que fala da história do Brasil que não é contada nos livros. Ela é 100% feminista e fala de violência doméstica. Delação premiada é sobre agressão policial. Essas músicas, nessa vibe e que deveriam ter uma repercussão não tocam na rádio e na televisão. As pessoas têm medo de que isso seja falado. Eles querem calar nossa voz, sempre que possível. É bizarro ser chamada para cantar em festivais internacionais e a música não ser divulgada no meu país.
Política
Me envolver com política foi a pior coisa que fiz na minha vida. A política brasileira é covarde, cruel e assassina. Para entrar, você tem que ter ;peito de aço;, andar com seguranças e estar preparado para mudar de vida. A Marielle Franco morreu e, no mesmo mês, sofri uma tentativa de feminicídio. Minha cabeça dizia que eu tinha que fazer algo e lutar pelas outras mulheres. Mas comecei a ser muito atacada, minha família estava preocupada em eu ser morta. Pegaram uma foto minha com uma arma de paintball e começaram a divulgar nas redes sociais. Tive que parar de dirigir e comecei a viver com medo da pessoa que tentou me matar. Foi a pior coisa que já fiz e não desejo isso para ninguém. Tem que querer muito essa vida, porque não é brincadeira, não.
Preconceito contra o funk
Ninguém me apoiou, todo mundo dizia que eu cantava um monte de besteira, que era vagabundagem. Os MCs eram vistos como bandidos. Eu ouvi de muita gente que isso não era futuro, mas eu tinha em mente que conseguiria provar para minha família que era um trabalho digno e honesto. Falar que queria ser MC era como falar que ia entrar para o tráfico. E agora estamos sendo perseguidos novamente. Tive que sair da minha comunidade, pois tinha que cumprimentar bandido, ser gentil, tinha que dançar de acordo com a música deles. Ninguém vai conseguir acabar com o funk, pois ele reúne pessoas inteligentes fazendo músicas sobre a realidade mesmo com produções muito baratas.
Carreira internacional
Foi maravilhoso, foi muito legal estar na Alemanha e na Escócia. É uma conquista muito grande poder se apresentar fora do país. Não imaginava nada disso. Também estou muito feliz por participar da palestra na Brown University (Estados Unidos). É muito legal ter pessoas de dentro da favela falando, tendo voz. É difícil ter alguém para falar do que acontece lá dentro. Estamos vivendo uma loucura com o machismo, os ricos sendo privilegiados e a liberdade para os policiais matarem. Enquanto isso, tem muita gente desempregada. Levar isso para um evento internacional é muito importante. Eu queria muito estar lá falando bem do meu país, amando minha pátria, mas não dá, aqui no Brasil não dá. A gente não é respeitado. Vive com medo e pavor.
Rock in Rio
Quando recebi a notícia que ia para o Rock in Rio comecei a chorar. Não tenho palavras para explicar a minha felicidade. É o sonho de todo artista. Não temos grandes investimentos, não temos grandes empresários nem patrocínio. A maioria dos funkeiros começou com uma gravação com um microfone ruim em uma plataforma qualquer e deslanchou. E isso é muito louco, pois não temos estrutura nenhuma, mas produzimos aquela música que ganha o Brasil e o mundo. O funk ganhou uma repercussão muito grande e vem em constante crescimento. Chegou a hora, não tem mais como esconder o funk. Estou megafeliz de estar ali e ter esse espaço, independente do palco.
*Estagiário sob a supervisão de Vinicius Nader