Severino Francisco
postado em 14/05/2019 07:10
O senso de humor anárquico é instintivo em Eduardo Bueno, também conhecido pelo apelido de Peninha. Basta provocar que ele dispara: ;Como criacionista, acho que sete dias foi pouco tempo para criar a raça humana. É um experimento que deu errado. A única coisa que nos resta é rir;.
Bueno é, naturalmente, engraçado, está sempre engatilhado pela verve gaúcha, agressiva e politicamente incorreta. Não poupa nem a si mesmo: ;Eu só não concordo com Nelson Rodrigues que toda a humanidade é burra. Sou uma unanimidade inteligente, todos gostam de mim;, diverte-se Bueno.
Jornalista e historiador, Peninha é autor de Brasil, uma história; Capitães do Brasil e Náufragos, traficantes e degredados. Bueno é o convidado de hoje (terça, 14/05) do projeto Diálogos Contemporâneos, às 19h, no Teatro dos Bancários (Entrequadra 314/315 Sul). Ele falará sobre o tema do Humor na Imprensa Brasileira.
Bueno está rodando o Brasil com o espetáculo Não vai cair no Enem, que nasceu de um programa que apresenta no YouTube no canal Buenas Ideias. É uma aula que todo adolescente gostaria de ter: cáustica, crítica e irreverente. No momento político atual brasileiro, Bueno encontra personagens que só podem ser tratados com uma veia tragicômica. E, nesta entrevista, ele fala do sucesso atual da ignorância, da imaginação fértil dos historiadores do ;fakebook;, do processo ;Kafta; da educação, da contaminação do humor pelo ódio nas redes sociais e das causas do emburrecimento do Brasil e do mundo.
Você enveredou pelo teatro. Como se tornou ator?
Na verdade, não sou propriamente um ator. O nome do espetáculo que estou apresentando é Não vai cair no Enem. Já tem uma gozação com o fato de eu ser debochado. As pessoas dizem: você é uma peça. Então, resolvi fazer um espetáculo híbrido, uma aula sobre a história do Brasil, mas muito cáustica. Eu uso recursos cênicos, luz, trilha sonoras, mas não é exatamente teatro. É bem divertida.
Como vê a atual onda revisionista da história brasileira e universal?
Bem, o passado está sempre mudando. Há poucas coisas mais instáveis do que o passado. Ele é sempre revisto pela ótica do presente. Os olhares mudam, podem avançar ou recuar. O que há de momento é uma nova visão conservadora e retrógrada que inclusive tenta abalar alguns fatos. Dizem que não houve golpe militar em 1964. Mas não se pode lutar contra os fatos. Quando uma facção do Exército derruba o regime pode ser chamado de Proclamação da República, como ocorreu em 1989, ou de Revolução de 30, em 1930. Muda os nomes, mas os fatos não mudam. Em 1964, houve golpe militar, pode se discutir se foi branco ou sujo. Mas foi um golpe. Não é a primeira vez nem será a última que isso acontece. Cabe às pessoas com uma ótica mais desvinculada de visão exacerbada de esquerda ou de direita tentar interpretar os fatos de maneira, digamos assim, mais olímpica.
Por que algumas versões falseadas e delirantes da história estão colando?
Uma coisa é reinterpretar e outra é falsear. Essas bobagens estão colando por causa desse lado doentio das redes sociais. Se as pessoas não perceberem este ;fakebook; será pior para elas. Por exemplo: a gente está vivendo uma onda conservadora não só no Brasil, mas no mundo inteiro. É o terraplanismo, a terra é plana e foi criada em sete dias. Em pleno século 21, uma era de tecnologia, que permitiu o advento das redes sociais. Não faz sentido o atraso em uma era de avanço científico e tecnológico.
A deseducação explica o atual sucesso da ignorância?
Sim, especialmente no Brasil, mas também nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos existe um abismo entre a comunidade acadêmica do Prêmio Nobel e a legião de ignorantes. Quando dizem que Brasil é capital de Buenos Aires é um avanço. A burrice existe lá, mas veja como é a nossa educação de base, está no 158; lugar. Tem índices patéticos, junta isso com o poder atual e estamos em uma situação tragicômica. É educação ;processo Kafta;. É o ataque a uma criança.
Poderia falar um pouco sobre o tema da palestra no projeto Diálogos Contemporâneos, o humor na imprensa brasileira?
O meu plano é falar do humor na imprensa brasileira, desde Dom Pedro I. Mas, na verdade, é anterior. Gregório de Matos Guerra, o chamado Boca do Inferno, nascido em Salvador, era um desbocado, ofendia as pessoas com palavrões e humor. Quando surge a imprensa no Brasil, o humor passa a ter uma participação desde Dom Pedro I, figura marcante no Segundo Reinado, vítima de uma guerra do ridículo. E nunca reagiu com censura, com raiva. Passo pela Proclamação da República e vou até o advento do PT no poder.
O que aconteceu com o humor neste período?
Virou o humor a favor.
Como assim?
Todos os grandes cartunistas brasileiro eram de esquerda.O Bolsonaro seria uma piada engraçadíssima se não fosse uma tragédia. Como estamos vivendo isso nem para a piada não serve. E que injustiça a prisão do Temer.
A ausência de humor é uma forma de burrice. Você concorda com a frase de Nelson Rodrigues?
Cem por cento, eu só não concordo com ele que toda a unanimidade é burra. Sou uma unanimidade inteligente, todos gostam de mim.
Os tempos de autoritarismo sempre foram estimulantes para o humor. Onde está o humor no Brasil?
O humor sempre foi uma saída para o autoritarismo em todos os tempos. Mas o problema é que esses tempos autoritários já têm em si só um viés tão cômico na sua incompetência. Veja o caso de ;O processo de Kafta; ou do ;nazismo da esquerda;. Esse autoritarismo atual é tão cômico nas suas declarações públicas que parece ser um antídoto contra a própria piada. Não quero generalizar, não há só o patético neste governo. Vá que consiga aprovar reformas estruturais importantes. Mas o lado patético é bem mais visível do que qualquer mudança estrutural que consigam fazer no Brasil.
Que leitura você faz da afirmação do ministro das Relações Exteriores de que o nazismo foi um movimento da esquerda?
Não é só dele, mas foi referendada pelo presidente. Só tem dois vieses, ao dizer isso, ou você é de uma ignorância constrangedora ou é mal-intencionado. Ou é ignorância abissal e oceânica, imperdoável no posto que ocupa, ou é manipulação sórdida. Porque não há como não saber que o nazismo é de extrema- direita. Foram vítimas de chacota no mundo inteiro. A Alemanha criticou. Durante o governo Lula, por determinação dele, o inglês deixou de ser a língua primordial. Já teve ,durante o governo Lula, um retrocesso ideológico. E o atual governo está fazendo pior.
O titular da pasta da Educação afirmou que é o melhor ministro da Educação do país.
Meu Deus, manda ele comer uma esfirra com a ;kafta; que metamorfoseou. Veio com barata.
O humor das redes sociais está contaminado pelo ódio?
Bastante. O próprio humor tem se deixado influenciar pela onda de ódio. Ora, o humor tem de pairar sobre as coisas. A única coisa que redime a humanidade é o humor. Como criacionista, acho que sete dias foi pouco tempo para criar a raça humana. É um experimento que deu errado. A única coisa que nos resta é rir. Pode ter um pouco de hiena. Mas agora esse ódio que permeia a rede social está nos impedindo de rir de nós mesmos.
O Brasil tem se destacado em sucessivos rankins da ignorância. O que emburreceu o Brasil?
O ano de 1958 é muito caro para mim. O Brasil foi, pela primeira vez, campeão do mundo. É o ano da Bossa Nova, do Cinema Novo, do início de Brasília. Nasci em 1958. O Roberto Schwarz escreveu que em 1958 o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente. Gostaria de roubar essa frase. Então, embora esses índices sejam cada vez mais perturbadores, vamos entrar na terceira década do século 21, o século da ciência, da tecnologia, da informação e, em vez de avançar, recuamos. O Brasil sempre foi burro e flertou com a ignorância. Só que agora ela é indesculpável. A minha sorte é que moro perto do Uruguai e posso cruzar a fronteira, rapidamente, nem que seja para fazer um aborto.
Qual a diferença entre os militares de 1964 e a ala militar de agora?
O que os atuais militares têm de melhor está sob o ataque do próprio poder.
Diálogos Contemporâneos
Eduardo Bueno, hoje (14/05, terça), às 19h, no Teatro dos Bancários (Entrequadras 314/315 Sul)