Bené Fonteles sempre teve necessidade de dialogar com seus contemporâneos. Fez muitas parcerias ao longo da vida, nas artes visuais, na música e na poesia. E seus parceiros podem ir de uma etnia indígena a Carlos Drummond de Andrade, de Gilberto Gil a Egberto Gismonti, de artistas jovens, como João Angelini, aos mundialmente conhecidos, como Ernesto Neto. Foi um pouco pensando em todos esses diálogos que ele montou Eu o outro, uma coletiva com 93 artistas brasileiros em cartaz no Manobra Galeria, um misto de ateliê, galeria e casa construído pelo artista Ivacy de Souza em um terreno de 10 mil m; próximo a Sobradinho.
"Desde 1975, comecei a fazer curadoria e a pensar no outro, a dar visibilidade ao outro;, conta Fonteles. ;Agora, depois de 44 anos fazendo isso, percebi que tinha que fazer essa exposição de eu com o outro, do meu diálogo com vários artistas e, com isso, fazer inter-relações."
Parte dessa ideia motivou a construção da obra Agora?: OcaTaperaTerreiro, na 32; Bienal Internacional de Artes de São Paulo. Sob uma estrutura erguida com palha e paredes de taipa, à moda indígena, o artista reuniu algumas de suas obras criadas com materiais coletados ao longo de viagens pelo país. Ali, durante uma semana de cada mês, ele recebia convidados para sessões de conversas sobre temas que iam da questão indígena e ambiental à produção artística.
Parte do material que expõe no Manobra veio dessa instalação, mas há uma quantidade importante realizada pelos 93 convidados. De Ernesto Neto, ele recebe Cipóflor, instalação em tecido preenchida com ervas. ;Ernesto fez especialmente para exposição;, garante Fonteles. ;A obra desce do teto e vem até a pessoa, a pessoa pega a ponta cheia de ervas e bota no seu coração, usa o nariz para cheirar. E tem que ter uma ou duas pessoas, senão não funciona. É essa relação com o outro.;
Uma foto do alagoano Jonathas Andrade pretende apresentar, explicitamente, o museu do homem nordestino e uma instalação de José Rufino reflete sobre o processo de criação da poesia. ;Vou dialogando com essas coisas;, avisa Fonteles, que cita Drummond, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, a civilização maia e elementos da cultura indiana para pontuar o diálogo. "Os maias têm uma saudação que diz ;eu sou o outro você;. E os índios dizem ;metade de mim é você e metade de você, é mim;. E os indianos dizem namastê, que é ;o divino que está em mim saúda o divino que há em você;. Tudo isso levo em consideração para ter relação com as pessoas", diz.
Além dos artistas visuais, há muita música e poesia em Eu o outro. Uma carta de Drummond datada de 1985 e escrita para Fonteles em agradecimento a uma homenagem realizada durante uma exposição está emoldurada ao lado de uma vitrola da com vinis de Egberto Gismonti que o público pode colocar e ouvir, além de consultar as partituras. Um retrato do próprio Fonteles feito por Iberê Camargo também integra a exposição, assim como uma espécie de pano-travesseiro idealizado pelo goiano Divino Sobral. Na geladeira da copa da galeria, um aviso: ;Abra, contém arte;. Dentro, uma garrafa pet com água, um maçarico que não queima e um poema sugere muitas reflexões sobre os limites poéticos do mundo atual. A assinatura é de Xico Chaves.
Além disso, uma réplica da escultura em bronze de Drummond em Copacabana (Rio de Janeiro) e um vestido de Ronaldo Fraga inspirado na obra do poeta também fazem parte da exposição. ;É tudo uma troca;, explica Fonteles, que não contou com apoio financeiro algum para realizar a mostra e já pensa em levá-la para outras cidades do país. ;É filosófico, afetivo, é tudo, é a minha história com essas pessoas. Acompanho a obra deles há muitos anos.;
Eu o outro
Exposição de Bené Fonteles e outros 93 artistas brasileiros. Visitação até 21 de julho, na Manobra Galeria (DF 150 KM 5 Chácara Vila Rosada, Sobradinho). Informações para agendamento das visitas: José Ivacy 981689323
O espaço
A Galeria Manobra é dividida em três andares, sendo que o térreo, um espaço de 200m;, é inteiramente reservado para exposições. Ali, Ivacy de Souza, professor aposentado da rede pública de ensino, deixa em exposição o próprio acervo e recebe mostras como Eu o outro. As visitas funcionam por agendamento e a galeria está aberta desde 2016. A intenção do artista e professor era criar espaço para a cultura na periferia, já que há poucos do gênero, mas também fincar raízes no local e ajudar a proteger uma reserva natural constantemente ameaçada de invasão.