Diversão e Arte

Quatro bons livros de autores da cidade chegam às prateleiras

Poemas e narrativas intrigantes estão entre os destaques das produções

Nahima Maciel
postado em 01/06/2019 06:10
Machado de Assis é um dos personagens do romance de Almeida JúniorUma traição cometida por Machado de Assis, um velho que se recusa a deixar a cidade destinada à construção de uma represa, um jardim cujas plantas contam histórias e um conjuntinho muito simpático de 219 poemas cheios de ironias. As prateleiras de literatura brasiliense das bibliotecas, particulares ou não, ganharam quatro bons títulos que merecem leitura e atenção. Nenhum dos autores é nascido na cidade, mas todos fizeram dela seu refúgio e seu observatório do mundo. Alguns, como José Rezende Jr. e José Almeida Júnior, já foram premiados com o Jabuti e o Prêmio Sesc, respectivamente. Outros, como Paulo Paniago, têm três livros de contos publicados, mas agora arrisca na poesia, enquanto Adalberto Müller publicou dois de poesia e agora se volta para a prosa.

O homem que odiava Machado de Assis
; De José Almeida Júnior. Faro Editorial, 238 páginas. R$ 39,90. Chega às livrarias em 10 de junho

No romance de José Almeida Júnior, Machado de Assis não é protagonista, mas é motivo de muitas desavenças. Pedro, o narrador, é filho de um fazendeiro rico que acaba enviado para estudar em Portugal após a morte da mãe. Na infância, ele conhece Machado, menino mestiço agregado da família que vivia em uma das fazendas. Em Portugal, Pedro conhece Carolina, se apaixona e volta com ela para um Rio de Janeiro no qual Machado já é um nome conhecido na cena literária. A rivalidade da infância ; Pedro e Machado se apaixonam pela mesma menina ; cresce na vida adulta e é em torno dessa trama que Almeida desenvolve o romance.

É quase tudo ficção em O homem que odiava Machado de Assis, mas há também muito da realidade. O autor, nascido em Mossoró (RN) e radicado em Brasília há 12 anos, sempre se sentiu intrigado pelos mistérios que rondam a vinda de Carolina para o Brasil. Originária do Porto, ela chegou ao país com o músico Artur Napoleão e, pouco depois, casou-se com Machado de Assis. Não se sabe o porquê da viagem. Os indícios, que poderiam ser encontrados nas cartas trocadas entre Carolina e Napoleão, foram queimados por Machado pouco antes de sua morte. Almeida se empenhou em imaginar os motivos dessa troca de país e aí entra a ficção. ;Eu queria escrever um livro que tivesse alguma relação com Machado e comecei a estudar a biografia dele. Descobri que tinha um ponto nebuloso da vinda de Carolina para o Brasil. Ela tinha vindo em circunstâncias misteriosa com Artur Napoleão e, pouco tempo depois, se encontrou com Machado;, conta o escritor.

No romance, a negritude do bruxo do Cosme Velho é um ponto central. Boa parte do desdém do narrador pelo escritor passa pelo preconceito racial. Foi uma forma de abordar a questão, fundamental para compreender a trajetória e a personalidade do autor de Dom Casmurro. ;A visão que a gente tem de Machado é de um escritor carreirista que queria fazer a vida no serviço público com bajulação e que estava alheio às questões sociais, mas ele não estava. Ele tinha a maneira dele de reagir, não era como um José do Patrocínio ou um Joaquim Nabuco. Ele sofreu na pele uma coisa que Joaquim Nabuco não era capaz de saber, sofreu muito preconceito, a ascensão social dele teve mais dificuldade por causa disso. Até o casamento foi difícil, porque a família de Carolina não queria. E isso, para uma pessoa que tinha uma capacidade intelectual como a dele, estando nesse meio que dizia que a mestiçagem diminuía a raça, era muito difícil;, explica Almeida, que ganhou o Prêmio Sesc de Literatura em 2017 com o romance Última hora.

A cidade inexistente
; De José Rezende Jr. 7Letras, 82 páginas. R$ 37

Por decisão do governo, uma cidade é evacuada para que uma usina hidrelétrica possa ser construída. A promessa de indenização inclui a construção de uma cidade idêntica, mas um velho decide ficar. E com ele, um velho e leal cachorro. O primeiro romance de José Rezende Jr. pode, a princípio, parecer um conto. Capítulos curtos, com início, meio e fim, se bastariam se fosse o caso. Mas o escritor, laureado com o Jabuti em 2010 na categoria contos com Eu perguntei pro velho se ele queria morrer (e outras estórias de amor), enxergou ali uma história maior e fez do drama de ver uma cidade inteira desaparecer em nome do progresso trazido pela eletricidade um romance. ;Como eu sou, antes de tudo, um contista, a história começou como conto mesmo;, avisa. ;Era um conto no qual a cidade vai ser evacuada e o velho decide ficar. Meus contos estão concentrados naquela narrativa e se bastam, mas achei que tinha mais coisas pra amarrar ali;.

José Rezende JR. escreve sobre as coisas das quais tem medo

Elipses e coisas não contadas sempre fizeram parte da narrativa de Rezende e aparecem em A cidade inexistente com uma constância que provoca certo suspense. Estão lá também as temáticas recorrentes na obra do autor, como a morte, as perdas e o envelhecimento. ;A morte em si, por exemplo, porque já perdi muita gente e é sempre muito doloroso, difícil. Por outro lado, esse velho também simboliza um pouco da resistência e isso achei importante;, repara.

Natural de Aimorés, no interior de Minas Gerais, Rezende colheu na própria memória a ideia central do romance. Ele lembra bem de como Itueta, cidade próxima a Aimorés, foi destruída para dar lugar a uma hidrelétrica com a promessa de ser reconstruída. ;A ideia do governo é sempre de indenização, mas eu quis radicalizar essa ideia;, diz. Aos poucos, os personagens do livro percebem que a nova cidade, teoricamente idêntica à antiga, é bastante diferente. Lá, pé de manga não dá manga, não há passarinho e os galhos não têm coração talhado a canivete. A memória, nessa narrativa, é um dos temas caros ao autor. ;Há sempre outras perdas, além das perdas materiais, como a perda da memória, que não são contabilizadas;, lamenta.

Curto-circuito
; De Paulo Paniago. Edição independente, 82 páginas. R$ 15. Lançamento em 6 de junho, às 18, no Objeto Encontrado

Foi Chico Alvim quem acionou o gatilho da poesia em Paulo Paniago. Em um livro do poeta e diplomata, ele se deparou com um detalhe chamativo. ;No meio dos poemas, tem sempre duas frases matadoras. Se você tiver só isso, funciona só com essas duas frases. Me encantei com essa ideia e comecei a compor os poemas. E comecei a perceber que queria fazer uma investigação com linguagem;, conta. No total, ele chegou a escrever 1174 poemas, dos quais selecionou 219 para Curto-circuito, sua estreia na poesia.

A ideia do autor, nascido em Jataí (GO) e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), foi criar um sentido de leitura em camadas. ;O leitor pode ler e entender de maneira quase denotativa, mas no plano conotativo vai ter sempre uma chave. A ideia é que o poema fosse circular;, avisa Paniago, que, eventualmente, incluiu títulos, embora haja muitos poemas apenas numerados. Quando existe, ele explica, o título dá sentido ao texto, mas os versos apenas numerados são completos sozinhos.

Transplantações (do jardim da minha mãe)
; De Adalberto Müller. para.texto, 128 páginas. R$ 39,90

A memória e as plantas são os temas de Adalberto Müller nesse livro bilíngue, escrito originalmente em inglês e cheio de delicadezas. As plantas do jardim da casa em que cresceu, na fronteira com o Paraguai, inspiram o autor a pensar no quanto de memórias esses seres guardam. Filho de uma paisagista paraguaia e de um dentista alemão, Müller, que fez mestrado na UnB, passou a infância em um jardim povoado por árvores e flores cuidadosamente escolhidos. Cada um desses seres ganhou vida própria em Transplantações. Ao mesmo tempo em que reflete sobre o significado da existência de flamboyants, violetas, samambaias e mangueiras, o autor relembra a infância e ensaia uma prosa poética sobre o universo das plantas. Ilustrações de Amanda Guerrero, filha do autor, acompanham os textos. ;Sou afiliado do Partido do Proust. Isto é: escrevo ficção a partir do dado biográfico direto. Gostaria de inventar outras pessoas, mas não posso sair de mim. Eu escrevo para me entender. Imagino que outras pessoas possam se entender a partir desse meu processo;, avisa o autor, que concebeu o livro para um curso de Creative Writing com Andre Aciman (autor de Me chame pelo seu nome), em Nova York, que acabou não fazendo.

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