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Poesia

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 03/06/2019 04:08
Uma canção para Niemeyer

A minha vida é sempre assim...
É como a flora do cerrado...
São galhos tortos postos
sobre estes troncos torturados...
Mas preparei flores pra ti...
E frutos bem adocicados...
Cajus, cagaitas e pequis...
Mangas colhidas com cuidado!

Retas perseguem setas e rotas nunca dantes experimentadas...
Eu vi um ângulo impossível furar o vão e virar escada!
Era uma mão ou era uma asa aquela concha tão desvairada?
E aquele vão onde passam vans...? E aquele voo por sobre o nada?!

E aquele círculo em espiral e aquela curva tão concavada!
E olhem só que palmas esguias! E estas formas enfileiradas...
Esteta louco! Não vê que cai! Este experimento vai dar em nada!
Vejo que ri atrás dos bigodes e da prancheta endiabrada!

E do início até aqui
Lobo guará sempre acuado
Chego a pensar em desistir!
Querem-me exterminado!
Mas eu persisto em insistir...
Meu território demarcado!
Ó meu amor é para ti
o meu esforço concentrado...

Paulo Dagomé


Presságio

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente;
Cala: parece esquecer;

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar;

Fernando Pessoa

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