Diversão e Arte

Conheça a história dos videoclipes e suas transformações

A relação com música nunca mais foi a mesma após a chegada dos videoclipes, que, depois de décadas de transformações, continuam fundamentais para a divulgação dos artistas

Robson G. Rodrigues*
postado em 04/06/2019 07:00
Artistas de diferentes épocas, como Michael Jackson, Gorillaz e Beyoncé, construíram a carreira pelos videoclipes
Quando, em 1975, a banda Queen lançou o videoclipe de Bohemian Rhapsody na televisão, iniciou-se um movimento irreversível na indústria fonográfica. Cada vez mais numerosos, os videoclipes, com os anos, migraram para as telas dos computadores, e, posteriormente, para as verticais dos smartphones. Ganharam versões 3D e 360; nas mãos de personalidades que vão de Bjork a Ivete Sangalo. Dividiram coautoria com os espectadores em narrativas interativas. Mais recentemente, voltaram a ser confundidos com cinema graças à ascensão dos chamados álbuns visuais , tendência iniciada por Beyoncé na era on-line. Depois da internet, a produção e a difusão de videoclipes tornaram-se acessíveis e deram fim ao domínio televisivo sobre o formato.
Essencialmente, os videoclieps sincronizam música e imagem, traduzindo imageticamente uma canção. Essa linguagem audiovisual avançou cada vez mais no mercado do entretenimento, envolvendo orçamentos milionários, premiações e se tornou peça de divulgação preciosa. Grandes cineastas começaram suas carreiras nos videoclipes, como David Fincher, Gus Van Sant e Spike Jonze.

A música Bohemian Rhapsody, explica Thiago Soares, autor do livro A estética do videoclipe, inspirou o primeiro videoclipe produzido. O formato inaugurado pelo Queen diferencia-se das experiências anteriores, como a psicodélica dos Beatles em Strawberry fields forever, pelo caráter mercadológico e televisivo. Naquele ano, o quarteto foi convidado para se apresentar ao vivo no programa de TV britânico Top of the pops. Em vez de entrar no palco, o grupo enviou o vídeo para ir no ar.
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;Foi uma estratégia de marketing. Como o vídeo mostra a apresentação de um show do Queen, parecia que os integrantes estavam tocando ao vivo na televisão. No entanto, eles acrescentaram efeitos gráficos e sonoros. Pela primeira vez uma apresentação ao vivo de música foi substituída por um audiovisual. Com essa exibição, os videoclipes deixaram de ser apenas uma referência estética ligada ao cinema;, analisa Thiago Soares.

Canal fundamental

A MTV estreou em 1981 de forma provocativa: o primeiro videoclipe exibido foi Video killed the radio star (O vídeo matou os astros do rádio), da banda The Buggles. E, de fato, vários músicos que não se adaptaram ao novo tipo de divulgação, que envolvia encenação diante das câmeras, ficaram para trás. Outros, ao contrário, construíram a carreira apoiados na imagem. Como Duran Duran, Michael Jackson e Madonna. Esses dois últimos abriram portas para que mais mulheres e negros aparecessem na mídia pelos videoclipes. A emissora aumentou os números de venda de discos, que andavam baixos.

Em 1983, Michael Jackson levou às telas da MTV coreografias e efeitos especiais elaborados. Com 13 minutos de duração, Thriller despendeu o maior orçamento da época. O sucesso estrondoso rendeu a Michael vários prêmios, a maior venda de álbuns da década e o título de ;o vídeo musical mais famoso de todos os tempos; pelo Registro Nacional de Cinema da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, que, em 2009, pela primeira vez reconheceu um videoclipe entre as grandes obras fílmicas.
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Produções tupiniquins

No Brasil, América do Sul, protagonizado por Ney Matogrosso, é considerado o primeiro videoclipe. Foi dirigido por Nilton Travesso em 1975 e exibido e produzido pelo Fantástico, da Rede Globo. ;América do Sul se destacou, porque o Ney não quis fazer o clipe em estúdio. Eles então gravaram a performance dele no meio da floresta. O marco do videoclipe brasileiro aconteceu quando o filme saiu do estúdio e foi para uma externa;, observa o especialista Thiago Soares.

Ney Matogrosso conta em entrevista ao Correio que não suspeitava de que estava fazendo revolução. ;Quando fui chamado para gravar, fiquei um dia inteiro no helicóptero, pra cima e pra baixo. Eu estava fazendo algo para televisão despreocupadamente, sem expectativa nenhuma;, lembra Ney .;Com os Secos & Molhados, fazíamos os números para ir ao ar na televisão, não eram videoclipes;.
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Na época ele não demorou a descobrir a relevância de América do Sul. ;Cheguei a ganhar prêmios internacionais por causa dele. A partir daquele momento, todo mundo passou a fazer videoclipes. Então era uma coisa normal. Eu fiz muitos outros depois;, recorda-se o músico, hoje com 77 anos, que não descarta lançar novos videoclipes.
Com a chegada da MTV em 1990, o Brasil passou a seguir a lógica radiofônica de escoar as obras, em vez de produzi-las, como fazia o Fantástico. O primeiro videoclipe foi a versão de Garota de Ipanema de Marina Lima. Entre os trabalhos marcantes exibidos pela emissora estão Segue o seco (1994), de Marisa Monte, pela estética trabalhada e temática da seca, ainda atual; Diário de um detento (1997), dos Racionais MCs, que agendou o rap na MTV Brasil ao tratar do massacre em Carandiru; e Minha alma (1999), d;O Rappa, pelo caráter cinematográfico, que influenciou filmes como Cidade de Deus.
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Revolução da internet

A internet aproximou os videoclipes do público e mudou ainda mais a relação dos artistas com os fãs. ;As pessoas passaram a ter acesso a músicos com realidades muito diferentes e distantes do circuito comercial no ocidente, como bandas K-pop;, explica a especialista Laura Josani, para quem a mudança na lógica de acesso tirou a relevância da TV no consumo de videoclipes.

Em 2008, a banda Radiohead lançou um concurso para a produção de um videoclipe animado para as músicas do álbum In rainbows. Segundo Laura Josani, vários artistas fazem da produção dos clipes uma estratégia de aproximação com os fãs. Como Madonna, com Celebration (2009), e a banda japonesa Sour, com Hibi no neiro (2009). Clipes interativos também ganharam destaque por possibilitar a intervenção do público nas obras. Entre os destaques estão o clipe de 24 horas de Happy (2013), de Pharrell Williams, e o The Johnny Cash project (2011), que permitiu aos fãs do músico homenageá-lo criando o ;último videoclipe; do cantor com frames ilustrados por eles. A interatividade on-line também permitiu desbravar cenários 360;, como os clipes imersivos The vampyre of the time and memory (2013), da banda Queens of the Stone Age, Stonemilker (2015), da Bj;rk e O farol (2016), de Ivete Sangalo. Nascida nos videoclipes, a banda virtual Gorillaz lançou em 2017 o clipe 360; de Saturnz barz, recordista de audiência no formato.
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Nesta década também despontaram os álbuns musicais. São narrativas visuais em sequência que vão da primeira à última música. O formato não é novidade. A hard day;s night (1964), dos Beatles, Tommy (1975), do The Who, The wall, do Pink Floyd, e Eat to the beat, da banda Blondie (1979) foram marcos no cinema e na música. Em 2013, Beyoncé, com o disco homônimo, e depois, em 2016, com a megaprodução Lemonade, trouxe de volta os álbuns visuais com força ao mainstreaming. Entraram na onda Metállica, Frank Ocean, Justin Bieber, Florence and The Machine, Tiago Iorc, entre outros. No Brasil, Anitta lançou o álbum visual Kisses. Em Brasília, Vix Russel estreou neste ano o álbum visual Guias. Ambos os trabalhos nacionais são de 2019.
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"Penso que a internet influenciou a técnica de fazer o videoclipe. A partir do uso dos smarthfones as pessoas passaram a ver os videoclipes nos celulares com telas bem menores que a televisão, então, os produtores de clipes passaram a pensar na captação de imagens de outra forma, com enquadramentos mais fechados, dando ainda mais ênfase aos cantores e aproveitando a qualidade da imagem digital", analisa a especialista Laura Josani. Ainda sem grande investismentos no formato, os videoclipes verticais foram aderidos por vários artistas, como Nicki Minaj.
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Acesso


Embora tenham o rock n; roll como berço, atualmente, o sertanejo e o funk brasileiro lideram a produção de videoclipes no Brasil. O vídeo Bum bum tam tam, de MC Fioti, produzido pela KondZilla, soma mais de um bilhão de visualizações e é o brasileiro mais assistido no YouTube. Em 2018, o vídeo musical Largado às traças, de Zé Neto e Cristiano, foi o mais visitado. Para além das grandes produções, a democratização dos videoclipes se deve em grande parte à facilidade em se obter recursos de filmagem e edição, e à possibilidade de compartilhar os vídeos em plataformas on-line.
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O barateamento da produção de videoclipes e sua descentralização da TV ajudou jovens como Thales Alves a entrar para esse mundo. O brasiliense de 22 anos gravou o primeiro videoclipe em 2016 a convite de uma banda de amigos. Em 2019 entrou para a Bendita Gravadora, onde dirige e fotografa profissionalmente. ;Com a internet, hoje em dia tem muito mais gente produzindo videoclipe e mais representatividade. Mudou o perfil de quem faz porque ficou mais barato produzir e distribuir em massa sem intermédio da TV. Hoje, tem mais pontos de vistas, mais protagonistas. Agora, são lançados videoclipes de todos gêneros imagináveis. Vários são de baixo orçamento, mas isso não é mais um impeditivo;, observa.
Autor do videoclipe Jenifer, de Gabriel Diniz, o brasiliense Bruno Fioravanti é um dos prinicipais nomes do mercado de videoclipes no Brasil. Já trabalhou com Ivete Sangalo, Zezé di Camargo & Luciano, Nego do Borel, Jota Quest e Capital Inicial, e por aí vai. Quando adolescente, era fã de rock. Assistia aos vídeos pela MTV. Anos depois, começou a filmar as bandas de conhecidos. "Não existe uma escola para isso. Tem que correr atrás e tentar. Mas hoje, todos podem fazer clipes", diz. Para ele, trabalhar com essa linguagem audiovisual é um prazer "É um desafio semanal que cumpro. Desafio de fazer um sonho acontecer a cada música, e fazer diferente sempre, com artistas diferentes", conta o músico, que dispõe de poucos dias para entregar um videoclipe. Hoje, ele gosta de ouvir de tudo. "Tem uma linguagem que é minha, mas tem uma identidade de cada artista. Tento transmitir a música e a vibe que esse artista tem".
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*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira


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