Diversão e Arte

A sedução dos videoclipes

A relação com música nunca mais foi a mesma após a chegada desse formato, que, depois de décadas de transformações, continua fundamental para a divulgação dos artistas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 04/06/2019 04:27
A relação com música nunca mais foi a mesma após a chegada desse formato, que, depois de décadas de transformações, continua fundamental para a divulgação dos artistas
Quando, em 1975, a banda Queen lançou o videoclipe de Bohemian Rhapsody na televisão, iniciou-se um movimento irreversível na indústria fonográfica. Cada vez mais numerosos, os videoclipes, com os anos, migraram para as telas dos computadores, e, posteriormente, para as verticais dos smartphones. Ganharam versões 3D e 360;. Dividiram coautoria com os espectadores em narrativas interativas. Mais recentemente, voltaram a ser confundidos com cinema graças à ascensão dos chamados álbuns visuais. Depois da internet, a produção e a difusão de videoclipes tornaram-se acessíveis e deram fim ao domínio televisivo sobre o formato.

A música Bohemian rhapsody, explica Thiago Soares, autor do livro A estética do videoclipe, inspirou o primeiro videoclipe produzido. O formato inaugurado pelo Queen diferencia-se das experiências anteriores, como a psicodélica dos Beatles em Strawberry fields forever, pelo caráter mercadológico e televisivo. Naquele ano, o quarteto foi convidado para se apresentar ao vivo no programa de TV britânico Top of the pops. Em vez de entrar no palco, o grupo enviou o vídeo para ir no ar.

;Foi uma estratégia de marketing. Como o vídeo mostra a apresentação de um show do Queen, parecia que os integrantes estavam tocando ao vivo na televisão. No entanto, eles acrescentaram efeitos gráficos e sonoros. Pela primeira vez uma apresentação ao vivo de música foi substituída por um audiovisual. Com essa exibição, os videoclipes deixaram de ser apenas uma referência estética ligada ao cinema;, analisa Thiago Soares.

Canal fundamental

A MTV estreou em 1981 de forma provocativa: o primeiro videoclipe exibido foi Video killed the radio star (O vídeo matou os astros do rádio), da banda The Buggles. E, de fato, vários músicos que não se adaptaram ao novo tipo de divulgação, que envolvia encenação diante das câmeras, ficaram para trás. Outros, ao contrário, construíram a carreira apoiados na imagem. Como Duran Duran, Michael Jackson e Madonna. Esses dois últimos abriram portas para que mais mulheres e negros aparecessem na mídia pelos videoclipes. A emissora aumentou os números de venda de discos, que andavam baixos.

Em 1983, Michael Jackson levou às telas da MTV coreografias e efeitos especiais elaborados. Com 13 minutos de duração, Thriller despendeu o maior orçamento da época. O sucesso estrondoso rendeu a Michael vários prêmios, a maior venda de álbuns da década e o título de ;o vídeo musical mais famoso de todos os tempos; pelo Registro Nacional de Cinema da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, que, em 2009, pela primeira vez reconheceu um videoclipe entre as grandes obras fílmicas.

Produções tupiniquins

No Brasil, América do Sul, protagonizado por Ney Matogrosso, é considerado o primeiro videoclipe. Foi dirigido por Nilton Travesso em 1975 e exibido e produzido pelo Fantástico, da Rede Globo. ;América do Sul se destacou, porque o Ney não quis fazer o clipe em estúdio. Eles então gravaram a performance dele no meio da floresta. O marco do videoclipe brasileiro aconteceu quando o filme saiu do estúdio e foi para uma externa;, observa o especialista Thiago Soares.

Ney Matogrosso conta em entrevista ao Correio que não suspeitava de que estava fazendo revolução. ;Quando fui chamado para gravar, fiquei um dia inteiro no helicóptero, pra cima e pra baixo. Eu estava fazendo algo para televisão despreocupadamente, sem expectativa nenhuma;. conta Ney .;Com os Secos & Molhados, fazíamos os números para ir ao ar na televisão, não eram videoclipes;.

Na época ele não demorou a descobrir a relevância de América do Sul. ;Cheguei a ganhar prêmios internacionais por causa dele. A partir daquele momento, todo mundo passou a fazer videoclipes. Então era uma coisa normal. Eu fiz muitos outros depois;, recorda-se o músico, hoje com 77 anos, que não descarta lançar novos videoclipes.

Com a chegada da MTV em 1990, o Brasil passou a seguir a lógica radiofônica de escoar as obras, em vez de produzi-las, como fazia o Fantástico. O primeiro videoclipe foi a versão de Garota de Ipanema de Marina Lima. Entre os trabalhos marcantes exibidos pela emissora estão Segue o seco (1994), de Marisa Monte, pela estética trabalhada e temática da seca, ainda atual; Diário de um detento (1997), dos Racionais MCs, que agendou o rap na MTV Brasil ao tratar do massacre em Carandiru; e Minha alma (1999), d;O Rappa, pelo caráter cinematográfico, que influenciou filmes como Cidade de Deus.

Revolução da internet

A internet aproximou os videoclipes do público e mudou ainda mais a relação dos artistas com os fãs. ;As pessoas passaram a ter acesso a músicos com realidades muito diferentes e distantes do circuito comercial no ocidente, como bandas K-pop;, explica a especialista Laura Josani, para quem a mudança na lógica de acesso tirou a relevância da TV no consumo de videoclipes.

Em 2008, a banda Radiohead lançou um concurso para a produção de um videoclipe animado para as músicas do álbum In rainbows. Segundo Laura Josani, vários artistas fazem da produção dos clipes uma estratégia de aproximação com os fãs. Como Madonna, com Celebration (2009), e a banda japonesa Sour, com Hibi no neiro (2009). Clipes interativos também ganharam destaque por possibilitar a intervenção do público nas obras. Entre os destaques estão o clipe de 24 horas de Happy (2013), de Pharrell Williams, e o The Johnny Cash project (2011), que permitiu aos fãs do músico homenageá-lo criando o ;último videoclipe; do cantor com frames ilustrados pelos fãs. A interatividade on-line também permitiu desbravar cenários 360;, como os clipes imersivos The vampyre of the time and memory (2013), da banda Queens of the Stone Age, Stonemilker (2015), da Bj;rk, O farol (2016), de Ivete Sangalo, Saturnz barz (2017), dos Gorillaz.

Nesta década também despontaram os álbuns musicais. São narrativas visuais em sequência que vão da primeira à última música. O formato não é novidade. A hard day;s night (1964), dos Beatles, Tommy (1975), do The Who, The wall, do Pink Floyd, e Eat to the beat, da banda Blondie (1979) foram marcos no cinema e na música. Em 2013, Beyoncé, com o disco homônimo, e depois, em 2016, com a megaprodução Lemonade, trouxe a produção de álbuns visuais de volta com força ao mainstreaming. Entraram na onda Metállica, Frank Ocean, Justin Bieber, Florence and The Machine, Tiago Iorc, entre outros. No Brasil, Anitta lançou o álbum visual Kisses. Em Brasília, Vix Russel estreou neste ano o álbum visual Guias. Ambos os trabalhos nacionais são de 2019.

*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira



Bohemian Rhapsody (1975), do Queen, representa o marco inicial dos videoclipes no mundo.



O videoclipe América do Sul (1975), de Ney Matogrosso, produzido pelo Fantástico, é considerado o primeiro do Brasil.



Com produção milionária, Michael Jackson elevou os videoclipes de patamar com Thriller e aumentou a participação de negros na mídia.



Nascida nos videoclipes, a banda virtual Gorillaz lançou em 2017 o clipe 360; de Saturnz barz, recordista de audiência no formato.



Sempre na vanguarda, Bj;rk já explorou de tudo em seus videoclipes. Um dos destaques de sua videografia é All is full of love, um marco na animação computadorizada dos anos 1990.



Em Diário de um detento, Os Racionais MC;s (1997) expandiram o leque de gêneros exibidos na TV com crítica social incisiva.



O filme Hard days night dos Beatles, de 1964, é considerado o primeiro álbum visual. Além deles, The who, Pink floyd, Blondie, Daft Punk exploraram o formato antes de Beyoncé transformá-lo num fenômeno.



Tendência iniciada por Beyoncé na era on-line, os álbuns visuais ganharam força graças a obras como Lemonade, de 2016.



Madonna foi uma das artistas que mais se destacou em grande parte graças aos videoclipes, como o polêmico Like a prayer, de 1989

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