Diversão e Arte

A ousada música brasileira

Rodrigo Suricato, Lucy Alves, Alice Caymmi e o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira vivem nova fase nos trabalhos em que reafirmam discurso empoderado e diversidade

postado em 10/06/2019 04:07
Rodrigo Suricato, Lucy Alves, Alice Caymmi e o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira vivem nova fase nos trabalhos em que reafirmam discurso empoderado e diversidade
A música brasileira vive um momento de renovação. Seja com novos nomes surgindo, seja com a consolidação de artistas, até então pouco conhecidos. Essa efervescência ainda tem influência nos trabalhos musicais, cada vez mais ousados e dinâmicos, por conta da maior aproximação e fluidez entre gêneros e do novo modo de consumo da música proporcionado pela popularização das plataformas digitais.

Nas últimas semanas, Rodrigo Suricato, Lucy Alves, Alice Caymmi e banda As Bahias e a Cozinha Mineira divulgaram os novos trabalhos. Apesar de completamente diferentes entre si, os projetos têm algo em comum: esse tal frescor do mundo da música atual. Suricato, Lucy e Alice resolveram apostar em novas sonoridades, marcando uma nova fase na carreira. O grupo As Bahias e a Cozinha Mineira apresenta um trabalho em que consolida o que vem sendo feito desde 2011, com um discurso empoderado e político.

Ao Correio, os artistas dos quatro trabalhos falaram sobre a concepção e as mudanças e as reafirmações musicais. Confira a seguir!


; Alice Caymmi

Após o último disco ser totalmente influenciado pelo pop, a cantora carioca surpreende com Electra, um álbum de intérprete integralmente feito de voz e piano. A mudança deve-se à vontade da artista de fazer um disco atual, e, segundo ela, para isso não caberia fazer um álbum com aparatos tecnológicos e muito menos um disco alegre e superficial.

;Com as mudanças do cenário socioeconômico político e com o cenário fascista que assolou o país e as pessoas que amo, eu não tinha mais clima para fazer os shows do disco pop, porque ele foi produzido em uma outra época, em que eu nunca imaginava que isso fosse acontecer. Se eu não mudasse o meu andar da carruagem, eu não ia conseguir ser verdadeira do jeito que eu precisava;, revela Alice.

O lado cênico de Alice Caymmi, que é formada em teatro, agregou na composição da nova fase da artista. Com uma performance visual intensa e dramática, além da mitologia que compõe a estética escolhida para o disco: o mito grego de Electra. ;Essa história inclui todos os aspectos fundamentais da vida humana, todos os arquétipos familiares, coisas do mal-estar atual, que dialogam com esse mito, com essa tragédia. Eu trouxe as músicas que dialogavam com esse estado e fiz o disco;, conta.

O novo álbum é constituído por 10 faixas e formado por composições de grandes nomes, como Tom Zé (Mãe solteira), Amália Rodrigues (Medo), Maysa (Diplomacia), Lucas Vasconcellos (Areia fina) e Danilo Caymmi e Ana Terra (Aperta outro). ;Eu fiz com o Zé Pedro, que é um grande parceiro, e ele trouxe algumas canções, em torno de três, e eu trouxe as outras e a gente completou um álbum por meio de mensagem, de uma dramaturgia, como se fosse uma trajetória;, relembra como foi a escolha das músicas.

Apesar de voltar à MPB tradicional, o lado popular de Alice Caymmi não está abandonado, só pausado por conta do sentimento da cantora em relação à conjuntura atual. ;Não vou largar o pop, assim como eu nunca vou largar as minhas raízes, vai sempre ter um jogo entre uma coisa e outra, eu percebi agora, a minha carreira e minha trajetória vão ser sempre essa gangorra entre esses dois lados;, completa.

Electra
De Alice Caymmi. Joia Moderna, 10 músicas. Disponível nas plataformas digitais.

; As Bahias e a Cozinha Mineira

Terceiro álbum de estúdio do trio paulista, Tarântula é composto por 10 faixas que apresentam uma ;maturidade do olhar da canção radiofônica;, como define a vocalista Assucena Assucena. ;Trabalhamos com três produtores e bandas rotativas criadas por eles, o que nos possibilitou uma sonoridade diferente;, explica.

Entre as temáticas das músicas, a artista destaca dois assuntos: ;Temos canções que apontam para o contexto sociopolítico do país e também as que são românticas, que são temas existenciais que, para a população LGBT+, são totalmente políticos, porque uma das maiores conquistas da burguesia foi falar de amor, o romantismo conquista. As travestis ainda não têm isso, existe esse vazio da não reciprocidade. Queremos sair do lugar de hiperssexualização;, diz Assucena.

O nome do disco vem da Operação Tarântula, realizada pela polícia paulista na época da ditadura militar em 1987. Mais de 300 travestis foram perseguidas e algumas, mortas. ;A operação se justificava no fato de que o HIV atinge este público e era uma expansão desse vírus moralista;, reflete Assucena. Ela também explica como o nome é um ressignificado nas mãos do trio, que transforma a expressão em sinônimo de feminilidade. ;É uma rememoração do conceito. Assim como (a música) Bixa poderia ser uma forma pejorativa a gente pega um termo que seria motivo de vergonha e transforma em orgulho; pontua. Além disso, o conceito fala sobre o aumento do alcance do grupo: ;A aranha cria uma rede que se amplifica para várias direções, como a nossa música;.

Falando em novos horizontes, Tarântula apresenta a primeira colaboração do trio, com o rapper Projota, na faixa Tóxico romance. ;Tínhamos vontade de fazer uma canção com algum rapper e o Projota é muito popular, toca no Brasil todo. Ele vestiu totalmente a camisa;, explica Rafael Acerbi. O músico também teve a estreia como cantor em Volta, com clipe protagonizado por ele e Vaneza Oliveira, de 3%. ;Sempre compus, mas para o Mulher e para o Bixa havia uma necessidade de afirmação da identidade da Raquel (Virgínia) e da Assucena;, explica. ;Foi emocionante, porque fazia anos que eu não colocava minha voz nas canções, um grande presente;, completa.

A turnê do novo trabalho deve começar em agosto e, com certeza, passará por Brasília, ainda sem data definida. ;É uma cidade pela qual temos muito carinho. Abrimos aí um show da Gal Costa e foi a realização de um sonho;, relembra Assucena.

Tarântula
De As Bahias e a Cozinha Mineira. Universal Music, 10 faixas. Disponível nas plataformas digitais.

; Lucy Alves
Foi atrás da sanfona e representando o forró tradicional que a cantora e instrumentista Lucy Alves conquistou o Brasil. Com uma carreira já consolidada no Nordeste, ela apareceu para o país inteiro quando participou do The voice Brasil. A partir daí, marcou espaço no mundo da música, protagonizou novela e assumiu o comando de um programa de televisão, a atração Só toca top, da Rede Globo.

Tantas mudanças levaram Lucy Alves a um outro caminho. Desde o ano passado, a artista flerta musicalmente com outros ritmos, mas sem deixar de lado o pé de serra que a levou ao sucesso. Neste ano, ela divulgou Mexe mexe, o primeiro single de um álbum que deve ser lançado até o fim de 2019. ;Esse álbum, para mim, é muito importante. Eu considero como o primeiro da minha carreira, porque vai trazer novidades;, avalia.

Tendo Mexe mexe como pontapé, o disco vai mostrar uma guinada na carreira de Lucy e uma outra faceta, bem mais pop. ;Acho que o que me levou a esse caminho foram as minhas experiências, minhas vontades como artista. Já toquei com Deus e o mundo, tenho várias influências, resolvi trazer isso tudo e mostrar minhas outras facetas. Amo inventar e me reinventar como artista;, revela.

A faixa que abre os trabalhos do disco mistura pop, música latina, xaxado e lambada, numa sonoridade que Lucy classifica como ;iê-iê-iê Paraíba;, que teve produção musical de Alê Siqueira e composição de Pablo Bispo, Bárbara Ohana e Alice Caymmi. ;Mexe mexe marca de fato um momento novo na minha carreira, em que consigo trazer todas as minhas raízes. Gravei todos os instrumentos e mesclei com a batida mais eletrônica. Mas tem essa batida quente, que trago da Paraíba;, revela.

Mexe mexe
De Lucy Alves. Warner Music, 1 faixa. Disponível nas plataformas digitais.

; Rodrigo Suricato
Em meio à turnê com Barão Vermelho, o cantor, compositor e multi-instrumentista começou o processo de concepção do próximo álbum, que faz parte do projeto fundado por ele há oito anos e que o levou ao estrelato na competição musical Superstar. ;Foi um processo muito bonito. De 30 canções, selecionei 10 que fariam parte desse álbum. No decorrer do processo de gravação, fui me descobrindo, porque fiz quase tudo sozinho. É o disco do qual eu produzo, compus todas músicas, toquei 85% dos instrumentos. Eu fui me apropriando de uma forma muito bonita;, lembra.

Antes de lançar o material de forma completa, Rodrigo divulgou o primeiro EP Suricato, composto por três canções Na mão as flores, Admirável estranho e Horizonte. ;Acho que dá um gostinho, é um teaser do álbum. Hoje não se tem tempo para se hospedar em tantas canções ao mesmo tempo;, analisa sobre a forma de consumo e pela estratégia de lançar de forma fracionada antes da divulgação do disco na íntegra em julho.

Escolher essas primeiras canções foram, de certa forma, um desafio. Ao mesmo tempo, foi a forma que Rodrigo Suricato encontrou de logo demonstrar ao público a nova fase da carreira, em que tem uma sonoridade mais pop com inserção de alguns elementos eletrônicos. ;Esse EP é uma prévia do que vem nesse álbum e representa um pouco dessa atmosfera mais pop, folk. É meio cruel ter que escolher apenas três faixas para anteceder o trabalho. Até porque meu trabalho é muito pessoal. Escrevo em primeira pessoa, então não deixa de ser um álbum autobiográfico;, define.

Essa faceta mais pop de Rodrigo ainda está no processo de divulgação do disco. Ele vai lançar aos poucos os 10 webclipes das faixas do álbum. ;São clipes um pouco mais simples, sem dramaturgia, mas que ambientam esse universo mais pop;, adianta. Sobre a turnê, Suricato deve começar a rodar o Brasil em agosto com o show, tudo isso paralelamente à agenda do Barão Vermelho, banda a qual faz parte desde 2017. ;O Barão é aquele jardim que eu tenho muito orgulho de regar e de viver isso numa plataforma coletiva;, completa.

Suricato
De Rodrigo Suricato. Universal
Music, 3 faixas. Disponível nas plataformas digitais.



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