postado em 13/06/2019 04:18
Já com bom tempo de projeção do mais recente filme dele, Dor e glória, o diretor Pedro Almodóvar dá uma pista de onde desembocará parte da narrativa, em muito abastecida pela imagem de Penélope Cruz à frente do papel de uma mãe esforçada. Com um DVD de Mamma Roma (clássico assinando por Pier Paolo Pasolini) disposto numa mesa de centro da sala, o protagonista de Dor e glória ; um cineasta interpretado por Antonio Banderas ; revela a dependência pelo amor materno, tema da obra de Pasolini. Dor e glória é formatado para duas realidades vivenciadas por Salvador (Banderas): numa, entregue à sorte, na infância, habitando ;uma caverna; (uma casa soturna alugada pelo pai), ao lado da diligente mãe; e, noutro momento, desfrutando das comodidades de um diretor de cinema internacionalmente reconhecido.
Sabor, uma antiga obra de ficção assinada pelo personagem Salvador, é vital para o enredo de Dor e glória. Nos bastidores das filmagens, Salvador entra em atrito com o astro Alberto (Asier Etxeandia). É em nome dos ;velhos tempos; que ele aceita o desafio de se entender com Alberto, passadas mais três décadas. O reencontro é pontuado pelo contato com vícios há muito abandonados. Estruturado em memórias, que tocam, por exemplo, o apreço do ainda menino Salvador por atores como Robert e Liz Taylor, Dor e glória é uma saudação ao cinema.
Na base do deboche, por exemplo, Almodóvar critica a atualidade, numa discreta cena: é a hora em que Salvador desembala um presente ; o livro com o nada sutil título Como acabar com a contracultura. Admirado até mesmo na Islândia, o cineasta representado na ficção carrega desejos bastante singelos como o de atender a vontade da mãe viúva (Julieta Serrano), à beira da morte, de retornar a um vilarejo.
Em meio a exercícios de metalinguagem, o cinema de Almodóvar segue sedimentado no consumo e nas referências feitas com as artes. Tratando de teatro e música, entre outros temas, o diretor espanhol demonstra o apreço pela cantora Chavela Vargas, reafirma o amor pelo dramaturgo Tennessee Williams. De quebra, ainda apresenta ao mundo um promissor talento, o pequeno ator Asier Flores, fabuloso no trecho do filme que remete ao primeiro desejo. (RD)