Diversão e Arte

Origens do autoritarismo no Brasil

Em livro que trata de patrimonialismo, corrupção, raça, gênero e desigualdade, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz traça o trajeto da postura autoritária no país

postado em 15/06/2019 04:41 / atualizado em 19/10/2020 14:05

Em livro que trata de patrimonialismo, corrupção, raça, gênero e desigualdade,  a historiadora Lilia Moritz Schwarcz traça o trajeto da postura autoritária no país



Escrever Sobre o autoritarismo brasileiro ensinou muito à historiadora Lilia Moritz Schwarcz. Dividido em oito capítulos que exploram aspectos da história e da formação social brasileira, o livro coloca em perspectiva como o autoritarismo sempre esteve presente na trajetória do Brasil. Encomenda da editora Companhia das Letras, o conjunto de ensaios fez Lilia mergulhar em temas que há anos estuda, e também em questões sobre as quais nunca havia se aprofundado. “Aprendi muito sobre educação”, conta a historiadora. “Não sabia que o Brasil, consistentemente, não tem uma política de gastos na educação como têm os vizinhos latino-americanos. Não sabia que o Brasil era o quinto país em concentração de renda e em desigualdade no uso da terra. Tive que entrar em temas, avaliar muito mais do que eu conhecia.”

Lilia também se surpreendeu com dados coletados ao longo do processo. Ela sabia, por exemplo, que os números da violência contra jovens negros da periferia eram de genocídio, mas não tinha noção de que, na verdade, são de guerra civil. Outra descoberta fez a historiadora encontrar o tom do livro. Desde as eleições, Lilia passou a usar o Instagram para fazer comentários políticos. Ali, percebeu que o estilo direto seria a melhor forma de dialogar e de ser compreendida. “Uma vez professor, sempre professor”, brinca a historiadora, que dá aulas no departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e é professora visitante na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. “Vou construindo o livro na mesma época de minha participação no Instagram. É um público jovem, eu não tinha noção. Foi um período de aprendizado, percebi que tem um público que vai ali para ter conteúdo.”

Escravidão e racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça, gênero e intolerância norteiam o pensamento de Lilia em Sobre o autoritarismo brasileiro. Como historiadora, ela está acostumada a olhar para os fatos diacronicamente, o que significa fazer uma análise levando em conta os diversos períodos de tempo, mas ela deixou de lado o método para ir direto aos pontos que, acredita, são cruciais para entender o autoritarismo no Brasil de hoje. “Tentei ver quais são os grandes nós da nossa nacionalidade e que depõem, juntos, para esse autoritarismo de base brasileiro, que não foi inventado agora. Escravidão e racismo foram os primeiros”, conta.

Um capítulo é consequência do outro e, por isso, o conjunto de ensaios não deixa de dar uma perspectiva histórica. O patrimonialismo como modelo colonial serve de base para falar de corrupção, violência, intolerância, raça e gênero, temas nos quais Lilia é especialista. Em Desigualdade social, ela retoma o sistema escravocrata para explicar como a concentração de renda, e de terras no Brasil tem origens históricas. Se hoje o país está entre os cinco mais desiguais do mundo no quesito renda é porque a escravidão e os grandes latifúndios assim o moldaram.

Raça e gênero é um dos capítulos mais interessantes do livro. Lilia apresenta estatísticas oficiais para falar da falta de inclusão das populações afro-brasileiras e dos números elevados de mortes entre jovens negros e negras brasileiras em comparação com brancos. Alguns dados são bem conhecidos e repetidos por sociólogos, historiadores e jornalistas, mas vê-los reunidos e explicados de maneira tão didática e nada superficial pode ajudar a construir um pensamento no qual não cabem polarizações e no qual a informação é fundamental.

Sobre o autoritarismo brasileiro
De Lilia Moritz Schwarcz. Companhia das Letras, 274 páginas. R$ 49,90


>> entrevista Lilia Moritz Schwarcz 


Você começou a escrever comentários políticos nas redes 
sociais num período de disputas eleitorais muito polarizadas. 
Como lidar com as polarizações nesses meios?
No meu Instagram, infelizmente, tenho cada vez menos pessoas que discordam de mim, mas sempre quis responder, sobretudo às pessoas que discordam. Dialogando com essas pessoas, aprendi muitas coisas e, sobretudo, que o melhor jeito é falar com educação, muitos dados e não cair no jogo da polaridade. Venho da academia, fui mordida em Princeton por essa figura do intelectual público, que é muito estimada dentro da universidade, e penso que a universidade brasileira vai se abrindo para a importância do conteúdo.

Você acha que o livro consegue atingir jovens e leitores
que encaram 
a academia como um reduto da esquerda?
Não nego que alguns desses jovens vão fechar logo o livro, mas se perseverarem, vão ver que no capítulo da corrupção me comprometo como intelectual independente. Boa parte dos dados recentes envolvem o PT e não tento dourar a pílula. O diálogo tem que ser bem informado e tento seguir essa fórmula. Quero chegar a jovens que sentem necessidade de se posicionar no debate e que estão descontentes com os dois lados da polaridade. E o público que vai discordar também está ótimo, porque é no diálogo que a gente se entende.

Como escrever sobre história em época de demonização da academia
e de valorização 
da pós-verdade e de discursos negacionistas?
Esse livro é uma resposta a isso. Existe um cenário internacional com esses governos conservadores que entraram em voga e se autorizaram um tipo de pensamento que antes não se sentia legítimo para aparecer legitimamente. O que há em comum é esse ataque à imprensa, ataque às minorias, histeria em questões de gênero e ataque à academia. Começo o livro colocando em questão minha forma de conhecimento, porque todo e qualquer governo cria suas narrativas. Mas penso que os governos autoritários produzem muitas narrativas que são chamadas de fake news, pós-verdade ou o que se quiser chamar. Existem interpretações que são questionáveis, mas existem outras que são dados.

E qual o papel da academia nesse cenário? 
Só tenho minhas armas, que são armas da academia. Devemos nos abrir para esse debate e ocupar esses espaços da maneira que conhecemos. Ainda acho que a democracia é o sistema para acabar com a desigualdade social e só posso defender isso com dados. Também tenho aprendido, nesses poucos meses de Instagram, que a polarização é a grande arma desses discursos, porque você não discute os dados e agride. Eu quero entrar nessas estruturas com boa educação, abertura ao diálogo, dados, e não cair nesse canto da sereia que é a polarização.
 
 

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