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Autores clássicos fazem aniversário e ganham reedições

Aniversários de morte e nascimento de José de Alencar, Machado de Assis e Euclides da Cunha geram homenagens, comemorações e reedições

Nahima Maciel
postado em 30/06/2019 06:15
Euclides da CunhaJunte todas as efemérides mais importantes da literatura brasileira de 2019 e você terá exatos 480 anos do que de melhor o Brasil produziu no final do século 19 e início do 20. Os 190 anos de nascimento de José de Alencar e os 180 de Machado de Assis somados aos 110 da morte de Euclides da Cunha formam um pacote suficiente para suscitar homenagens, comemorações e, sobretudo, reedições.

De 2018 para cá, Os sertões, de Euclides da Cunha, ganhou duas reedições e uma versão em quadrinhos, além da publicação de pesquisa de Walnice Galvão sobre as reportagens dedicadas à guerra de Canudos e em periódicos da época. De Machado, Memórias póstumas de Brás Cubas ganhou reedição da recém-nascida Editora Antofágica e a Três Estrelas traz uma reunião inédita de ensaios de Carlos Drummond de Andrade sobre o bruxo do Cosme Velho.

Mais novo e mais contemporâneo desse pequeno triunvirato da literatura brasileira, Euclides da Cunha é o homenageado na edição deste ano da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o que ensejou a reedição de Os sertões pela Penguin & Companhia das Letras com introdução de Lilia Moritz Schwarcz e André Botelho, e posfácio de Luiz Costa Lima. No texto, Lilia explica como o autor teve a vida tão ;colada ao episódio que retratou;, a guerra de Canudos, que vida e obra se confundem.

Além disso, há uma atualidade no livro que narra o confronto de Antonio Conselheiro com um Brasil autoritário e opressor. ;Ele tem um ponto de vista muito fundador no Brasil e que é anterior a toda discussão política atual, mas toca em todos os pontos que a gente precisa discutir;, explica Fernanda Diamant, curadora da Flip. ;Ele está na fundação da República, é anterior à ditadura, à esquerda e à direita, e faz uma avaliação e uma denúncia da barbárie que aconteceu que reverberam até hoje. Ele segue fazendo muito sentido, porque muita coisa não mudou no país.;

Entender o Brasil, segundo Walnice Nogueira Galvão, professora de teoria literária e literatura comparada na Universidade de São Paulo (USP), é a melhor motivação para ler Os sertões, publicado pela primeira vez em 1902. ;Até então, não havia nenhum livro que analisasse e interpretasse um episódio de genocídio e ele foi o primeiro. E que tipo de genocídio? O genocídio dos pobres, que é notório hoje. É interessante ler Os sertões porque ele fala do Brasil de agora, que é esse Brasil da periferia, em que a polícia mata jovens negros, em que favelas do Rio são militarizadas e onde tem coisas como Brumadinho. É uma generalizada guerra aos pobres na sua forma moderna;, aponta a pesquisadora.

Durante os anos 1970, Walnice realizou extensa pesquisa sobre as reportagens publicadas sobre a guerra de Canudos e a Cepe Editora aproveitou as homenagens a Euclides para publicar o trabalho. No calor da hora traz uma compilação de matérias acompanhadas pelo comentário crítico de Walnice, também autora dos comentários da edição de Os sertões publicada pela Ubu. ;Eu fui atrás, eu queria estudar as fontes do Euclides, já que ele esteve tão pouco na guerra, queria saber onde tinha pegado as informações. Depois que li tudo que existia, faltava notícia de jornal. No calor da hora é a representação jornalística da guerra de Canudos;, avisa.

Para Silviano Santiago, vencedor do prêmio Jabuti com o romance Machado, o trio está na base da formação da literatura brasileira, a começar por José de Alencar. ;Ele é o primeiro prosador que tem coragem de colocar o adjetivo brasileira aposto à literatura. O projeto dele é singular, porque é um projeto de literatura brasileira, otimista, extremamente otimista, acreditando que esse seria o melhor caminho para nação recém-independente. E ele vai pegar pra capar com a questão indígena;, explica. Alencar inova, inclusive, na língua e traz para o romance palavras indígenas, além de popularizar nomes até então descartados pela colônia por conta da origem nativa, como Iracema e Ubirajara, personagens de dois de seus romances.

Pioneiro

Professor de literatura e ex-consultor legislativo, Edmilson Caminha, que ajudou a idealizar a exposição Alencar, Machado e Euclides: patrimônios da cultura brasileira, em cartaz na Câmara dos Deputados, encara Alencar como um pioneiro. ;Sem José de Alencar não haveria o romance brasileiro;. Ele foi o consolidador do romance brasileiro como gênero literário;, acredita. ;Os romances dele têm, sobretudo, três grandes vertentes: o aspecto histórico, o aspecto urbano e o aspecto indianista. Ele é o grande nome do romantismo brasileiro como estilo de época e esse estilo se caracterizava por uma idealização das personagens.;

Machado de AssisMachado de Assis, aponta Silviano Santiago, é o contrário de Alencar. Dez anos mais novo, tinha ambição de fazer a grande literatura no Brasil. ;Machado de Assis acredita na literatura como instituição universal, daí o fato de ele ser, do ponto de vista sociológico, o melhor material para se estudar a sociedade brasileira no contexto universal;, diz Santiago, autor do ensaio Retóricas e verossimilhança, que será publicado na coletânea 35 ensaios, da Companhia das Letras. No texto, o pesquisador e romancista defende que Dom Casmurro não é um livro sobre adultério, mas sobre o ciúme como castração do sentimento feminino.

Machado de Assis também foi tema, neste primeiro semestre, de um resgate cuja repercussão tomou conta da cena literária. Em uma parceria com a agência de publicidade Grey, pesquisadores da Universidade Zumbi dos Palmares fizeram a reconstituição em cores da fotografia do escritor. Machado era negro, filho de descendentes de escravos alforriados, mas sua imagem em preto e branco difundida ao longo de décadas mascarava esse fato. O homem que odiava Machado de Assis, de José de Almeida Júnior, é o primeiro livro a trazer a imagem atualizada na capa. A campanha da universidade é para que todas as editoras troquem as imagens do autor pela nova versão e que a foto, disponível para ser impressa e baixada gratuitamente no site www.machadodeassisreal.com.br, passe a circular com a hashtag #machadodeassisreal. Segundo os pesquisadores, anos de racismo deturparam a verdadeira cor do autor de Memórias póstumas de Brás Cubas e esse erro precisa ser corrigido.

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