Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Sofrência 2.0

A dor de cotovelo, muito presente nos representantes da vertente sertaneja, toma conta da cena e passa a ser tema também de nomes do mundo pop







A sofrência há muito tempo deixou de ser exclusiva da música sertaneja. Artistas de outros gêneros expõem os sentimentos e dores por meio das canções e envolvem os ouvintes com as experiências de vida fazendo delas a chave principal do trabalho. O neologismo criado para descrever a junção de sofrimento e carência toma conta da música brasileira atual. No entanto, a nova palavra apenas reafirma a velha e conhecida expressão popular ;dor de cotovelo;. A nova geração musical dá continuidade a essa expressão e aposta em um som que reverbera os sentimentos e a sofrência. Engana-se os que acham que sofrência está relacionada apenas às relações amorosas.

Banda Lagum
A banda Lagum lançou um trabalho intitulado de Coisas da geração. O projeto enfatiza as vivências e sentimentos da geração Z. ;Surgiu uma música chamada Coisa da geração, que é uma música que fala um pouco sobre como a gente se sente estranho as vezes. Aí, essa música entrou no disco e a gente viu que ela ligava todas as canções em um conceito, que era essa visão da geração sobre todos os temas, como amor, saudade, raiva, ansiedade, devaneios sobre a vida;, revela Pedro, vocalista da banda.

A banda transita entre alguns gêneros musicais, sem se rotular. ;A gente nunca falou que era uma banda de alguma coisa, porque querendo ou não, isso dá uma limitada. É melhor ficar livre pra fazer o que dá na telha e abusar dos estilos musicais. O Brasil é muito rico disso, aqui você tem funk, samba, tem rock, tem reggae. Tem de tudo e, como bons brasileiros, a gente usa de todas as influências;, afirma.

O novo álbum é baseado na vivência e nas relações pessoais dos integrantes da banda ;O álbum é muito do que a gente viveu nas relações interpessoais, é um pouco autobiográfico;, admite Pedro. A música que nomeia o trabalho mostra a oscilação das emoções de uma geração, tachada como atual, que se distancia cada vez mais das relações por medos e receios equivocados. ;Nossos avós não amaram da mesma maneira como a gente ama, não sentiram raiva pelas mesmas coisas que a gente sente raiva;, comentam os integrantes da banda.

Jão
Em Coisas da Geração, o cantor Jão faz uma participação na faixa Andar sozinho. O intérprete é conhecido pelos trabalhos embalados pela sofrência. Cantando sobre aflições e desilusões amorosas, ele é aposta da MPB. Recém-finalizada a turnê Lobos, o cantor passou pelos quatro cantos do país e foi sucesso, com hits como Vou morrer sozinho, Me beija com raiva e Imaturo. ;Ai, meu Deus, eu vou morrer sozinho;, ;Arranjo briga, bebo em algum lugar [...] só para não lembrar; e ;É que eu sou fraco, frágil, estúpido pra falar de amor, mas se for com você, eu vou; são trechos que compõem a canção de Jão. Intitulada de sofrência pop, as letras não se diferenciam muito da sofrência característica da cantora Marília Mendonça ou da dupla Zé Neto e Cristiano, mas as batidas se afastam do sertanejo.

Duda Beat
Outro destaque neste ano foi a cantora Duda Beat, coroada pelos fãs de ;Rainha da Sofrência Pop;. As temáticas da cantora são os amores não correspondidos, amores desapegados e as consequências. O trabalho de Duda transita entre o brega, reggae, axé e o pop. A cantora fez das desilusões amorosas o ponto forte do sucesso e, da sofrência, espelho para o amor-próprio e empoderamento feminino. Mesmo com letras melancólicas, a pernambucana imprime em seus beats toda a malemolência e alto-astral, e transformou sentimento em dança.

OutroEu
O duo OutroEu, formado por Guto e Mike, vem se destacando no cenário musical brasileiro. Na última sexta-feira, a dupla lançou o trabalho intitulado Encaixe. O EP com cinco canções reverbera emoções e enfatiza as relações amorosas. ;A gente foi compondo muito nessa pegada, sempre falamos sobre as coisas que vivemos. Apesar de a gente estar vivendo muitas outras coisas, focamos no que sentimos mais forte. Soa brega, mas é o que é o amor;, comenta o Duo.

Com um trabalho autobiográfico, Mike e Guto se inspiram nas vivências deles para compor as canções e contam que o novo trabalho representa uma fase nova: ;Como se fosse um reencontro com a essência;.

Os cantores concordam que cantam sofrência e, provavelmente, já embalaram o choro de algumas pessoas com as letras d;OutroEu. ;De certa forma cantamos sofrência, sim, inclusive a gente amaria fazer um feat com a ;Rainha da sofrência;, a gente quer muito;, revelam. ;Ia sofrer sorrindo;, brinca a dupla.

Embalado pelos versos: ;Entre nós dois o mundo inteiro/Saudade vem na contramão/Daqui a pouco é fevereiro/Cadê você?;, a música composta por Mike e Ana Caetano (Anavitória) é a preferida do OutroEu. ;Não olha assim pra mim é a minha queridinha. Sei lá o que eu penso quando a gente toca, eu gosto muito dela ;, afirma Mike. Já Guto, fica dividido entre Não olha assim pra mim e Encaixe. ;Eu tenho ela (Não olha assim pra mim) também como uma música que eu gosto bastante e a Encaixe também gosto bastante, mas eu acho que eu gosto mais da melodia do que da Encaixe, talvez;, conta Guto.

O Terno
Contrastes, contrários e sentimentos são os pilares que marcam atrás/além, o novo trabalho do trio O Terno, lançado em abril. Com um O Terno cada vez mais minimalista, o disco exala maturidade e apresenta dilemas da idade enfrentados pelos integrantes da banda.No projeto, que teve produção do próprio vocalista, Tim Bernardes, O Terno se divide entre a nostalgia e a esperança. ;atrás/além reflete muito sobre o tempo, é sobre parar e olhar o que a gente fez da vida até agora, e olhar para onde a gente quer ir;, diz Tim Bernardes, em entrevista ao Correio.Nas canções do disco, Tim vira cobaia para falar de um sujeito atual. ;A minha composição sempre teve um lado autobiográfico, mas não exatamente fiel. É para falar quais são as aflições dos jovens da nossa época;, assume.

Com uma perspectiva sobre a existência, a vida e o tempo, as composições contam a angústia de um jovem que se vê em crise existencial. Além disso, o trabalho é cheio de signos, a começar pelo nome do disco. ;Tem uma linguagem meio HTML, para mostrar o contemporâneo, mas também tem a poesia concreta;, conta. As barras simbolizam o trio entre o passado e o futuro.

E é em meio a despedidas e a chegadas que o novo trabalho do trio passeia. O sofrimento por não saber lidar com essa nova fase fez com que Tim Bernardes explorasse essas angústias e despejasse nessa produção.

* Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco.