Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Em entrevista, Mauricio de Sousa associa a obra à amizade e à ingenuidade

Em entrevista, Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, fala sobre o filme Laços e destrincha o processo criativo dele


Capricho e zelo, num filme que propõe revelar como a amizade enriquece a trajetória de cada indivíduo, foram as ferramentas assumidas pelo diretor Daniel Rezende, ao adaptar para os cinemas o universo há mais de 60 anos concebido na imaginação de um ícone dos quadrinhos e da infância de milhares de brasileiros: Mauricio de Sousa. O artista, por sinal, era a inspiração viva, no set do longa Turma da Mônica ; Laços. ;Na realização do filme, pensava: ;Como agradar a 200 milhões de fãs?;, e o termômetro foi o Mauricio. O caminho certo estava no brilho do olho dele, a cada caracterização, a cada detalhe do roteiro, e a cada escolha de ator para o elenco. A Mônica (filha e inspiração de Mauricio) chorou muito ao assistir ao filme, ficou bem emocionada. Ela ama o filme, assim como o Mauricio. Ele disse que está emocionante e surpreendente;, comenta o diretor Daniel Rezende.

Na transposição dos quadrinhos para a telona, pesou o respeito. ;Você não precisa ser tosco ou ruim para se comunicar com muita gente. Meu caminho é o de fazer bons filmes;, afirma o cineasta. Aos 83 anos, e à frente de empresa que completa 60 anos, Mauricio de Souza soube estudar, esquematizar um processo de produção e, ao mesmo tempo entender como conta, o que pega o leitor no coração, na mente, nas sensações e até nas saudades. ;Criamos um universo paralelo. É um universo de sonhos, esperança e de vida feliz. A criançada da Turma brinca. De vez em quando, tem as briguinhas, mas fazem as pazes, como deve ser sempre. Então, a nostalgia que o pessoal ; principalmente, o leitor mais de idade ; carrega, com respeito aos personagens e ao nosso estilo; ela realmente rende a gente. Nos rende;, explica o cartunista e escritor, em entrevista ao Correio.
Atrair praticamente 700 mil interessados, em 10 dias de projeção de Turma da Mônica ; Laços, parece natural, quando se entende popularidade e a vocação do mestre dos quadrinhos. ;Na história do filme, por exemplo, o público tem comentado: ;Ô, que história gostosa! Parece que eu estava vendo a historinha de quando eu era criança;. Então, estamos mexendo nas sensações boas que qualquer leitor nosso tem, independentemente de idade. A criança, o jovem, os pais estão vendo, os avós veem e, talvez, até algum bisavô esteja vendo;, celebra.
; Entrevista / Mauricio de Sousa

Que tipo de cinema chama a sua atenção?
O que me prende ao filme, quando eu vou ao cinema, é o roteiro. Aliás, é o mais importante também na história em quadrinho. Então, eu vejo filme desde criança, muito criança; meu pai me levava quase toda noite ao cinema, atravessei anos assistindo filmes, principalmente nos anos 1940 e 1950. Papai me levava, nos anos de 1940, porque eu era pequeno; e eram as histórias, o encadeamento, a mensagem, o que era entendido dos filmes, as fantasias, magias que ficavam. Um filme que lembro, até hoje, não era um filme infantil nem nada: Sempre no meu coração (1942). Era uma história de amor, com dificuldades de uma família, separação e dramas. E eram tão bonitas as músicas, maravilhosas, e as filmagens ; a história fluía, fluía ; eu tinha meus sete anos, e eu entendi, entendi e fiquei com aquilo tudo na cabeça.

Num paralelo com Walt Disney, é difícil competir, não?
Sim, eu sou cria da história em quadrinhos americana. É um produto que já nasceu com a preocupação de se tornar universal. Com uma fórmula, uma sequência no ritmo e na escolha dos temas. Eu uso a técnica que aprendi nos gibis mais um pouco da realidade, da vivência brasileira. Nisso, fiz um híbrido que funciona muito bem: tenho a técnica americana e o coração brasileiro.

Na rotina atual, o senhor produz muito? Em que momento está à frente, e quando delega?
Eu tenho delegado. Isso começou já há muitos anos, quando eu já não conseguia produzir conforme a demanda. Tive que formar uma grande equipe, aos poucos; com roteiristas, desenhistas e arte-finalistas. Em cada uma das frentes, eu ficava chorando, por dentro, né... Por um pouco de ciúmes, ou bastante ciúmes. Também sempre havia a incerteza se a pessoa para quem passava a obra ou um momento da história em quadrinhos, se, a pessoa continuaria com a filosofia, com o jeito, o estilo que eu tinha desenvolvido. Felizmente, dei uma virada nisso: no começo, ensinando os primeiros candidatos que chegavam para desenhar, eu quase que precisava segurar na mão deles, para buscar a largura e orientar os traços. Quis que detalhes técnicos se mantivessem. Daí, chegou a hora do maior sofrimento que foi quando deleguei roteiro. A pessoa escrever as histórias, criar. Essa foi a mais difícil, não só para meu coração, mas para conseguir êxito. Arrumei bons roteiristas ; e é nessa área em que, se eu tiver opção para contratar ainda mais roteiristas capazes de dominar bem o meu estilo, eu ainda estou contratando.

O jornalismo trouxe que contribuições para a sua carreira?
Primeiro, veio o bem material. Quando eu era repórter, na redação da Folha da Manhã. Lá, chegavam pacotes vindos dos Estados Unidos com material das tiras impressas, personagens, histórico dos personagens, e os sistemas usados na venda, distribuição, criação de propaganda e marketing. Trazia tudo o que faziam para espalhar pelo mundo as histórias em quadrinhos. Cediam-me esse material. Foi quando estudei como faria, no futuro, que já era minha ideia redistribuir materiais, tiras para jornais ; a mesma tira, em mais jornais. Durante quase seis anos, estudei todo o processo de produção. Daí, deixei a reportagem policial. Eu já era doutor no negócio de distribuição das tiras americanas. Fui, por conta própria, distribuir minhas histórias, primeiro nos jornais do estado de São Paulo, e depois em praças distantes. Entrei nessa de redistribuição e, em três anos, eu já estava em 400 jornais brasileiros. A fórmula americana deu certinho, direitinho. Com a exposição, meus personagens ficaram conhecidos e estavam prontos para uma revista. Juntei mais alguns desenhistas, roteiristas e pude lançar a revista Mônica, em 1970, que foi um sucesso desde o início.

E estar na reportagem policial rendeu que bagagem?
Vim com uma carga de português sofisticado, baseado no Eça de Queiroz, Machado de Assis. E eu cheguei na redação com esse tipo de português. No que mandei as primeiras matérias, voltaram tudas com um monte de traço, risco, ;xis;, tudo mais. ;Corta isso, corta aquilo;. Eu fiquei : ;Meu Deus, vou jogar fora?;. Tive que encolher todo o texto, ser o mais conciso possível para as reportagens. No que isso me ajudou? Ajudou a meu texto, nos quadrinhos, por força das circunstâncias, se tornar conciso e caber nos balões. Eu tinha uma bronca das histórias americanas, por virem com um balão cheio: parecia um romance, cheio de literatura. Aprendi, na reportagem, a ter a concisão necessária para caber no balão. Isso foi um diferencial maravilhoso. Foi, de certa maneira, o que acho que funcionou na minha competição com a Disney. O meu era ;Pei!”. Se tinha algo maior a ser explicado, eu dividia em dois, três quadrinhos, com balões menores. O leitor ia direto. Lia mais rapidamente, e entendia melhor ; eu comecei a vender minhas revistas aos milhões.

Leia também: Diretor do longa Turma da Mônica comenta da parceria com Mauricio de Sousa

Como vê a incorporação da realidade nas representações dos quadrinhos?
É lembrar que o leitor hoje, a criança, o jovenzinho, está suportando uma história em quadrinhos que não lança mão dessa tecnologia viciante. Isso é proposital. Eu não ponho, mesmo. Se for necessário, para uma história, para um momento, ponho. Mas nenhum dos nossos personagens é acostumado a deixar de brincar, deixar de se comunicar com a criançada, deixar de se associar com todo mundo, de ter uma vida social; e trocar por uma tela, trocar por um celular: é proposital. O bairro do Limoeiro é um bairro parado no tempo, de certa maneira, se for necessário, eu, de vez em quando, deslancho viagens espaciais, fantasias, jornadas espetaculares: personagens transitam nisso, mas não ficam, depois, usando isso no dia a dia deles. Há inclusive quem estranhe que a criançada dos quadrinhos não está na escola. Está, sim; eu só não mostro.

O que mantém tanta união em seus personagens?
Eu sou o filho da criança que eu fui. E eu tive uma infância privilegiada. Em termos de família, de brincar na rua, ainda sem muito movimento de carros. Tive amigos de todas etnias possíveis, na minha rua; em dois quarterões, tinha gente do mundo inteiro, e eu brincava e brigava com este pessoal. Tive uma família que me apoiou em tudo, desde quando eu comecei a desenhar, bem pequeno. Meu pai me ensinava truques de desenho, de pintura também. Minha mãe era poetisa. Eu, realmente, tenho a agradecer a forças superiores e a Deus por ter passado tudo isso.