Diversão e Arte

O discreto adeus, no tom certo, de Menescal para o amigo João Gilberto

Roberto Menescal acredita que João Gilberto não gostaria da exposição desencadeada pela morte, com homenagens no Theatro Municipal

postado em 09/07/2019 06:33
Roberto Menescal afirma que João Gilberto não gostaria da exposição desencadeada pela morte
;Embora entenda a intenção da homenagem, o fato do corpo de João Gilberto ser velado no Theatro Municipal, foi de encontro a tudo o que ele não gostava. Mesmo tendo feito incontáveis shows no Brasil e no exterior, João era uma pessoa avessa à exposição, que preferia viver recluso, no apartamento em que morava, no Leblon, aqui no Rio de Janeiro;. A afirmação é de Roberto Menescal, companheiro do ;pai da bossa nova;, no início do movimento.
Menescal também ficou surpreso ao saber que João seria sepultado num cemitério em Niterói. ;Até onde sei, ele não tinha nenhuma ligação com aquela cidade, já que nasceu em Juazeiro, na Bahia; e morou, na maior parte de sua vida no Rio, para onde veio na segunda metade da década de 1940 e deu início à carreira solo, depois integrar o grupo Garotos da Lua;, observa.
O compositor, violonista, arranjador e produtor capixaba e João foram muito próximos, antes do cantor baiano ganhar reconhecimento, após o lançamento do primeiro LP, que trazia o clássico Chega de saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) ; um divisor de águas na história da música popular brasileira. ;Naquela época, ele era meio nômade, não tinha um endereço fixo e costumava almoçar na minha casa. Frequentava muito também as casas de Tito Madi, Nara Leão, Tom Jobim e do pianista Bené Nunes;, lembra.
A vida de João, segundo Menescal, tomou outro rumo depois do lançamento do disco de estreia e da revolução provocada por Chega de saudade, ;responsável pela criação do movimento que viria a se chamar bossa nova, que, inicialmente, tinha Tom e Vinicius como outros pilares; e do qual fui um dos participantes;, comenta.
Estranheza
No entendimento do co-autor de O barquinho ; outro clássico bossanovista ; , a batida do violão e a forma de cantar foram a base do viria a se chamar bossa nova. ;Aquilo que, num primeiro momento causou estranheza para muita gente, mesmo entre os músicos, viria a revolucionar a música brasileira. Artistas da geração que chegaria em seguida, a de Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso e Gilberto Gil, foram frutos da semente plantada por João;, frisa Menescal.
João seria uma das estrelas do lendário concerto de bossa nova do Carnegue Hall, em Nova York, em 1962, do qual Menescal também tomou parte. Aquela foi a última oportunidade em que ele esteve ao lado de João. Depois daquele show histórico, boa parte dos participantes do movimento foi morar no exterior. Alguns se radicaram em Nova York e Los Angeles, outros partiram para o México e para a França. ;Fui um dos únicos a voltar para o Brasil, até porque estava de casamento marcado. Me casei, mas fiquei viúvo da bossa nova;, diz o violonista em tom brincalhão.
Tempos depois, no início da década de 1970, eles se reencontraram rapidamente no Galeão. ;Na condição de diretor artístico da Philips, fui ao aeroporto acompanhar Gal Costa, que era contratada da gravadora. Ela estava indo ao encontro de Caetano e Gil em Londres. Estava no saguão quando ouvi um psiu. Era João, que se aproximou e, sem qualquer outro comentário, disse: ;Soube que está morando numa casa com quintal. Você não quer colocar lá uma mesa de ping-pong?;. Esse era o João Gilberto!”

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