Diversão e Arte

Festival gaúcho terá participações de brasilienses

O homem cordial, de Iberê Carvalho, e os curtas Invasão espacial e O céu de Amani estarão na programação

Ricardo Daehn
postado em 10/07/2019 07:00
O homem cordial, de Iberê Carvalho, e os curtas Invasão espacial e O céu de Amani estarão na programação

Com orçamento de R$ 4 milhões e mais de 1050 produções interessadas em disputar prêmios e marcar presença no evento, o 47; Festival de Cinema de Gramado trará participações de brasilienses no conjunto de 19 títulos destacados na seleção de produções brasileiras. Quatro anos depois de arrematar três prêmios Kikito, pelo longa O último Cine Drive-in (escolhido ainda como melhor, segundo a crítica), o realizador local Iberê Carvalho voltará à disputa, com O homem cordial, um dos sete longas escolhidos. ;Como vivemos diferentes formas de linchamento, na sociedade, infelizmente o tema do longa é atual e está no plano da vida real. O filme traz urgência e acompanha a quente polarização de hoje, onde o personagem central é levado ao extremo de tensão e risco de violência. Buscamos o cinema como lente de aumento da realidade, mas ela está tão absurda, que agora nossa leitura ficou até suave. Há falta de diálogo, intolerância e necessidade de, a cada semana, termos que encontrar culpados, pela descrença nas instituições;, observa Iberê Carvalho.

Notícias de fundo incerto e a internet repleta de fake news e de vídeos toscos aguçaram a criatividade do realizador. ;O título O homem cordial é uma ironia com o livro do historiador Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil). Gostaria que fosse uma alegoria, mas o longa está atual: a população tem gana de se armar, de fazer justiça com as próprias mãos;, comenta o diretor. No filme, um policial militar e um cantor, em lados opostos de uma arena, são colocados em choque, por causa de um evento do passado. Uma noite de caos, em labirintos paulistanos, estará formatada para o cantor, no filme que tem Paulo Miklos, Bruno Torres e Murilo Grossi no elenco.

Questionado sobre por que não reservar o longa para uma vaga no Festival de Brasília, Iberê é objetivo: ;Em 2014, inscrevemos o primeiro filme, e não fomos selecionados. Houve interesse de que O último Cine Drive-in ficasse na Mostra Brasília, ainda que privilegiada, mas precisávamos de uma vitrine maior. Em 2015, fomos selecionados para Gramado. Como o festival de Brasília voltou a ser em novembro, em 2019, estrategicamente, isso traz risco, pois veremos uma mudança curatorial no evento, justo num ano de incertezas. Como último evento do calendário, não se teria a garantia da seleção, uma condição, aliás, boa de ser mantida;.

Homenagens

Além de dois curtas selecionados (leia abaixo) Brasília terá presença indireta, com o ator Rômulo Braga, à frente do curta pernambucano Marie, que tem uma mulher trans no enredo. Entre as personalidades destacadas para homenagens está o ator argentino Leonardo Sbaraglia. No Palácio dos Festivais, sede do Festival de Gramado, serão celebradas ainda as carreiras da diretora e atriz Carla Camurati (que assinou o filme da retomada Carlota Joaquina, de 1995), e de Lázaro Ramos e Mauricio de Sousa.

Dezenove longas e 34 curtas integram a seleção de Gramado, que, com mortes recentes de Ewa Piwowarski e de Rubens Ewald Filho, ambos curadores do evento, foi levada adiante pelo crítico Marcos Santuário. Uma das atrações esperadas será o longa Vou nadar até você, estrelado por Bruna Marquezine. Outro filme nacional em competição, Hebe ; A estrela do Brasil traz Andrea Beltrão como protagonista. João Miguel e Miguel Falabella (do longa Veneza) devem marcar presença ao lado de Dira Paes, Maria de Medeiros e da atriz e diretora Ishtar Yasmin (do estrangeiro Dos Fridas). Mais seis filmes estrangeiros competirão.
Aderir a um movimento de discussão crescente, armado para o debate de temas de interesse nacional (e às vezes até mesmo estrangeiro), está na linha de prioridades de muitos cineastas locais. Notável pela acirrada capacidade de integração de diferentes regiões, Brasília projeta talentos promissores, como é o caso de Thiago Foresti e de Renata Diniz, ambos felizes, diante da seleção para o 47; Festival de Cinema de Gramado, a ser realizado entre 16 e 24 de agosto. O feito deles não é pequeno: foram 777 filmes inscritos, na disputa por 12 vagas.

Aos 35 anos, a diretora Renata Diniz participará do evento na Serra Gaúcha, com o curta O véu de Amani. A vitória casa com o impacto do curta Requilía, primeiro filme dela, que, na Mostra Brasília do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2014, faturou quatro prêmios. Naquela obra, um garoto encontrava, na parada de ônibus, a amizade de um pedinte.

Agora, com O véu de Amani, a religião é elemento de interferência na relação entre duas crianças. ;Um filme é resultado da integração de todas as áreas, desde o planejamento até as funções mais criativas. Acredito que a seleção para Gramado traga reconhecimento e motivação, o que é uma injeção de ânimo dado o cenário de ameaças que o setor de cinema vem sofrendo;, comenta Renata Diniz.

A diretora acredita que estar em Gramado seja um reflexo ;da alta qualidade; coletiva do setor audiovisual no DF. Afirmação que contempla o cinema do colega Thiago Foresti. ;Quero participar do cinema brasiliense trazendo um olhar estrangeiro, de quem não é daqui e já andou bastante pelo Brasil. Acho que o filme selecionado, Invasão espacial, feito no Maranhão, aponta um passo importante nesse sentido. Meu maior desejo é falar sobre Brasília para outros brasileiros e falar de Brasil para os brasilienses;, observa o realizador Foresti.

Na trama do curta-metragem, que explora veia documental, pesa a falta de comunicação efetiva entre invasores e uma população interiorana, prestes a ser seduzida por forasteiros. ;Existe uma mensagem política no filme. Ele trata no fundo sobre a invasão de espaços e o direito à terra de comunidades tradicionais. É um problema histórico no Brasil, e o filme faz essa analogia de uma base altamente tecnológica em contraste com uma população rural bastante simples;, comenta o diretor, um porto-alegrense que, há quatro anos, mora em Brasília. Pela sinopse ; que cerca parte da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (Maranhão) ; há menções a realismo mágico absurdo, que toca um grau de realidade, e a intenções imprevisíveis dos personagens.

;A base de Alcântara deslocou populações tradicionais em prol de um projeto de desenvolvimento que nunca deu certo. O Brasil nunca foi capaz de mandar um satélite, apesar de todo investimento feito. A base tem uma locação estratégica e agora está sendo cedida aos EUA pelo atual governo; conclui o cineasta gaúcho, que morou em São Paulo e Mato Grosso, mas que, ;antes de mais nada;, se considera brasileiro. (RD)



DUAS PERGUNTAS / Renata Diniz
O homem cordial, de Iberê Carvalho, e os curtas Invasão espacial e O céu de Amani estarão na programação


Há feminismo no curta O véu de Amani?
Amani é uma garotinha paquistanesa que mora no Brasil. Ao mudar de casa, a menina muçulmana recebe um presente inesperado da sua nova amiga católica: um biquíni. Em tempos de intolerância, o curta contempla a empatia e o humanismo por meio de um ponto de vista ingênuo, infantil.


Diretoras enfrentam que dificuldades no mercado?
As funções diretivas normalmente são comandadas por homens. Dados da Agência Nacional do Cinema mostram que a quantidade de diretoras, roteiristas e diretoras de fotografia é baixa nas produções brasileiras. O curta contou com profissionais femininas na maioria das funções.



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