Diversão e Arte

Romance à francesa

Agência Estado
postado em 13/07/2019 08:00
Há um espectro amplo que se chama de comédia, e uma fatia desse universo no qual cabe a classificação de 'romântico'. As comédias românticas há décadas movem Hollywood. Mudam com o tempo, adaptam-se a novos valores e comportamentos. Outras cinematografias se apropriam do modelo e tratam de recriá-lo sendo a própria inspiração, ou tradição. Na trilha aberta pelo Festival Varilux, uma onda de humor à francesa invadiu as telas brasileiras. Toda semana estreia um filme, mais um, e outro. O melhor de todos, e provavelmente ficará entre os melhores filmes do ano, é Um Homem Fiel, de (e com) Louis Garrel. O mais nouvelle vague dos cineastas franceses assina seu filme mais 'rohmeriano'. Difícil não pensar nos contos morais de Eric Rohmer. Abel ama Marianne, que prefere viver com Paul, com quem tem um filho, Joseph. Ela fica viúva, volta a viver com Abel, mas ao perceber que a cunhada está interessada no cara atira-o nos braços de Eva, mas somente para que ele volte, literalmente, a seus pés. Joseph tem sua participação nessa ciranda, e o filme, sobre a instabilidade amorosa dos homens - essas crianças grandes - celebra as artimanhas da sedução feminina. Amor à Segunda Vista, que estreou na quinta, 11, é outra coisa. O filme dirigido por Hugo Gélin é interpretado por François Civil e Joséphine Japy, e os dois estiveram no Brasil integrando a comitiva do Festival Varilux, em junho. Hugo é neto de Daniel Gélin, que foi um astro francês nos anos 1940 e 50, trabalhando em filmes de realizadores da tradição de qualidade desprezada por François Truffaut (Jean Delannoy, Julien Duviver, Henri Decoin), mas também de grandes como Max Ophüls. A avó, Danièle Delorme, foi a Gigi original de Colette, no palco. Separada de Daniel, depois que ele teve, fora do casamento, a filha Maria Schneider, uniu-se ao diretor Yves Robert por quase 50 anos, 1956-2002. Hugo conta agora a história de um casal 'perfeito'. Conheceram-se no ensino médio, foi amor à primeira vista. Ele virou escritor de best-sellers, tudo parece ir bem até que brigam e Civil, que faz o papel, acorda no dia seguinte num universo paralelo em que a mulher, Joséphine, não o conhece. Seu esforço, no filme, é para (re)conquistá-la, o tal amor à segunda vista. No material distribuído pelo Artes, o diretor diz: "Queria fazer uma comédia com situações engraçadas e diálogos modernos, mas também com um romantismo verdadeiro, sem cinismo nem vulgaridade. É um filme para os jovens, que sonham se apaixonar, e os mais velhos, que nunca esqueceram o primeiro amor." O resultado é um filme charmoso, com um toque à Michel Gondry - Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças e um piscar de olhos para Feitiço do Tempo, aquela comédia em que Bill Murray fica preso no mesmo dia, que se repete, indefinidamente. Digamos que você tenha interrompido a leitura para ver Amor à Segunda Vista. Agora que recomeçou a ler, deve ter percebido que o nome do personagem de Civil, Ramisse, é uma homenagem de Hugo Gélin a Harold Ramis, que dirigiu Feitiço do Tempo. Também se deu conta - esperamos - que o conceito, o romantismo verdadeiro, está nessa ideia de flertar com o fantástico sem perder pé da realidade. Isso exige um tom, e um dom. O elenco tem de segurar a onda. E há uma inversão na trama. No mundo 'real', Civil é um homem realizado e, no paralelo, o sucesso é da mulher. Em cartaz desde o dia 4, Boas Intenções é um filme de Gilles Legrand com Agnès Jaoui. Ela estreou outro longa em janeiro, Praça Pública, no qual é também roteirista e diretora e observava, não sem humor cáustico, a fauna parisiense. O humor permanece na história da mulher rica que se dedica a causas sociais e divide o tempo fazendo doações e ensinando francês a estrangeiros e refugiados. O diretor Legrand sabe que um bom clichê pode ser certeza de riso, e não o dispensa. Por trás da diversão, há uma preocupação séria, pela crise da solidariedade num mundo em que a indiferença está aniquilando os bons sentimentos. Como garantia, se for ver, leve um lenço. No desfecho, só não chora quem já virou muito cínico. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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