postado em 14/07/2019 04:28
Dizem que dinheiro não traz felicidade, mas é em Toritama ; justo o quinhão pernambucano traduzido como a "terra da felicidade" ; que a atividade financeira não para, dada a importância da produção local de jeans no Brasil. Revolvendo os bastidores da roda econômica que move o município, o cineasta Marcelo Gomes criou o longa-metragem Estou me guardando para quando o carnaval chegar, em exibição no Cine Brasília (EQS 106/107), depois de integrar a Mostra Panorama do Festival de Berlim e de ter recebido o prêmio da crítica no festival É Tudo Verdade.
Pesa no filme, no embrião da obra, a lembrança mantida por Marcelo Gomes das viagens feitas, ainda criança, com o pai, um ex-funcionário do governo. Na época, a área de agreste de Toritama era muito escorada na realidade agrária. Intrigado com o novo painel, o cineasta parece dissecar, de modo consistente, parte do país do qual, na telona, já expôs o heroísmo de Tiradentes (no longa Joaquim, de 2017), mito justo numa época do ;salve-se quem puder;. Estou me guardando... desponta nos cinemas num período em que relações trabalhistas nacionais têm sido desprezadas, com estímulo à autonomia e autossuficiência.
Filmes famosos de Marcelo Gomes, apresentados em festivais como os de Cannes e de Veneza, vale a lembrança, revelam mascates e tipos itinerantes, vistos em Cinema, aspirinas e urubus e Viajo porque preciso, volto porque te amo. Com Estou me guardando, não é diferente: para além da obsessão com a produtividade, os personagens da vida real pactuam um descanso que não tem preço, mas destino inconteste: as praias nordestinas, festivas à época do carnaval.
Vendas apressadas de utilitários, junto com os montantes acumulados no dia a dia são o passaporte para o litoral, e o cenário atípico de completa inatividade em Toritama. Pelas lentes de Marcelo Gomes há a prova de que a liberdade pode ser azul ; servir a pequenos sonhos, trazer despojamento e ilimitar singelos prazeres. Azul da cor do jeans que tanto alimenta sonhos de uma população de 40 mil habitantes e que se rende à confecção de 20% das peças jeans feitas no país.