postado em 22/07/2019 04:07
;Não estamos fazendo um festival que dialoga com a realidade que vivemos no Brasil, porque não precisa. Estamos tentando fazer uma programação que trabalha com a diversidade do pensamento artístico;, define o curador e diretor geral do Cena Contemporânea, Guilherme Reis. Após a experiência como secretário de Cultura do DF, entre 2014 e 2018, ele retorna à direção do projeto que teve início em 1995. Este ano o Festival Internacional de Teatro de Brasília celebra sua vigésima edição em 24 anos de trajetória, a partir do dia 20 de agosto.
Diferentemente da última realização, que trouxe 30 espetáculos e teve forte conotação política, este ano, serão, ao todo, 17 encenações, sendo duas internacionais, além das atividades paralelas. De acordo com Reis, o Cena, historicamente, nunca partiu de um conceito para fazer a curadoria. ;Ele sempre buscou atualizar o público de Brasília das diversas tendências da produção contemporânea. Fomos nessa linha, desde o Mosh até a história da francesa que desenha com a areia um enredo lindo para toda a família. São os destaques da cena contemporânea em todas as suas vertentes;, complementa.
Dramaturgias originais se somam a releituras de clássicos e trazem temáticas como memória, identidade e presença feminina. ;O festival reflete o pensamento de uma época e o teatro vem sempre como uma anteninha, às vezes, antecipando coisas;, comenta Reis. O foco da 20; edição está no desenrolar criativo de crônicas, contas e roteiros em dramaturgias e espetáculos de qualidade.
Para a abertura, a atriz Andréa Beltrão sobe ao palco do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, em apresentação única, do espetáculo Antígona. Com direção de Amir Haddad, a peça é baseada na tragédia do grego Sófocles e é reconhecida por enaltecer o poder feminino. ;Um super clássico e um trabalho brilhante que tem vários significados. Além do prêmio de Melhor Atriz pela Associação Paulista de Críticos de Arte, Amir é um dos grandes nomes do teatro brasileiro;, afirma o diretor.
Os títulos nacionais que integram o Cena são premiados e destacam, de diversas maneiras, ou o espetáculo, ou a direção, ou a dramaturgia ou o ator/atriz. Em A Invenção do Nordeste, o Grupo Carmin, do Rio Grande do Norte, desembarca na capital com o ser e viver do nordestino. ;Me dá uma enorme satisfação trazê-los, porque é um grupo que vem de uma cidade sem longa tradição de sucesso nacional, mas que está crescendo enormemente e tem um trabalho brilhante;, analisa Reis.
O cenário local está bem representado e, segundo Guilherme Reis, exerceu um peso importante ao afirmar a necessidade de realização do festival. ;Praticamente 100% das apresentações locais são estreias, com exceção das infantis;, acrescenta. Até o ano passado, um dos critérios de seleção dos espetáculos brasilienses era que já estivessem no circuito para ter vídeos, críticas e releases.
Neste contexto, se encaixa Furacão Carmen, do brasileiro Murilo Grossi e do português António Revez, ;um filho do Cena;, como define Grossi. Com texto do argentino Santiago Serrano, a peça mostra o desenrolar de um encontro entre um brasileiro e um português em Cuba e o diálogo que desenvolvem sobre suas vidas, esperanças e expectativas. ;São personagens diferentes, mas complementares. Nessa busca pela identidade de cada um, eles acabam reconstruindo a própria. É um texto sutil, lírico e poético;, conta Grossi.
Para o ator, que participa direta ou indiretamente do festival desde o princípio, o projeto traz o que há de mais significativo e representativo de Brasília, de Brasil e de grandes palcos internacionais. ;Um festival ser realizado, como o Cena, é um gigantesco ato de resistência. Ao não definir uma linha curatorial específica, ele amplia os interesses. E toca em valores que são políticos, como sentido de civilidade e conquistas humanas, de uma maneira mais sensível e profunda;, avalia.
Incentivo
Com patrocínio do Banco do Brasil e a participação dos grupos locais, muitos apoiados pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), o Cena conta com R$ 360 mil, menos da metade do valor das edições passadas. Em 24 anos de história, o financiamento sempre foi a maior dificuldade e o grande desafio. ;Hoje, a gente vive uma incerteza de como se constituirão, daqui pra frente, os sistemas de financiamento à cultura no Brasil, um país tão diverso e tão rico e importante nos cenários latino-americano e mundial;, pontua o diretor.
Neste ponto, duas são as preocupações da Cena Produções, realizadora do evento. Além da sustentabilidade do projeto, outra necessidade foi resgatar o modo como se fazia antes dos editais. ;Até que ponto a gente dialoga com o nosso público? Até que ponto Brasília entende a contribuição do setor na geração de emprego, renda, pertencimento, cidadania, formação? Acho que hoje temos a possibilidade de dialogar com os espectadores e entender que existem outras formas de financiamento;, avalia Reis. Por isso, pela primeira vez desde 2001, a organização aumentou o preço dos ingressos. As entradas custam R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), e clientes Ourocard Banco do Brasil terão desconto de 50% no valor da inteira.
Os espetáculos poderão ser vistos no CCBB, no Espaço Cultural Renato Russo, no Teatro SESC Garagem, no Teatro Sesc Newton Rossi Ceilândia, Teatro Sesc Paulo Gracindo Gama e no Centro de Excelência do Cerrado do Jardim Botânico de Brasília. A venda dos ingressos começa em 10 de agosto e para clientes Ourocard, dia 3. ;Hoje, a grande população brasileira é formada ou informada por subproduto cultural ou comercial e isso empobrece a sociedade. Esse trabalho artesanal do teatro, da dança, da performance, do circo tem um papel fundamental para equilibrar a educação cidadã e o senso crítico do público;, finaliza o diretor Guilherme Reis.
; Espetáculos selecionados:
; Antígona (RJ), com direção de Amir Haddad
; Para não morrer (PR), com direção e dramaturgia Francisco Mallmann
; O desmanche das musas (Espanha), com direção do Palco de La Zaranda
; Furacão Carmen (Portugal/Brasil), com direção de Murilo Grossi e Sérgio Sartorio
; Prometea - Abutres, Carcaças e Carniças (Brasília), com direção de Hugo Rodas
; Sonhares (Brasília), com direção de e dramaturgia do Teatro do Instante
; A invenção do Nordeste (RN), com direção de Quitéria Kelly
; Mosh (Brasília), com direção de Diogo Granato
; A sambada do boi de chuva no terreiro do mundo (Brasília), com direção de Karla Juliana Kaju
; Os Saltimbancos (Brasília), com direção de Hugo Rodas
; Coisazul ou invenções de mundo (Brasília), com direção de Fabiana Marroni
; A ira de Narciso (São Paulo), com direção de Yara Novaes
; Festa de inauguração (Brasília), com direção de Francis Wilker
; Sonhos na areia (França), com direção de Márcio Abreu
; Teorema 21 (São Paulo), com direção de Janaina Leite e Luiz Fernando Marques
; Canto do Medo - VI Festival Internacional de Artes Cênicas para a Primeira Infância
; Tropeço - Tato Criação Cênica (Paraná/Brasília), com direção de Dico Ferreira e Katiane Negrão