Adriana Izel
postado em 23/07/2019 07:03
Uma das marcas do Festival Latinidades é trazer pesquisadoras, estudiosas e ativistas de diferentes locais do mundo para participar do evento. A missão é promover um intercâmbio cultural mostrando os diversos pontos de vistas sobre o mesmo assunto: o contexto das mulheres negras afro-latinas-americanas e caribenhas. Da programação deste ano, vários nomes chamam atenção, entre eles, da fotógrafa Deborah Willis, que ficou conhecida por registrar corpos negros e focar o trabalho no resgate aos fotógrafos negros do mundo.
Professora universitária e presidente do departamento de fotografia e imagem da Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York, ela participa hoje da mesa ;Eu me vejo em nós: Imagens, escritas da gente negra e o poder sobre as nossas histórias;, ao lado de Rosana Paulino (Artista plástica ; São Paulo/Brasil), Miriam Victoria Gomes (professora de literatura ; Argentina/Cabo Verde) e Fernanda Oliveira (historiadora e atinuké ; Pelotas/Brasil). Em entrevista exclusiva ao Correio, ela falou da trajetória, da importância de um outro olhar em relação ao corpo afro e da participação no Latinidades.
Entrevista Deborah Willis
[SAIBAMAIS]Você participará no festival de uma mesa sobre ;Imagens, escritos de negros e poder sobre nossas histórias;. O que você deseja compartilhar no painel?
Fiquei emocionada ao receber este convite. Muitas vezes recebi mensagens reconfortantes de mulheres e meninas; homens e meninos; e estudantes e profissionais me dizendo que o meu trabalho os tocou e eles só queriam me agradecer. Acho que isso se reflete na minha experiência quando conheci o fotógrafo Gordon Parks, em 1974. Escrevi para ele, que me respondeu e me convidou para visitá-lo. Eu era um estudante de graduação na época, mas o efeito de conhecê-lo apenas afirmou que havia alguém com quem eu poderia conversar sobre meu trabalho e meus sonhos. Espero fazer conexão e compartilhar a história de mulheres de diferentes partes do mundo e diferentes períodos de tempo. Meu trabalho lida com a história da narrativa na diáspora africana, mas também com a ideia de narrativa visual.
Qual a sua intenção com este trabalho?
Minha intenção é fundamentar a história da cultura negra, bem como a história da beleza, dentro de uma conexão entre os dois. Muitas vezes penso em colocar novas narrativas para nós, como mulheres. Uma nova história que não é conhecida ou, muitas vezes, ignorada. Eu raramente tenho a chance de compartilhar meu trabalho, então eu fico animada quando alguém pede para vê-lo e eu tento fotografar o máximo possível e depois compartilho com outros trabalhos. Minha palestra é sobre olhar e reformular histórias diferentes.
Você já conhecia o Brasil? Qual é a sua expectativa para essa vinda?
Visitei o Brasil em 1987 e fui cinco vezes desde então. Lecionei no Masp há alguns anos. Já escrevi sobre imagens do Brasil e exibi minhas fotos das mulheres na Bahia. O centro para a minha fotografia e trabalho envolve a história das imagens da diáspora africana, desde o início da fotografia até o presente. Pesquisar, ensinar, escrever e fazer arte na diáspora africana é fundamental para a minha vida. Meu ensaio Emancipation inclusion and exclusion: Past and present challenges (Inclusão e exclusão da emancipação: Desafios passado e presente, em tradução livre) explorou o papel da fotografia em tornar visível o trabalho das mulheres negras, desde o início da fotografia, e como elas contextualizam um novo arquivo visual da escravidão e da emancipação no Brasil.
Você pretende aproveitar a oportunidade para fazer algum ensaio no Brasil?
Sim, espero que tenha algum tempo para fazer, porque os títulos dos eventos do festival são cativantes.
Como você começou sua carreira na fotografia?
Em 1955, quando eu tinha 7 anos, minha mãe anunciou à nossa família (meu pai e minhas três irmãs), na mesa da cozinha, que ela queria ter seu próprio negócio e ser esteticista. Era um lugar cheio de estímulos visuais de dezenas de revistas, livros e cartazes, onde as mulheres conversam sobre as notícias locais e nacionais, um lugar onde tiveram a chance de serem ouvidas. Isso me apresentou o mundo das histórias femininas, o ativismo e as imagens, que se afirmariam como uma característica do meu trabalho criativo e acadêmico. Mil novecentos e cinquenta e cinco também foi o ano em que o jovem Emmett Till foi morto em Money, Mississipi, e a mãe dele, Mamie Till, ligou para a imprensa para garantir que fotografassem e publicassem imagens do corpo do filho espancado e desfigurado, quando foi localizado, dias depois do sequestro. Chorei quando li essa história. Ainda me lembro do meu olhar para a edição da revista Jet com a fotografia de Emmett. Então, eu soube que queria contar histórias visuais e me tornar fotógrafa. Acredito que essa experiência na loja de beleza ajudou a moldar a minha visão de hoje.
Quais foram as dificuldades que você enfrentou por ser uma mulher no ambiente da fotografia?
Quando entrei no Philadelphia College of Art, em 1972, havia apenas duas mulheres negras no programa de fotografia e 18 homens. Fui confrontada com um professor branco que me informou que eu estava ocupando o ;espaço de um bom homem;. A tentativa dele foi me silenciar. Uma professora me incentivou a escrever, fazer fotos e pesquisar os trabalhos de outros fotógrafos negros. Como fotógrafa, professora negra e curadora, uso essas experiências pessoais para introduzir novas maneiras de ver e discutir conceitos. Frequentemente, busco reformular as narrativas sobre o corpo feminino negro no contexto histórico para colocar o passado em discussão com o agora.
Você fala muito em buscar o amor negro nas fotografias. Como tem sido, ao longo da sua carreira, encontrar esse olhar e compartilhá-lo com o mundo?
Acho que o amor é importante para criar trabalhos sobre injustiça e para ajudar a elevar a autoestima de pessoas que nunca experimentaram alegria e amor. A meu ver, nós (como produtores culturais) somos responsáveis por nosso futuro, o que temos que trazer, por meio do nosso trabalho e ações, são contribuições para construir uma história de arte mais forte e inclusiva. Meu trabalho é inspirado no legado do ativismo nas práticas artísticas e nas preocupações estéticas e intelectuais das mulheres artistas do passado.
Seu trabalho valoriza o olhar negro e também os fotógrafos negros do passado. Para você, qual é a importância disso?
Dentro dos meus campos de trabalho, concentrei consistentemente minha fotografia em temas como beleza, raça e gênero. Notei que suposições ainda são feitas quando se olha para o corpo feminino negro. Eu sinto que nós não devemos só criar, mas também motivar o desenvolvimento de uma história mais inclusiva da arte negra globalmente, pesquisando e escrevendo sobre essa arte que foi negligenciada. A maioria dos meus trabalhos publicados oferece novas interpretações. Minha arte se concentrou na noção de fotografia como biografia, além de documentar o corpo feminino. Fotografo e uso minhas fotografias e também as de arquivo para incorporar histórias sobre injustiças. Tento recontar memórias históricas organizando as conferências e exposições sob o nome de Black portraitures (Retratos negros, em tradução livre).
Você teve a chance de fazer um livro com fotos de Michelle Obama. Qual é a importância da representação da ex-primeira-dama?
Concentrar-se em nossas identidades é crucial. Como mulheres negras, temos várias maneiras de apresentar nosso cabelo, nosso estilo de roupa, nossa alegria e nosso trauma. Seu novo livro destaca essa experiência. Meu livro é uma compilação de fotografias que retratam uma figura negra icônica que entrou em seu papel com graça e classe contra todas as probabilidades.