Diversão e Arte

Ochy Curiel levanta debate para mulheres: 'devemos ser mais radicais'

A dominicana é uma das atrações da 12ª edição do Festival Latinidades, que segue até sábado em São Paulo

Adriana Izel
postado em 24/07/2019 07:00
Dominicana Ochy CurielO 1; Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas realizados em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, foi deflagrador para a criação do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho e reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde aquele ano. A famosa reunião contou com a participação da ativista e feminista Ochy Curiel. A dominicana foi uma das mulheres que ajudou a criar o evento, que se tornaria num marco para as mulheres negras de todo o mundo.

;Especificamente em 1992, se comemorava o quinto centenário da descoberta da América. Muitos movimentos sociais e culturais da região desenvolveram uma campanha contra aquela celebração, em que começamos a falar sobre o fato de que o processo de colonização se constituiu em um genocídio dos povos indígenas e negros, portanto não era uma celebração;, conta em entrevista ao Correio. ;Foi nesse contexto que nós organizamos, não apenas a Casa para a identidade de mulheres afro na República Dominicana, como o 1; Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, que acredito ter sido um marco na articulação de muitos parceiros da região por meio de uma rede de mulheres afro-latinas e afro-caribenhas, o que motivou o surgimento de novos grupos e da criação do Dia internacional, comemorado em muitos países para dar visibilidade às nossas lutas e continuar denunciando o racismo, o sexismo e o classismo;, completa.

[SAIBAMAIS]Vinte e sete anos depois, Ochy Curriel volta a fazer parte de um evento similar, agora, no Brasil. A dominicana é uma das atrações da 12; edição do Festival Latinidades, que teve início ontem e segue até sábado em São Paulo ; essa é a primeira vez que o evento não é realizado em Brasília, cidade onde foi criado e teve realizações por 12 anos. ;É sempre muito gratificante e satisfatório para mim, porque eu gosto de conhecer outras mulheres afros, especialmente aquelas que têm um pensamento crítico, decolonial e que não só permanece em uma política de identidade e culturalista. Também adoro vir ao Brasil, porque tem sido uma escola na política antirracista. Sempre gosto de tomar o pulso de pensamentos e ações que se desenvolvem, porque isso permite entrelaçar coalizões;, defende.

Festival Latinidades

No evento, Ochy Curiel, que é conhecida pelo pensamento feminista lésbico e decolonial, participa da mesa ;Onde nos cabe na riqueza que produzimos? Tema: Economia, trabalho e impasses éticopsicológicos; ao lado de Clarice Val (terapeuta holística ; Salvador/Brasil) e Thiago Vinicius (Agência Popular Solano Trindade ; São Paulo/Brasil), sob mediação de Sueide Kintê (Jornalista Griô ; Salvador/São Paulo/Brasil). O debate faz parte do tema central do evento deste ano, que é a ;Reintegração de posse;. ;Desde a época da colonização e da escravidão, as mulheres negras têm produzido riqueza nos regimes de trabalho mais diferentes: escravo, livre, formal, informal, legal e ilegal. É um trabalho que tem sido inviável e muito pouco valorizado economicamente e socialmente. Mas o tempo todo produzimos riquezas, a partir do conhecimento e das visões de mundo que até problematizam conceitos de capital, trabalho, bens e mercadorias;, afirma.

Conceitos esses que a dominicana diz serem essenciais para analisar uma política decolonial, pensamento que ela leva em seus estudos e trabalhos para o feminismo. ;O feminismo decolonial é uma nova tendência na América Latina e no Caribe, que foi proposta para recuperar as posições mais críticas do feminismo negro e das mulheres afro-latinas. Nos dissemos feministas autônomas. Embora o conhecimento seja apenas nos centros estudantis e universitários, tudo o que implica, é pensar isso como evidência da colonialidade contemporânea, como sequela da colonização. É isso que o feminismo decolonial propõe: uma revisão de teorias feministas que têm sido brancas e hegemônicas, questionando o essencialismo que passa por movimentos sociais, com uma postura realmente revolucionária nas teorias, nas ações políticas e na perspectiva mundial a partir de uma posição localizada como latino-americana e caribenha;, explica.

Questionada sobre as pautas do feminismo afro-latino-americano e caribenho, ela diz ser um erro classificar todas em uma só caixinha. ;Existem tantas experiências, visões, projetos políticos, que seria um erro referir às diretrizes de uma diversidade de mulheres. Agora, se você me perguntar o que acho que deve ser a política necessária para esses tempos, eu diria que acho que devemos ser mais radicais. Hoje vemos como racismo, classismo, heterossexismo, fascismo, etc; estão se tornando mais fortes. Estamos em um momento em que devemos articular todos que pensam que é possível mudar isso. O separatismo, neste momento, é uma limitação, porque nos faz pensar que existem lutas separadas e particulares. Não podemos continuar pensando que o racismo é algo que o movimento negro deve enfrentar, que a violência contra as mulheres é um problema do feminismo, ou que a heterossexualidade como regime político só deve ser enfrentada por pessoas com as sexualidades dissidentes. Todas essas lutas devem ser assumidas por aqueles que pensam que o mundo tem que ser melhor e queremos que esses domínios desapareçam;, reflete Ochy Curiel.

Três perguntas / Ochy Curiel


Como se deu a sua trajetória como feminista negra e lésbica?
Comecei no ativismo feminista nos anos 1980, onde nasci, em Santiago, na República Dominicana, que naquela época era chamado de movimento das mulheres. Mais tarde migrei para Santo Domingo, lá conheci o movimento feminista mais organizado, onde havia muitas lésbicas. Paralelamente, no final dessa década, se iniciou a Casa pro al Identidad de las Mujeres Afro (Casa pela identidade das mulheres afro, em tradução livre), uma das primeiras organizações que abordaram o combate ao racismo e ao sexismo. Ou seja, o começo do meu ativismo como feminista negra e lésbica foi paralelo.

Você atua em diferentes áreas: na música, na produção, no lado mais acadêmico e no ativismo. Como você faz para abordar esse tema ; o feminismo ; em diferentes áreas e por que o fazer?
Acho que, na verdade, somos mais complexos. O importante é ser claro sobre o que é a visão de mundo que temos e as ações de estratégias que podem ser realizadas em diferentes escopos. No ativismo, sempre foi muito radical, como estou na academia e na música. Tento torna visíveis as opressões e tento recuperar nossa resistência. A academia me permite introduzir o pensamento crítico em uma das instituições que é a maior expressão da colonialidade do poder. Arte e música me permitem afetar outras pessoas, que não são necessariamente organizadas, pela emoção que transmitem. Gosto de tudo isso, sabendo que posso me mover em diferentes áreas, mas com a mesma finalidade.

Você tem uma trajetória com passagem pelo Brasil. Então, como você vê os problemas de racismo e machismo no país e percebe semelhanças com o que acontece na República Dominicana?
Acho que é mais ou menos a mesma coisa. Nos dois países, existem hierarquias sociais, raciais e sexuais de classe e geopolítica. Talvez a única coisa diferente é que no Brasil um movimento se desenvolveu uma luta social mais forte dessas hierarquias, que tem sido muito importante. Na República Dominicana existe o desafio para fortalecer as ações políticas que enfrentam essas hierarquias.

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