Diversão e Arte

Forte expoente do hip-hop, MV Bill acha equívoco "torcer contra o país"

MV Bill se adapta às mudanças da música e mantém críticas sociais como espinha dorsal dos projetos que realiza

Vinícius Veloso*
postado em 05/08/2019 07:13

MV Bill:

A apresentação do Alex Pereira Barbosa é simples e direta: ;Nascido na Cidade de Deus. Favela. Periferia. Negro;. É assim que o rapper MV Bill se coloca dentro de um universo musical do hip-hop, mas que vai muito além disso. Com uma versatilidade que abrange diversas as áreas culturais, o carioca transborda toda a vivência nas músicas ; que surgem com tom crítico e reflexivo.

Com uma carreira extensa, o artista e ativista continua se adaptando às mudanças musicais e não para de lançar projetos. Atualmente, assim como durante toda a carreira, pode ser considerado um dos representantes que o povo tem dentro da classe de artistas. Ao Correio, MV Bill contou sobre os lançamentos, falou sobre o rap e traçou paralelos entre a música e a sociedade.

No álbum Essencial, você reuniu canções novas e sucessos da carreira. Qual a importância de ter um repertório vasto?

O disco Essencial é uma compilação que traz algumas composições um pouco mais recentes, mas traz várias outras que marcam minha carreira. Como eu falo para outras gerações além da minha, acreditei que esse disco seria uma forma de reapresentar para quem já conhece, mas também para apresentar para quem está acompanhando somente os novos lançamentos e não tem tanta ligação com as músicas antigas. Ter um repertório vasto me dá essa possibilidade de fazer vários lançamentos. Por exemplo, estou fazendo o Essencial mas ele pode ser apenas o volume 1. Recebi um convite do pessoal que cuida da minha parte digital para fazer o Essencial volume 2. Isso só é possível quando você tem um repertório vasto, extenso. Ajuda também a não precisar fazer cover. Não tenho nada contra, mas procuro não fazer cover nos meus shows.


As músicas, quando se relacionam, trazem alguma mensagem específica do conjunto? Existe uma mensagem a ser passada com essa coletânea?

As músicas compiladas, do jeito que estão ali, ganham mais força. Originalmente, cada uma está em discos distintos. Juntas, elas acabam contando uma história de carreira. Sobre as mensagens, cada pessoa que ouve tem uma interpretação diferente. Podem ter várias mensagens, várias interpretações. Mas uma das mensagens é de que não se tem limite para quem acredita no próprio potencial, no próprio sonho.

Você é reconhecido nacionalmente por conta do rap. Mas também atuou por outras áreas;

Eu fiz muitas coisas na minha vida. O rap foi muito importante, mas eu transitei por muitas outras áreas que me fizeram ser conhecido no Brasil inteiro, numa época que a internet não dialogava com todo mundo, nem todos tinham acesso. Eu fiz livros, fiquei mais de um mês com meu parceiro Celso Athayde entre os mais vendidos por conta do livro Falcão: Meninos do Tráfico. Fiz novela, filme, cinema, séries e outras produções. Ajudei a montar a Central Única das Favelas (CUFA). Hoje não faço parte, mas tenho grandes amigos lá e ainda sou um entusiasta da ideia de levar oportunidade para jovens das favelas. Fiz várias coisas que me fizeram ser conhecido. Se gostam ou não, é uma outra questão. O rap sempre esteve presente em tudo que fiz, sempre foi minha trilha sonora, mas foi importante transitar por outros caminhos também.

Qual a representatividade que o movimento hip-hop traz para a sua vida?

O rap e a cultura hip-hop são a minha própria vida. Eu convivo com isso desde 13 anos de idade. Descobri o que era com 14 anos, mas como frequentava os bailes da Cidade de Deus desde os 10 anos de idade, eu ouvia tocar, só não sabia o que era. É uma música que sempre esteve presente na minha vida, em cada roupa, cada gesto, cada aparição. Sempre está presente comigo.

O que mais te motiva a seguir esta carreira de artista?

Não me considero somente um artista, sempre fui um artista e ativista. É justamente esse lado do ativismo que me impulsiona a continuar nos objetivos, além das respostas das pessoas que gostam do meu trabalho. O ativismo aponta para a minha missão, que é de tentar levar um alento e excluir todo tipo de preconceito, diminuir a disseminação de ódio e criar alternativas através das palavras, das letras, das ações, dos debates que eu participo e das ações sociais. Conscientizar a nossa gente que precisamos gerir as próprias ideias e administrar a nossa vida. Ter isso como missão é muito incentivador e mostra que ainda tem muita coisa pela frente, apesar de toda a estrada caminhada até aqui.

Ativista e criador de diversos projetos em prol das periferias, como você enxerga e avalia o cenário político atual do Brasil?

A gente vive em um país muito confuso nesse momento. Muita instabilidade, incerteza. Muitos embates acirrados na internet e também entre os gestores. Muitos deles, inclusive, são embates desnecessários e que não têm a menor relevância para quem está esperando alguma proposta significativa para a população. Perde-se muito tempo com isso. Eu, por exemplo, não torço contra o país. É um equívoco. Mas quero que o país cresça e avance junto, sem exclusão. A favela e a periferia não podem pagar para que tenha um avanço de alguns poucos. Para que o avanço seja coletivo, é preciso pensar coletivo. Infelizmente não é isso que a gente vê nos nossos gestores. Parece que tem uma tensão existente desde que o atual presidente assumiu e que parece que não ter fim. Isso é ruim para o país, é ruim para todo mundo, principalmente para quem está fora do processo.

O artista MV Bill é uma representação da periferia e do negro. Qual é a importância de incorporar isso e buscar fazer a diferença?

No fundo, eu busco não incorporar isso. Sou nascido na Cidade de Deus. Favela. Periferia. Sou negro. Essa condição eu tenho de forma incondicional. Mas tem um fator que é importante pra mim, que é tentar entender, até hoje, sempre, buscando, de que forma o negro que sai de dentro da favela transita para dentro da sociedade. De que forma a favela avança? Tentar democratizar a importância disso para levar para dentro da favela também. Uma forma de incorporar é buscar saber e entender qual a nossa condição, de onde a gente vem, e entender também o que as pessoas da periferia produzem. Quando a gente tem essa percepção, a gente começa a sair do campo e do discurso de população carente. A gente começa a olhar para esses mesmos lugares como população potente. É muito importante ter essa visão de dentro para dentro.

Você, além da música, se aventura por outras áreas como literatura e cinema. Contar histórias é a melhor maneira de passar uma mensagem do que acontece na realidade?

Eu não planejei todos os acontecimentos da minha carreira. As coisas aconteceram e eu fui me adaptando ao que surgia além da música. Quando eu olho pra trás e vejo tudo que fiz além do rap, acredito que levei a informação e passei uma mensagem que fizeram diferença na vida de algumas pessoas. Nos lugares onde eu vou tocar, as pessoas me param para falar de coisas que eu nem lembrava mais. Mesmo sem planejamento é uma trajetória que me deixa muito satisfeito, sabendo, ainda, que pela frente outras novidades podem surgir.

*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira

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