;Sabe por quem eu me apaixonei? Por mim. Eram as minhas qualidades que ele refletia. Os narcisistas perversos são vazios;. Pelas palavras da escritora e jornalista Rosângela Vieira Rocha, a joalheira Helen, uma mulher de 40 anos, reconta um relacionamento com um homem, Ivan, que tardiamente identifica como narcisista perverso. ;Ninguém é a mesma depois de conviver com alguém assim. É muita dor;, descreve a autora.
Ao todo, Rosângela demorou um ano para pesquisar e escrever seu novo romance para o público adulto, Nenhum espelho reflete seu rosto. Um tempo curto, se comparado com outros escritos dela, porém intenso. ;Fiquei obcecada com o tema. É fascinante. Mexe com a dor das pessoas;, afirma.
O processo de construção do livro teve início com a reunião de relatos de ex-alunas e amigas que comentavam de ex-companheiros golpistas, autoritários e abusivos. ;Comecei a ver que era um problema em todas as gerações;, acrescenta a escritora. Em seguida, vieram as leituras de Freud, da psicanálise e os vídeos da mexicana Tabatha Lepe. ;Passava madrugadas inteiras assistindo e vendo pontos em comum no modo dessas pessoas se comportarem. O narcisismo é mais complicado que um simples golpe. Eles querem os sentimentos e as emoções do outro. É um espectro que pode chegar à psicopatia;, explica. Na história de Rosângela, o vilão Ivan é uma mistura de vários homens de relatos que a escritora ouviu, dos livros que leu e dos vídeos a que assistiu.
Freudiano
A autora reconhece a atualidade do tema e do debate. Ela esclarece, contudo, que esse ser narcisista não é aquele que gosta de se admirar no espelho. ;É o perverso no sentido freudiano;, pontua. São pessoas que desejam ter tudo o que o outro tem e que criam e manipulam uma realidade. ;Acho que é muito mais uma maneira de ver o mundo, de estar no mundo;, acrescenta Rosângela. São vampiros que se alimentam de terceiros.
Em capítulos alternados entre passado e presente, a escritora traça a vida de Helen ao tentar se lançar no mercado de joias e a sua relação com Ivan. Também revela, no decorrer da narrativa, o quanto o narcisismo está, de certa forma, aliado ao machismo que torna a mulher refém de atitudes doentias. ;Um machismo que vem conosco, que não devíamos ter, que nos fez achar que a culpa é nossa;, avalia. Jornalista por formação, Rosângela embala o leitor por uma escrita racional e leve, apesar do tema. Hoje, ela faz uma noite de autógrafos do romance no Carpe Diem, da 104 Sul, a partir das 19h.
Duas perguntas / Rosângela Vieira Rocha
Como o livro, mesmo sendo um romance, se insere em um contexto de debate sobre feminicídios e aumento no número de casos?
O livro é muito importante. Não falamos de violência física, mas a violência é uma escalada. Quando chega à física, já teve muito abuso psicológico, muita agressão verbal. A pessoa sente o mal-estar, mas não reconhece o abuso. É um alerta, serve de alerta para que haja um despertar. Não é brincadeira, tem que cortar. Ninguém pode permitir que um tipo de brincadeira fira a autoestima do outro. É a Helen quem toma uma atitude, depois de um processo enorme de humilhação. Ou ele ou eu. É doloroso. Faz esse caminho de pesquisa para dar a volta por cima.
Quem é o narcisista?
É difícil explicar em poucas palavras. São pessoas extremamente inseguras, que têm uma imagem contrária, de uma segurança inabalável. São muito sedutoras, conversam muito bem, trocam de personalidade de acordo com a pessoa que estão falando. Eles não têm ideias próprias, não têm emoções, têm uma inteligência acima da média e são dotados de intuição que sabem exatamente o que o outro quer ouvir. A impressão que tem é que nascem com um manual.
Nenhum espelho reflete seu rosto
De Rosângela Vieira Rocha. 268 páginas. Editora Arribaçã. Lançamento hoje, 8 de agosto, a partir das 19h, no Restaurante Carpe Diem (SCLS 104 Bloco D Loja 1).