Diversão e Arte

O Bruxo dos Sons conta ao Correio da alquimia: mistura técnica e intuição

Em entrevista ao Correio, multi-instrumentista fala da carreira, de parceiros musicais e alerta para o teor indispensável da técnica dentro do campo profissional

Irlam Rocha Lima
postado em 13/08/2019 07:07
O Bruxo dos Sons sublinhas a necessidade de técnica, na carreira profissional
Aos 83 anos, Hermeto Pascoal mantém uma memória privilegiada. Da mesma forma que fala com detalhes sobre a conquista do Grammy Latino em 2018, lembra de fatos ocorridos no começo da carreira, na Rádio Jornal do Comércio, em Recife, no final da década de 1960. Com impressionante vitalidade, e sempre jovial, ele cumpre uma recheada agenda de compromissos, no Brasil e no exterior.

Genial improvisador, o multi-instrumentista albino, nascido em Lagoa da Canoa (AL), costuma tirar som de tanto de instrumentos convencionais ; ele toca piano, acordeon, flauta e saxofone ; quanto de objetos diversos, que tanto pode ser bacia, chaleira ou a queixada de algum animal. E até mesmo do corpo. Da discografia do artista constam mais de 30 títulos.

Os mais recentes são No mundo dos sons álbum, gravado com uma big band, que o levou a ser premiado no Grammy, na categoria latim-jazz, em 2018; e o Hermeto Pascoal e sua visão original do forró, com 17 faixas, gravado em Recife há 20 anos, que tem Alceu Valença como um dos convidados, qu saiu no ano passado.

No fim de junho, Hermeto foi a agraciado pela Universidade Federal da Paraíba com o título de doutor honoris causa. A mesma condecoração lhe foi atribuída em 2017, no New England Conservatory de Boston (Estados Unidos). São honrarias que recebe sem maiores alardes, até porque, modestamente, não se considera merecedor.


>> Entrevista Hermeto Pascoal

Mestre, o que faz para manter a vitalidade aos 83 anos?
Tenho que manter a diabetes controlada e só não como doce. Mas não dispenso, por nada, uma boa carne de sol com macaxeira, ou uma picanha no ponto. Mas cuido bem do corpo. Até porque eu uso ele também como um instrumento.

O público que assiste a seus shows fica sempre na expectativa de após a apresentação o senhor descer do palco para segui-lo num cortejo. Mas no domingo, aqui em Brasília isso não ocorreu. Por quê?
Costumo fazer isso sim, inclusive já fiz em outros show em Brasília. Desta vez não deu, porque era um festival e tinha outras coisas acontecendo. A apresentação não poderia ultrapassar 1h30 de duração.

Lembra quando tocou na capital pela primeira vez?
Apresentações em Brasília são fatos importantes em minha carreira. Estive na capital, por exemplo, na inauguração, com o regional do Pernambuco do Pandeiro. Naquele dia toquei na Praça dos Três Poderes e no Palácio da Alvorada. Mas já fiz shows em vários lugares, como na Concha Acústica. Mas o lugar onde mais me apesentei foi no Clube do Choro.
Foi Pernambuco do Pandeiro quem o acolheu, quando deixou Recife e foi morar no Rio de Janeiro?
Já conhecia o Pernambuco quando cheguei ao Rio, no final da década de 1950. Ele tinha um regional e era contratado pela Rádio Mauá. Comecei na música em Alagoas, mas a profissionalização veio na Rádio Jornal do Comércio, em Recife. Lá tocava também na boate Delfim Verde, com o meu compadre Heraldo do Monte. Fiquei em Recife uns seis anos, com passagem pela Rádio Tabajara, de João Pessoa.

Mas você se tornou conhecido ao integrar o Quarteto Novo, em São Paulo. Que lembrança
guarda daquele período?
Havia uma efervescência artística em São Paulo, para a qual contribui de forma decisiva, os festivais de música. Existia o trio formado por Heraldo do Monte (contrabaixo), Théo de Barros (violão) e Airto Moreira (bateria). O Théo foi parceiro de Geraldo Vandré em Disparada, música que empatou em Primeiro lugar com A banda, de Chico Buarque, no Festival da Record de 1966. No ano seguinte passei a integrar o grupo, que acompanhou Edu Lobo e Marília Medalha em Ponteio, no festival de 1967. O quarteto Novo gravou apenas um disco.

Seu primeiro disco solo, o A música livre de Hermeto Pascoal. Poderia falar sobre ele?
É um disco raro, hoje muito procurado na internet. Nele registrei minhas primeiras composições, músicas como Arrasta pé alagoano, Chorinho pra ele, Forró Brasil, Pimenteira e Pintando o sete.

Lembra quantos discos já lançou?
Um foram pelo menos 30. Não sei ao certo. Meu filho Flávio, que mora em São Paulo e é meu empresário, tem tudo isso certinho. Costumo gravar de três em três anos.

No período em que morou no Paraná, qual foi a produção?
A fase de Curitiba maravilhoso. Lá conheci Aline Morena, e mesmo com a diferença de idade, vivemos juntos por mais de 10 anos e tivemos ótima relação. Com ela lancei u CD Chimarrão com rapadura. Nos separamos, mas mantivemos uma forte amizade. Ela sempre está em contato comigo.

No mundo dos sons, de 2017, o levou a conquistar o Grammy Latino no ano passado. Que importância
atribui a esse prêmio?
Essa é uma premiação internacional muito importante. Gravei o disco com uma big band maravilhosa, soba a regência de André Marques, música do meu grupo e fomos premiados na categoria melhor álbum de jazz latino. Minha carreira no exterior passou a ser ainda mais bem avaliada.

No seu processo criativo o que prevalece, a técnica ou a intuição?
Para criar, me deixo levar pela intuição. Não faço nada premeditado, seja em estúdio ou no palco. Obviamente utilizo a técnica, mas o que prevalece é a improvisação. A técnica porem é algo que o musico precisa ter
Referência e fonte de inspiração para músicos de várias gerações, o que busca passar para eles, quando
os tem em sua companhia?
Uma coisa básica que passo para eles é evitar repetir o que faço. Isso foi seguido tanto por Itiberê Zwarg, Carlos Malta e Jovino Neto, que foram da minha banda e hoje são músicos consagrados; como para os irmãos Hamilton de Holanda e Fernando César, que conheci ainda adolescentes; e Gabriel Grossi, todos talentosíssimos. Participei, em Brasília, da gravação do DVD de Gabriel, gaitista de nível internacional.

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