postado em 19/08/2019 04:29
;Fiquei com muita raiva. Comecei a escrever esse projeto para criar o estrondo;, declara Michelle Bastos. Mais do que um barulho, a artista visual, fotógrafa, cientista social e feminista desejava que as mulheres fossem ouvidas e vistas. ;Além disso, um raio, quando cai, não deixa dúvidas que caiu;, acrescenta.
Em agosto deste ano, ela abriu o primeiro edital da primeira editora de fotolivro e livro de artista dedicada a publicar somente mulheres, considerando em igualdade mulheres cis e transgênero. Nascia o projeto Estrondo, uma iniciativa para fazer frente a um padrão machista estabelecido culturalmente e refletido na fotografia e no mercado editorial. A maneira como os corpos se comportam quando estão fotografando ou são fotografados; os prêmios e a composição do júri; o acervo das instituições de arte. Em todos eles, prevaleciam os homens.
Esses e outros dados serviram de base para Michelle conceber a editora. ;Para uma carreira de fotógrafo, a publicação é uma etapa muito importante, ela consolida o que você fez, é também uma possibilidade de revisitar o trabalho e um instrumento que permite que esse trabalho viaje;, descreve. Em um primeiro momento, a ideia era escolher cinco mulheres que tivessem um material com narrativa amadurecida e, a partir de um selo editorial, ele fosse publicado e a artista recebesse uma premiação em dinheiro.
Desde a abertura do edital, em agosto, foram recebidos cerca de 100 trabalhos, posteriormente analisados pelo júri formado pela curadora Cinara Barbosa e pela artista visual Elza Lima. Os trabalhos poderiam mesclar textos, imagens e qualquer recurso de Arte Contemporânea, desde que uma das linguagens utilizadas fosse a fotografia. Amanda Carneiro, Bete Coutinho, Gisele Lima, Isabela Iah e Júlia Godoy são os nomes selecionados neste primeiro momento. ;Não acredito que esses trabalhos teriam chance de ser publicados sem o projeto. Em termos de qualidade, de mérito, poderiam estar em qualquer grande editora. Quem está perdendo são as instituições. Essa reação já é uma própria resposta ao machismo dado na profissão. Uma pena que demorou até o século 21 para o Brasil ter a primeira editora dedicada a mulheres;, afirma Michelle.
Impresso
Até setembro, saem três publicações. Todas muito diferentes do fotolivro clássico de acordo com Michelle. Por ser uma editora jovem e apresentar autoras novas, a Estrondo! é plural, diversa e revela o aparelho fotográfico sendo usado de maneiras distintas. ;Ele (projeto) tem uma representação interessante tanto racial quanto geográfica. Não está inserido no fluxo do que se espera de uma editora de fotolivros. Os trabalhos são muito livres;, conta a idealizadora. Para ela, é preciso ocupar esse espaço, pensar e falar sobre essa relação de gênero. ;É uma mudança cultural;, resume. Para o ano que vem, mais publicações e um novo edital já estão nos planos.
;O fato de ser uma editora para mulheres me instigou, porque a gente sabe que existe um predomínio de homens no universo da fotografia. Eles ocupam um espaço maior;, comenta a artista visual e fotógrafa Júlia Godoy. Pela primeira vez, ela vai transformar um de seus trabalhos em livro. É a obra Vírgula, uma publicação que o próprio ato de abrir pressupõe uma performance de quem está lendo e essa postura tem a ver com a narrativa. As imagens de paradas de ônibus vazias são impressas em tecido. ;É uma relação entre imagem e linguagem. Ele fala muito do meu processo e da relação que tenho com a imagem e com a linguagem que estão muito vinculadas. Os testes de suporte, como a foto reage no tecido. Apesar de trabalhar com a foto digital, existe um processo artesanal;, detalha a artista.
Amanda Carneiro apresenta seu olhar sobre a comunidade quilombola e se destacou não só pela visualidade, por parecer um filme, mas por expandir as relações. ;Tem uma filosofia de relacionar com outras dimensões daquele espaço e corpos;, comenta Michelle. Já Bete Coutinho buscou em uma antiga história de Juscelino Kubitschek e na sua própria relação com Brasília a inspiração para o seu livro. ;São visões imaginárias de locais como o Memorial JK e a Igrejinha, lugares que me marcaram quando vim para a capital. Tem como referência a realidade, Juscelino, um personagem da história, mas não tem como separar das minhas vivências, de quem eu sou;, conta a artista mineira. Em preto e branco, ela representa uma visão poética de espaços brasilienses e desenha, em cima da imagem, um sujeito que quase se perde de tão pequeno. ;O livro precisa ser enxergado com uma lupa;, adianta Michelle. ;A publicação tem páginas soltas para que a pessoa veja e leia a história da forma que queira;, completa Bete.
Acompanhe o projeto pelas redes sociais:
Instagram: www.instagram. com/editoraestrondo
Facebook: facebook.com/EstrondoMulheresArtistas