postado em 25/08/2019 04:07
Da janela do ateliê, a artista admira as cores e as formas do cerrado que lhe arrebataram o encantamento e lhe servem de inspiração há 50 anos. Do lado de dentro, o contraste entre o material bruto e pesado da gravura e a leveza e as formas orgânicas da arte feita por Lêda Watson. Nas paredes, estão expostas lembranças das aulas ministradas e dos alunos. Foram 30 anos dedicados ao ensino. Entre pastas e gavetas, imagens de uma vida apaixonada pela gravura em metal. ;É uma técnica inesgotável e desafiadora;, resume.
Lêda percorreu o mundo. No Rio de Janeiro e na França, ela desenvolveu o amor pela arte e se especializou em gravura. Ministrou cursos no Peru, Costa Rica, Nicarágua, Caracas e Panamá. Contudo, foi na capital de Juscelino Kubitschek que ela escolheu desenhar histórias de trabalho, ensino e formação de um cenário cultural. ;Era uma entusiasta da mudança da capital;, conta a artista de sangue carioca. Naquela cidade que surgiu da terra vermelha do cerrado, Lêda também descobriu o fascínio pela vegetação sofrida. ;A mutação e a alternância produzem uma vegetação peculiar. Eu não sabia o quanto ela foi importante para mim. Sempre foi o cerrado a minha inspiração, desde a primeira gravura;, afirma.
Este ano, a artista e um dos maiores nomes da gravura brasiliense celebra 50 anos dedicados à arte. No Espaço Cult, a exposição 50 anos de gravura revela uma pequena retrospectiva de seus trabalhos. Em outubro, Lêda abre uma mostra com obras desenvolvidas nos últimos anos e lança o segundo livro na Referência Galeria de Arte. ;Estou há quatro anos trabalhando nele. É uma complementação do primeiro (Sonhos, momentos, emoções. Técnicas e gravuras). Também é resultado de uma provocação do meu ex-marido. Ele me disse: ;você rompeu recordes na gravura e é muito modesta, não mostrou tudo no primeiro livro;. Ele fez uma apresentação e me estimulou a escrever o segundo;, relembra.
Ainda sem nome, a publicação revela técnicas de gravura em metal que não exigem o aço. ;Desenvolvi muitas técnicas e sigo criando e desenvolvendo novas;, complementa a artista. E, assim como no primeiro livro, Lêda indica o ;pulo do gato;. ;São pulos que facilitam o caminho. A gravura é muito difícil. Você permanecer gravador é muito difícil, só uma maluca como eu;, afirma aos risos. Até o fim do ano, a carioca também viaja a São Paulo para expor na galeria Almeida Prado. ;Optei pela gravura em metal porque ela tem uma dualidade. Na primeira parte, você explode na água forte, nas linhas e, depois, você tem que organizar. Meus trabalhos mostram quem eu sou;, declara.
Ensino
Com um currículo extenso e diante das oportunidades que explorou, Lêda conta que se sentiu na responsabilidade de passar isso adiante. Incentivada a dar continuidade ao ensino da gravura, após um curso de extensão ministrado na Universidade de Brasília (UnB), deu aulas na instituição e criou uma escola no próprio ateliê.
;A UnB agora é outra. Acredito que cada um tem que fazer o que quer da vida desde que não atrapalhe o equilíbrio das pessoas. Não temos direito, socialmente, de impor uma particularidade. Isso que me revolta atualmente na atitude humana;, desabafa. Na avaliação da artista, não se aprende mais técnicas como antes. ;Se aprende a bolar um sistema, uma exposição. Não estou querendo doutrinar, porque odeio que me doutrinem. É que isso não é arte. Arte que tem que ser explicada não é arte;, afirma. Munidos de uma facilidade do ;fazer arte;, as pessoas perdem o estímulo de seguir o caminho de um gravurista. ;Gravador em metal não pode brincar;, resume.
Para a artista, é preciso ensinar os primórdios, a pintar, a desenhar, a fazer xilogravura e litogravura. ;Ninguém pode empurrar o aluno para um caminho. Ou deixa a liberdade com os subsídios para ele crescer ou você não é professor. Escolhi o meu caminho, mas com conhecimento de causa;, avalia.
Má gestão
Além de se inspirar no cerrado e dividir o que aprendeu com outras gerações, Lêda também participou da formação artística e cultural da capital. Ela criou o Museu de Arte de Brasília (MAB), inaugurado em 1985 e fechado há 12 anos. Também foi, por anos, a coordenadora de museus da Secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal. Ver a instituição e outros equipamentos culturais abandonados é, mais do que uma tristeza, um desastre. ;Não precisa de dinheiro para fazer as coisas. A própria sociedade move o sistema. Eles fecham os estabelecimentos porque não dá ibope, não faz ninguém se eleger. Existe o gostar de arte e gostar de cultura. Não é falta de público, é desorganização, má gestão. Não é a cultura que é desinteressante, é a gestão que é péssima;, enfatiza.
Para a carioca enamorada por Brasília, a capital tem um enorme potencial artístico. Ao rever sua trajetória, Lêda reconhece o fruto das sementes plantadas. ;Mergulhei de cabeça nessa cidade e tentei me doar. Queria fazer com que a cidade crescesse e, apesar de tudo, cresceu;, pondera. Viver de arte não é fácil. Picasso foi uma exceção. ;Mas é uma paixão. Te faz um bem enorme. Temos que pensar mais no bem que as coisas fazem do que no dinheiro que você não leva para o outro lado;, declara. O segredo dos 50 anos? Perseverança e, sobretudo, zelo profissional. ;Sinto que cumpri minha missão. Tudo o que está havendo agora é lucro;, finaliza.