Nahima Maciel
postado em 29/08/2019 09:34
Em uma casa que parece abandonada, uma família se depara com o passado recente na forma de destruição. De volta após um tempo fora, eles precisam descobrir o que houve. Antes que consigam, um convidado misterioso se apresenta e, ao interagir com a família, corrói aos poucos as estruturas. No longa de Pier Paolo Pasolini, que inspirou a peça Teorema 21, em cartaz hoje e sexta no Cena Contemporânea, o convidado seduz a família inteira e muda os rumos de cada personagem ao evidenciar o quão fútil e superficial são suas vidas.
É esse espírito que os diretores Luiz Fernando Marques e Janaína Leite levaram para a peça, com texto adaptado por Alexandre Dal Farra e atores do Grupo XIX de Teatro, de São Paulo. A escolha do local para a encenação brasiliense obedeceu a critérios que pautam o trabalho do grupo há mais de 16 anos. ;Temos essa relação com os espaços não convencionais, o espaço acompanha a dramaturgia, a gente não monta o espetáculo, a gente costuma dizer que encontra o espetáculo, a gente vai conversando e buscando o espaço que pode ajudar a contar as histórias;, explica Marques. Em São Paulo, Teorema 21 foi montada na Vila Operária Maria Zélia, um espaço abandonado.
Para Marques, essa escolha ajuda a transformar a plateia em parte do espetáculo. ;O que sobrou das artes para o teatro é essa força do encontro, de que estamos aqui juntos, e não à toa esses governos fascistas atacam tão facilmente o teatro, porque tem essa força do agrupamento;, garante. ;A gente gosta de reforçar essa presentificação e, ao mesmo tempo, colocar nosso tema em atrito com aquela plateia local. Você tem, dentro da peça, espaços para que a plateia fique presente.;
Para dar a dimensão de abandono e decadência, Marques e Janaína queriam lugares cuja estrutura evocasse alguma pujança. ;Era preciso dar essa impressão de que um dia tinha sido muito rico e de que, hoje, estaria abandonado. A primeira frase da peça é ;algo de muito ruim aconteceu aqui;. E tem essa família de elite voltando para esse espaço onde algo de muito ruim aconteceu;;, conta.
Do filme de Pasolini, a adaptação de Del Farra manteve o essencial: a família rica que retorna à casa destruída. O longa se passa em um momento de ascensão do fascismo na Itália e Marques viu correspondências com a história recente do Brasil. ;O Pasolini tem esse olhar peculiar para essa Itália fascista que começa a se desenvolver e a gente sentiu essa energia, quando fez a peça, com essa onda da extrema direita vindo. A gente queria um pouco olhar para essas pessoas;, diz. ;Esse estrangeiro representa a força da violência. No filme, ele chega com energia sexual, mas, no nosso caso, ele chega com uma energia mais de violência. A peça fala muito da apatia diante da violência.;
Como a peça será realizada fora do Plano Piloto, um ônibus foi disponibilizado para transportar o público até o Paranoá. A lotação será de 60 pessoas para quem for nesse ônibus, mas Marques avisa que vai receber também o público que chegar ao local em transporte próprio. Na casa, a plateia fica sentada em bancos e tem várias escolhas de ângulos e perspectivas para observar a ação enquanto a peça segue o curso. ;É um espaço que dá pra ver bem a ruína. As cenas vão se dando junto dessa plateia, têm cenas extremamente próximas e cenas extremamente distantes;, avisa o diretor.
Teorema 21
Com Grupo XIX de teatro. Direção: Janaína Leite e Luiz Fernando Marques. Quinta (29/8) e sexta (30/8), às 16h, na Qd 33 Área especial, S/N, Paranoá. O ônibus sai às 15h do Espaço Cena (SCLN 205). R$ 40 e R$ 20