Diversão e Arte

Visceral Cássia Eller

Disco gravado ao vivo no Teatro Rival, no Rio, em 1997, ganha primoroso lançamento e mostra o quanto a cantora surgida em Brasília era versátil

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 31/08/2019 04:07
Disco gravado ao vivo no Teatro Rival, no Rio, em 1997, ganha primoroso lançamento e mostra o quanto a cantora surgida em Brasília era versátil



É quase um consenso que Cássia Eller rendia muito mais no palco do que em estúdio. Uma prova disso está em Todo veneno vivo, gravação do show que cumpriu temporada de três dias no Teatro Rival, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1997, como parte do lançamento do álbum Veneno Antimonotonia.

O tributo a Cazuza, produzido e dirigido por Waly Salomão ; o mesmo do antológico Fa-Tal, de Gal Costa ; resultou num potente e explosivo espetáculo, em que Cássia, uma fera indomável, viveu um dos melhores momentos de sua carreira, que poderia ter sido longa, se não tivesse saído de cena, precocemente, aos 39 anos, em 2001.

Registrado na íntegra, Todo veneno vivo, que está sendo lançado pela Universal Music, 21 anos depois, nos formatos de CD duplo e álbum digital, traz 24 faixas, quase todos takes inéditos ; incluindo falas de Cássia ;, com exceção de Nós, Mis penas Lloraba/Soy Gitano, Farrapo humano e Amor destrambelhado, extraídas do Veneno vivo, de 1998. A produção é de Rodrigo Garcia (leia entrevista), músico que, à época, na condição de convidado especial, tocou em duas músicas: as citadas Nós e Soy Gitano.

Das 24 faixas, 14 têm a assinatura de Cazuza, com parceiros como Roberto Frejat (Beth Balanço, Blues da piedade, Pro dia nascer feliz e Todo amor que houver nessa vida, entre outras), George Israel e Nilo Romero (Brasil, que abre o repertório), Dé Palmeira e Bebel Gilberto (Preciso dizer que te amo), Guto Goffi e Maurício Barros (Billy Negão). Pouco conhecidas, A orelha de Eurídice e Menina são só do poeta.

A elas se juntam Geração Coca-Cola e 1; de julho (Renato Russo), Farrapo humano (Luiz Melodia), Faça o que quiser fazer (Felipe Cambraia, Lúcio Krops e Fábio Allman), Todas as mulheres do mundo (Rita Lee), Eu queria ser Cássia Eller (Péricles Cavalcanti). Em algumas delas, ouve-se trechos incidentais de outras músicas e citação de versos de poemas. Em suma, Todo veneno vivo mostra a eclética e indomável Cássia Eller, sem retoque, em toda plenitude.




Entrevista / Rodrigo Garcia


Quando e em que circunstância você conheceu Cássia Eller?
Conheci Cássia em 1992, primeiro bem rapidamente num show no Circo Voador. Quem me falou dela foi o Tatá Spalla, compositor mineiro, de quem ela gravou Comédia no disco Marginal. Mas, logo depois, fiz umas produções com o Nelson Faria, e em um desses shows dei uma carona para ela. Depois disso fomos ficando cada vez mais próximos.


Depois de conhecê-la, passou a trabalhar com ela?
Não. Isso demorou um bom tempo. Trabalhava numa empresa de comércio com meu pai, mas havia o amor pela música desde novo. Eu me identificava com Cássia naquela coisa de ;tirar de ouvido;. Tocava muito em casa, ouvia muito som, mas eu não sabia bem se era músico. Meu encontro com ela e Eugênia provocou grande reviravolta na minha vida. Daí, em 1995, me mudei para uma região rural no Rio. Aí ela passou a me visitar no sítio, e os sons foram rolando cada vez mais. A transição entre ;levar um som; e tocar oficialmente foi muito natural.


Em Todo veneno vivo foi a primeira vez que tocou com ela num show?
Foi a primeira vez que toquei, sim. Isso teve a ver com a entrada da Soy Gitano no set list. Era uma música gravada pelo Camarón de La Isla que eu a apresentei. Um dia, eu liguei para ela do único orelhão que tinha em São Pedro da Serra, onde eu morava, e ela me contou que ia estrear no Canecão. Aí me chamou para tocar esse número no show. Naquela mesma semana, fui para o Rio. O espetáculo era de quinta a domingo e havia um alvoroço. O Waly Salomão amou o momento flamenco, e, apesar de eu tocar desde os 7 anos, eu era ali um músico calouro, mesmo aos 29 anos, em meio a uma banda de feras. Mas por outro lado eu era muito chegado da Cássia e da Eugênia. A relação com ela como músico foi a materialização de um sonho que eu tinha. No momento certo, ela achou o que seria melhor para o meu violão, tocar o Soy Gitano e também Nós, do Tião Carvalho. O show foi apresentado em São Paulo e depois, voltou para o Rio e resolveram gravar a temporada de três dias no Teatro Rival. As apresentações estavam uma paulada e as gravações ficaram incríveis. Minha vida virou pelo avesso após esse show.


Quais foram outros trabalhos seus com a Cássia?
Desde 2012, eu cuido do material dela em parceria com Maria Eugênia e Chico Chico (filho de Cássia), e de lá pra cá eu organizei/produzi dois projetos da Universal o DVD Do lado do avesso e agora esse. Pelo nosso selo Porangareté idealizei e produzi o Espírito do Som com raridades da época dela de Brasília. Em 2012 também produzi Flor do Sol, faixa lançada depois de vários músicos convidados gravarem sobre o violão e voz de Cássia.


O material do disco com registro de 1997 estava em bom estado?
Sim, maravilhoso, e a ideia foi manter o mais original possível.


Como foi o processo de mixagem e masterização?
A mixagem veio pronta da época. Os takes dos três dias de show são incríveis e foram gravados em alto nível. Havia um caminhão na porta do teatro, com a máquina de 24 canais rodando, e um baita multicabo subindo pelas escadas do Rival até a rua. O som é muito vivo e cru, Cássia explodindo ao vivo e com uma banda fantástica e num superastral. A remasterização foi feita agora pelo Ricardo Garcia, e o principal foi essa análise que valia a pena lançar essas faixas pela força, ineditismo, pois na época de Veneno Vivo veio com 14 faixas e agora são 24.Vinte são takes inéditos. Enfim, todas são novas versões.



Todo veneno vivo
Álbum duplo de Cássia Eller de 24 faixas. Lançamento da Universal Music. Preço sugerido: R$ 39,90. Disponível também nas plataformas digitais.




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