Diversão e Arte

Versão sem cortes

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 31/08/2019 04:07
É sujo, como convém. O que valia num show de Cássia Eller era a catarse coletiva que ela propunha a partir de uma personagem que só existiu no palco ; inteiramente oposta, aliás, ao que ela apresentava no trato pessoal. Inquieta, radical, exposta, indomável, ela provocava e mostrava que o rock é bem mais que uma música para mexer o esqueleto.

Do Bom Demais (bar da Asa Norte) ao Teatro Rival há uma linha sequencial que mostra que Cássia sempre soube onde queria chegar. Não há porque estranhar que o show, agora disco Todo veneno vivo, começa com um cavaquinho anunciando a explosão elétrica de Brasil, a primeira das canções de Cazuza ; espécie de alter ego da cantora ; da gravação.

O novo disco recupera uma barbeiragem dos produtores que, em 1998, lançaram apenas parte do registro do show. Agora foram recuperadas as 24 canções apresentadas ao vivo em três noites de gravação; é possível ter uma noção bem mais completa do que foi ouvido na época. Melhor ainda é que 20 das versões apresentadas agora são tomadas inéditas.

Há mais de uma dúzia de canções criadas por Cazuza, o que é natural, já que o show é resultado do lançamento do disco tributo ao compositor, Veneno antimonotonia. Só que, ao vivo, as canções são representações muito mais autênticas; por melhores que sejam seus discos de estúdio, a verdadeira música de Cássia Eller precisava da parceria de uma audiência.

No show ela revira canções de roqueiros como Renato Russo, Lobão, Rita Lee e explora a música brasileira mais tradicional ; Noel Rosa aparece incidentalmente na faixa Brasil, com trecho de Coisas nossas, versos de Lama (Paulo Marques e Aylce Chaves) cruzam Por que a gente é assim?, e Luiz Melodia entra com Farrapo humano.

As misturas continuam com o boi maranhense de Tião Carvalho (Nós), antecipando o clima flamenco de Mis Penas Lloraba You/ Soy Gitano, do repertório de Camarón de La Isla, e tudo acaba em Rolling Stones. E ainda tem a pachorra de recitar a Ave Maria no encerramento de Todas as mulheres do mundo, de Rita Lee e Roberto de Carvalho.

A banda tem fome. Dá suporte para as invenções vocais de Cássia Eller, que encontra espaços precisos no meio da muralha de som criada principalmente pela guitarra de Walter Villaça, que tocou anos com ela. No conturbado momento nacional difícil encontrar uma trilha sonora melhor.




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