Diversão e Arte

Memórias do gótico

postado em 02/09/2019 04:07
O artista plástico, músico e letrista Luc Venturim, retratado pelo amigo Fernando Carpaneda




O retrato de Luc Venturim pintado por Fernando Carpaneda tem o tamanho de uma caixa de fósforo. O rapaz que nos encara com um semblante blasé no minúsculo retrato ; roupa e cabelos pretos, um crucifixo prateado na orelha, um cemitério ao fundo ;, pintado em acrílico sobre tela com pincel número zero, tem muito em comum como criador da obra. Além de serem artistas plásticos e grandes amigos, ambos são adeptos da cultura gótica.

A cena gótica é uma vertente do movimento underground derivativa do punk, uma espécie de degeneração obscura, culta, ocultista e melancólica daquele pessoal raivoso, crítico e ácido do final dos anos 1970. Música, arte, literatura, arquitetura e ocultismo são algumas das ocupações prediletas de pessoas como Luc, Carpaneda e seus amigos. E esses amigos são precisamente o tema da nova série que vem sendo produzida por Carpaneda há cerca de um ano, em Nova York.

Egresso da cultura underground do Distrito Federal do fim dos anos 1980, e conhecido por retratar esse universo em suas pinturas figurativas, muitas vezes com doses de homoerotismo e violência, Carpaneda começou agora a registrar lugares e pessoas que conheceu e frequentou na cena obscura em pequeninos retratos de suas memórias afetivas. ;Resolvi fazer essa série gótica para lembrar os santinhos de cemitério, que são geralmente bem pequenos;, diz Carpaneda sobre o formato.

Sobre o conteúdo, ele afirma: ;O movimento gótico é parte importante da minha vida, assim como o movimento punk. E também queria registrar alguns amigos, que foram e são importantes na minha vida até hoje;, declara o artista.;Pintei o Luc porque ele é parte importante do movimento gótico de Brasília, e o conheci bem antes de ter bandas e começar a pintar;, explica Carpaneda. Na verdade, Luc, que na época tinha 17 anos, dava seus primeiros passos tímidos na arte.

Ele já tocava em suas primeiras bandas punk e, embora ainda não se dedicasse seriamente às artes plásticas, já tinha desenhado a flor pisoteada que se tornou o logotipo da Landscape, espaço alternativo da 409 Norte que se tornou o pico das festas góticas na época. A decoração contava ainda com esculturas de Carpaneda, que acabara de conhecer Luc e, juntos, foram à inauguração da casa, em 2005. Um pouquinho antes, os dois haviam se conhecido de uma maneria peculiar.

Troca de ideia

Luc tinha acabado de conhecer Bauhaus, sua banda post-punk favorita até hoje, e começava a descobrir a cena gótica e entrar em contato com os trevosos da cidade pelo Fórum Gótico DF, que promovia festas e encontros. Pela internet, descobriu o trabalho de Carpaneda e ficou encantado. Quando soube que o artista estava na cidade, o neófito descolou o contato do pioneiro do movimento e foi convidado para seu apartamento, para ver as pinturas e trocar ideia.

;O Luc me ligou. Ele pegou meu telefone com alguém e disse que queria me conhecer. Fiquei com medo. Achei que ele era algum tarado;, brinca Carpaneda. ;Desde então, ficamos amigos e eu conheci os amigos dele também;.

Radicado em Nova Iorque desde 1995, o pintor voltou a Brasília para recuperar alguns poucos quadros e passar uma temporada de seis meses preparando sua nova exposição. A essa altura ele já era uma lenda do underground do DF e das artes plásticas.

No fim dos anos 1980, o jovem punk Fernando Carpaneda tinha acabado de conhecer a banda post-punk Siouxsie and the Banshees, sua banda favorita até hoje, e começava a descobrir o incipiente movimento gótico. ;Em Brasília, naquela época, não havia muitas pessoas ligadas ao movimento, quase ninguém. Acabei conhecendo alguns góticos do Gama e começamos a fazer as primeiras festas góticas em brasília;, lembra.

Foi assim que, logo nos primeiros encontros, conheceu o grande amigo Sidney Paulino, outra lenda do post-punk brasiliense. Reconhecido como um grande poeta, Sidney liderou a banda Lupercais que, até hoje, é uma das maiores referências da cena local. Carpaneda também o conheceu esse amigo de um modo singular. ;Conheci o Sidney em uma festa. Eu pulei dentro de uma piscina, com roupa e tudo, daí do outro lado pulou um cara gótico, também de roupa. Começamos a conversar dentro da piscina e nos conhecemos. Era o Sidney;, lembra.

*Estagiário sob supervisão de Severino Francisco

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