Diversão e Arte

Trilha sonora brasileira

O cantor e compositor celebra 20 anos de carreira com a gravação do CD e DVD, que tem participação de Chico Buarque

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 03/09/2019 04:08
Moyseis Marques e Chico Buarque: amizade e parceria em projetos musicais
Não falta quem veja, nas composições de Moyseis Marques, algo que se assemelhe à música de Chico Buarque. Artistas de gerações distintas, eles estabeleceram uma proximidade desde que, em maio de 2015, o autor de Vai passar juntou sua voz à do cantor em Mambembe, num show no Semente, saudoso bar que contribuiu para o renascimento do bairro da Lapa.

Antes, Moyseis havia tomado parte da remontagem do espetáculo Ópera do Malandro, criação do compositor, e do documentário Chico, um artista brasileiro, de Miguel Faria Jr. Agora, os dois voltaram a se encontrar em estúdio na gravação de Subúrbio, uma das faixas de Passatempo, CD e DVD comemorativo dos 20 anos de carreira de Moyseis.

Gravado no Centro Cultural João Nogueira, no bairro do Méier (Zona Norte do Rio de Janeiro) em novembro de 2017, Passatempo é um projeto viabilizado por meio de financiamento coletivo e está sendo lançado pela Biscoito Fino. A participação de Chico ganhou registro na faixa bônus e se juntou a outras 22.

Ele compôs com Nei Lopes (Profissional), Moacyr Luz (Meu canto é pra valer), Zé Renato (Xodó da lamparina), Edu Krieger (Xodó da lamparina), Cláudio Jorge (Passatempo), Bena Lobo (A barca dos corações partidos) e João Callado (Sambaião).


Ao celebrar 20 anos de carreira artística, que avaliação faz dessas duas décadas de música?
É um novo começo para mim. Alivia-me de classificações como sambista ou forrozeiro ou coisa que o valha; e, ao mesmo tempo, sou tudo isso misturado. Minha inquietude me faz trilhar um caminho mais universal - brasileiro, obviamente. ;Acho que sou um ;cantautor;, como gostam de dizer, um aspirante do que costumam chamar de MPB .


Você se vê como um dos músicos que contribuíram para a revitalização da Lapa?
Tomara que sim. Não estava lá desde o ;very beggining; , mas acompanhei essas transformações bem de perto: como público, primeiramente; depois, como cantor, e, em seguida, como compositor, no sentido de traduzir essa vivência, com suas dores e delícias, em forma de música.


Qual é a situação atual desse histórico bairro carioca, reduto de boa música?
O Rio é cíclico, tendo seu mundo próprio dentro do próprio mundo. A Lapa está lá, ainda cheia, mas não como na década passada. Naturalmente, como a noite de Copacabana migrou para a Lapa, sinto esse movimento se expandindo para a Zona Portuária, e até mesmo retornando para a Zona Sul. Carioca não gosta de mesmice, não consegue ficar muito tempo fazendo a mesma coisa, indo aos mesmos lugares.


Em seu trabalho, o samba prevalece; mas você interpreta outros estilos musicais, como o baião. Essa é uma característica de artistas da sua geração?
Talvez. Visto o manto de sambista com muito prazer, mas me interesso muito pelo Brasil musical, de um modo geral. O mundo do samba é tão rico e tão vasto que dá para ficar a vida inteira cantando samba, e respeito muito quem opta por esse caminho. O curioso é que sinto que quanto mais canto outras coisas, mais meu samba melhora, tem mais fundamento, mais ;sustança;. As fronteiras são muito menores do que imaginamos.


Passatempo, o DVD que está lançando, remete à sua origem? Você se vê mais como compositor ou cantor, ou as duas funções se complementam?
Se completam e brigam, como um casal apaixonado que vive junto há anos (risos ). O cantor cuida da voz, dorme cedo, faz exercícios, enquanto o compositor fica vagando por aí procurando motivos, cores, histórias, apelos, assuntos.


Nas 23 faixas do DVD, há regravações e músicas inéditas. Estas foram compostas há mais tempo ou recentemente?
Há três canções inéditas : Passatempo, com Cláudio Jorge; Sambaião, com João Callado, e Amor de Sabiá, com Vidal Assis; além da vinheta Ainda gostas de mim, sem parceria. Todas as outras foram rearranjadas para esse trabalho, que é uma retrospectiva da minha carreira.


Ter a admiração de Chico Buarque pelo seu trabalho representa o quê?
A certeza de que ser teimoso, quando se acredita no que faz, no fundo, vale a pena.


Que lembrança guarda da noite no saudoso Semente, onde fez duo com o Chico no clássico Mambembe?
Estar perto de um ídolo é um risco. Ele pode suprir ou não suas expectativas. Já me decepcionei com alguns. Mas, com o Chico, nesse dia, foi tudo tão natural e espontâneo, que foi sublime, como se estivéssemos na sala de casa. Ele me pareceu feliz com a possibilidade. E eu, mais ainda, por ter certeza de estar no caminho certo - o que eu escolhi.


Foi isso que o levou a convidá-lo para participar do DVD na faixa Subúrbio ; a única gravada em estúdio?
Foi isso que me deu coragem. Dizem ser impossível tirar o Chico de casa. Sem saber que era impossível, eu fui lá e fiz.


Laila Garin e Marcelo Mimoso, presentes em Juntando cacos e Amor de sabiá, respectivamente, foram convidados por quê?
O teatro e o forró; além do samba, são duas grandes paixões. Laila representa meu período de Ópera do Malandro, pela proximidade com a Barca dos corações partidos, companhia da qual fiz parte. Gravamos juntos no filme de Miguel Faria Júnior, o longa Chico, um artista brasileiro. Já Mimoso é meu amigo de longa data, uma voz característica e necessária do forró pé de serra. Já cantávamos Amor de Sabiá no projeto Forrodaqui, um coletivo de músicos de forró aqui do Rio.


Os problemas vividos pelo país nas áreas política e econômica, atualmente, refletem também na vida dos músicos?
Claro que refletem, mas não quero me deixar contaminar. A preocupação é um quarto escuro e quente onde a negatividade vem se deitar. Minha vida artística sempre foi assim, pouco investimento e muito trabalho. Sou um outsider. Esse produto foi finalizado pela Biscoito Fino, mas vale lembrar que foi viabilizado por meio de financiamento coletivo.


Aliás, qual é a sua leitura do momento ; marcado pela intolerância ; que o Brasil está vivendo?
Polarização, incertezas e uma esperança não sei de onde, onde a festa é a própria revolução. Espero que esTe momento difícil que estamos vivendo sirva para pensarmos melhor nos vereadores, deputados e senadores que estamos elegendo. Precisamos dar um chute na bunda desses brancos sexagenários do congresso nacional. Reforma política já ! O Brasil é um país rico, enorme, multicultural, miscigenado. Isso tem que se refletir na nossa representatividade política. Só assim daremos passos mais largos no caminho da tão sonhada igualdade social. Não sei se vejo isso ainda nesta vida. Talvez meus filhos e netos.


Passatempo
CD do cantor e compositor Moyseis Marques, com 22 faixas e uma bônus. Lançamento da gravadora Biscoito Fino. Preço sugerido: R$ 42.

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