Diversão e Arte

Filme 'O corpo é nosso!' escancara as injustiças sociais contra mulheres

Confira a entrevista com Theresa Jessouroun, diretora do longa

Ricardo Daehn
postado em 09/09/2019 08:19
Expressões culturais como o funk ocupam a trama do documentário

Mesmo sem saber do planejamento da produção de O corpo é nosso!, filme documental que conta injustiças sociais contra mulheres, a assistente social e ativista de direitos Lúcia Xavier, entrevistada pela produção, largou, espontaneamente, um dado aterrador e recorrente: ;Sem saber que íamos mostrar cenas ficcionais que apresentavam um homem com a iniciação sexual feita com uma empregada doméstica ; caso do nosso personagem ; Lúcia falou disso de uma maneira forte e esclarecedora; do quão banal isto sempre foi na nossa sociedade;, conta a diretora do filme Theresa Jessouroun.

Bem recebido pelo público de festivais estrangeiros, entre os quais o Porto Femme (Portugal) e o de Durban Int;l Film Festival (África do Sul), O corpo é nosso!, que alcançou o circuito exibidor de Brasília, teve pesquisa embasada em um ano e meio de esforços. Problemáticas levantadas por feministas e demais pessoas com bom senso ocupam a tela.
;Na pesquisa, um livro leva a outro, que indica outro; vertentes vão surgindo, apontando imagens e músicas. É um tema amplo demais. Optei por mesclar as cenas documentais com cenas ficcionais para mostrar, num exercício de metalinguagem como um documentário pode provocar num homem ; no caso, um jornalista ; reflexões sobre seu próprio comportamento e o da família dele, ao assistir entrevistas deste filme;, explica a diretora. Confira abaixo, a entrevista com a realizadora.
Theresa Jessouroun:
; Entrevista // Theresa Jessouroun, diretora

Mesmo sendo mulher, o filme alargou sua visão de feminismo, diante de temas abordados por diversificados meios?
Com toda a certeza. Ao estudar o tema, ler livros e textos, todos meus conceitos foram alterados. Passei a entender melhor as diferenças das reivindicações dos diferentes feminismos e como esta trajetória de liberação do corpo, que eu me propunha a mostrar, é diferente para mulheres brancas e negras. Não sou a favor de guerras entre homens e mulheres. Acho que as mulheres avançaram em muitas conquistas, mas ainda falta muito a ser alcançado. É importante que todos reflitam juntos sobre as reivindicações das mulheres e ainda sobre a opressão de gênero, raça e classe que permanecem entranhados na nossa sociedade patriarcal. Haverá, assim, uma sociedade melhor.

Que diferenciação buscou, com um documentário que adentra o campo da imaginação?
Ao misturar cenas documentais com ficcionais, pretendi fazer uma metalinguagem, mostrando um jornalista que, ao assistir as entrevistas que eu faço para o filme, passa a fazer uma autorreflexão sobre seu comportamento e de sua família, principalmente em relação ao racismo e ao preconceito de classe. Queria dar ênfase à principal função do documentário que é, exatamente, provocar reflexões sobre temas.

Qual a proposta fundamental na concepção do longa?
A proposta é mostrar como seu deu a trajetória da liberação do corpo da mulher branca a partir do século 19, quando os corpos eram cobertos, destinados à reprodução ; no caso das brancas e que, com ajuda de fatores culturais como a dança, a música, o esporte, conseguem se libertar e hoje dançam empoderadamente nos bailes funk, mostrando mulheres donas dos seus próprios corpos. Já as negras, tiveram seus corpos muito mais expostos como escravas, nas lavouras, ou nas ruas como quituteiras, e hoje são ainda vistas como objetos sexuais e principais vítimas da violência sexual.

;Lugar de fala; é algo limitador, na sua opinião?
Na nossa sociedade patriarcal, fomos educados na opressão, onde a palavra do homem branco sempre foi a dominante. Mulheres brancas não podiam falar, mulheres e homens negros muito menos ainda, LGBTQs também, ficando invisíveis. A expressão ;lugar de fala; surgiu para mostrar o rompimento do silêncio das minorias socialmente excluídas do discurso dominante. Hoje, surgem vozes de gêneros, raças, orientações sexuais e classes sociais distintas. Na minha opinião, isto não quer dizer, porém, que uma pessoa branca não possa falar sobre a questão racial por não ser negra. Pode sim, desde que com ética. Se sou branca, meu lugar de fala sobre o racismo é diferente do lugar de um negro ou uma negra, mas eu posso e devo ser tão crítica quanto eles ; até com bastante propriedade ; porque nasci nesta classe racista que manteve este padrão de comportamento.

Com se deu a presença do Rodrigo Faour no filme? Que espectador homem está apto para ver teu filme?
Rodrigo Faour fala brilhantemente sobre as mulheres da música brasileira que foram importantes por quebrar padrões machistas de comportamentos. Porque eu não deixaria um homem falar sobre isto? Ele é um pesquisador da música brasileira, cujo livro História sexual da música brasileira me chamou atenção para estas mulheres. Tenho escutado que este filme é para homens, e será muito bom se ele ajudar homens, que nem se dão conta que são machistas, na reflexão sobre seus comportamentos.

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